quinta-feira, 1 de julho de 2010

Histórias de uma vida não vivida(22)


*Odiava listas. Os melhores disso, os piores daquilo. Listas nostálgicas eram piores ainda. O melhor beijo, os maiores fiascos, as melhores noites de sábado. Odiava colocar em ordem qualquer coisa que fosse. Talvez porque sua mente era uma bagunça constantemente aumentada por coisas e coisas. Errado não estava, pois não perdia tempo algum no passado. Sem sonhos até que a lenda do cupido passou a ser um momento, o seu momento. Odiava listas mas não escondia que aquele era o dia mais feliz, e inesperado que já havia vivido. Um começo no fim, sem importar-se com o fim propriamente dito, se é que haveria um fim. Sem importar-se com a possibilidade de tudo não passar de um sonho de alguém que jamais havia sonhado.

Lendo um livro para um trabalho que precisava fazer, ouviu seu celular tocando. Tendo em mente que só recebia ligações quando, ou precisavam de sua ajuda ou alguma coisa ruim havia acontecido, temeu pelo pior. Não poderia parar de ler para ajudar alguém, mas dificilmente negaria se fosse o caso.

- Alô?!
- Ei, vai fazer o que hoje de noite?
- Estudar.
- Tá brincando? Hoje é sexta, dia de descansar, de ir para a festa ou ao menos ficar sem fazer nada.
- Não posso.
- Sem frescura, vem aqui em casa jantar.

Não poderia ser verdade, aquele era um de seus novos amigos da faculdade, não fazia sentido ele lhe convidar para jantar. Além disso, a sua... bom a sua companheira, para não dizer outra coisa, que não era nada além de companheira mesmo, poderia ligar para conversarem sobre os desentendimentos dos últimos dias.

- Deixa para outro dia, não posso hoje.
- Por que tá falando assim?
- Porque as pessoas só me ligam quando tem uma notícia ruim para contar ou quando precisam da minha ajuda.
- Eu não liguei por nenhum desses motivos. Liguei porque quero que você venha jantar comigo e com a minha família. Talvez a...

Aí a coisa mudou de figura. Aquele "a" indicava que ela poderia estar lá, uma vez que ele, seu colega, e ela, sua... enfim.
- Talvez?
- Sabia que isso ajudaria na tua decisão. Oito horas aqui em casa. Tão tá.

É, ele sabia mesmo que pesaria na decisão saber que a... bom, que ela estaria lá. Mesmo que fosse só uma possibilidade. Então é óbvio que, depois disso, não havia mais livro, não havia mais louça para lavar ou roupa para dobrar e guardar. Só pensava naquela janta e na possibilidade de ver a... de vê-la. Toda essa empolgação ia contra suas recaídas com pensamentos de "que bobagem, ela não estará lá".

Minutos passam, completam horas e já eram 20 passadas daquele dia. Chegou na casa do amigo e logo de cara viu que a... que... bem, que ela estava lá. Nem teve tempo de se apresentar e ela, para a surpresa de todos os presentes, pais, tios, avós, o colega e a vizinha fofoqueira, correu ao seu encontro e disse com boa entonação:
- Família, esse é o meu namorado.

Ãhn? Nem bem se conheciam, nem bem tinham passado algumas horas juntos, nem bem sabiam algo sobre o outro. E ainda por cima discutiram sem razões justificáveis nas últimas vezes em que se encontraram. Não se viam há seis dias, ela havia deixado claro que aquilo, fosse lá o que estivesse sendo, não iria longe. E agora isso, namorados? Era demais para uma só noite, para um só sujeito, para um só jantar.

Antes que pudesse falar ou balbuciar uma palavra, começou a rir. Mas ria como se fosse criança vendo uma outra criança escorregando em uma nasca de bacana, digo, em uma casca de banana. Ria incontrolavelmente como bobo, talvez porque fosse assim que sentira-se ao ouvir que, sem saber tinha agora uma namorada. Não que sua vontade fosse outra, mas poderia ter sido avisado antes.

Tentavam perguntar-lhe algumas coisas mas ele não conseguia fazer nada além de rir. Risadas que tentavam ser, em vão, engolidas, esquecidas. Ninguém entendia o porquê. Nem ele, nem seu colega, nem a sua... namorada. Bah, essa era realmente nova. Mas não, não... não o que mesmo? Ah sim, não fazia sentido. Hahaha, e ria como criança quando ganha chocolate, como adulto quando acha uma nota de dois reais no chão, como um senhor de idade quando vê seus netos sujando-se na lama.

Ria, sem compreender ao certo aquilo. Achando engraçado cada parte daquela comédia digna de Shakespeare, ou algo próximo e atualizado. A apresentação, o compromisso, o espanto seu e de todos, a ligação, o entusiasmo, o trabalho que precisava ser feito. Não sabia mais ordenar o passado e o momento presente.

E sorriu, feliz.

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