sábado, 15 de agosto de 2015

Cartas do Billi J.

"Caro amigo Vinícius!

Há muito não escrevo-lhe pois há semelhante muito não consigo transcrever minhas notas mentais em palavras passíveis de leitura. A vida, como um todo, tem sido boa porém, é bem verdade, não há tranquilidade suficiente, sequer uma mínima intensidade para dizer que estou bem. Não estou mal, deprimido ou decepcionado, não, não é nada disto. Tampouco beiro a novidade, os sonhos e a alegria. Vivo um marasmo difícil de lidar e sei que você sabe bem do que estou falando.

É difícil, para quem não conhece a situação como um todo, entender o que se passa comigo e que, como bem sei, já se passou - será que ainda passa? - com você. As pessoas, meu amigo, não sabem mesmo o que é construir uma base, definir um caminho e beijar as portas do inferno que surge quando as metas decorrentes das escolhas não são alcançadas - quaisquer que tenham sido os motivos. Não é uma má fase, uma decepção ou uma frustração que pode ser comparada com um inferno - Deus nos livre daquela bobagem de inferno astral que nossos contemporâneos insistem em cuspir em nossos já fadados ouvidos.

Você sabe bem do que estou falando, mais uma vez. As pessoas, num todo, não entendem o que é, em si, o fundo do poço, a porta do inferno, o túnel sem luz ou o beco escuro, fétido e sem saída. As pessoas não entendem porque, para elas, qualquer situação que transcorre de forma diferente do que elas querem, ou por alguma expectativa criada, geralmente superficial, acaba sendo uma grande razão para julgarem suas vidas como alvo de conspiração cósmica - ai ai ai -, azar ou algo que provoque nelas lamentações ou decepções de qualquer espécie.

Quem almeja o raso acaba se decepcionando, e sofrendo, pelo que é raso e superficial, ainda que a dor sentida não o seja porém, é bom ressaltar, é injusto comparar a dor de quem vai muito além daquilo que é vago e passageiro com a dor daqueles que buscam a Plenitude e o Sublime. Seria injusto dizer que todos sofrem na mesma intensidade. Não é verdade. Quem recebe 100 reais e perde um sofre menos do que quem recebe mil e perde 100, mesmo que o segundo receba muito mais e, no fim, tenha muito mais. É injusto comparar as perdas neste exemplo superficial do mesmo modo que não pode ser aceitável comparar as dores de quem fica vivendo levianamente com as de quem realmente batalha por algum fruto da Verdade.

As pessoas, meu amigo, realmente não sabem como é se preparar uma vida inteira para chegar a um momento de intensa Alegria e não conseguir chegar até ele por diversos fatores. Não, não faltou luta, esforço ou sacrifício. Não falta nada disso, ainda. As quedas durante o caminho foram superadas embora nem todas possam ser relevadas como uma simples perda.

Quem se prepara para o Céu não pode ficar satisfeito por ter raspado, ainda que no passado, nas portas do Inferno. Não é fácil lidar com esta certeza, que sempre fará parte do passado (e algumas vezes insiste em tentar se fazer viva no presente, novamente), e que insiste em tirar a tranquilidade todas as vezes em que volta à mente - ainda que seja feita uma guerra para evitar que isto aconteça.

Não, Vinícius, as pessoas realmente não entendem que guerra é essa. Que vida é esta que queremos. Que sonhos insanos temos buscado. Não entendem que as nossas dores foram consequências de nossas falhas e limitações e não de um aproveitamento vago, e inútil de vida - como elas quase sempre fazem. Não são experiências dignas de felicidade ou calmaria. São destroços nossos que poderíamos ter evitado se tivéssemos conseguido ir além de nossas forças, com Alguma ajuda e uma humildade que nos faltou para reconhecer que éramos incapazes - e ainda o somos.

As pessoas não entendem que Sonhos, de verdade, exigem sacrifícios e não fazê-los comprova a falta de desejo, real e puro, por eles. Poucos conseguem entender todas as vezes senti um aperto gigante no meu coração, uma angústia absurda e uma vontade quase incontrolável de explodir para não sentir mais dor. Não conseguem entender porque não faz sentido o sofrimento por erros que para elas são rotina, aceitável e prazerosa rotina. É tudo normal, tudo cabível, tudo tranquilo para estas pessoas que não entendem que para ir além é preciso buscar um auto conhecimento próximo do total, uma humildade crua e uma sinceridade radical nos sonhos, no querer e na busca pelo que é Verdade.

Até mesmo meus anos de sofrimento pela ausência da Renata, Vini, e pelos anos de namoro com ela, volta e meia me trazem imagens de atitudes e escolhas que tenho vergonha de lembrar. Amei-a intensamente todos os dias em que estivemos juntos, todos os dias dos anos em que ela esteve na Inglaterra e durante alguns meses depois que terminamos também porém, hoje, anos depois, não posso dizer - como fazia tempos atrás - que ela é o grande amor que tive. Não construiremos uma história definitiva juntos e, então, não faz sentido continuar exaltando-a no lugar de alguém, que virá e completará o que há tempos percebo faltar.

Queria poder dizer que soube esperar até aqui. Que soube me proteger. Defender meus sonhos e os Sonhos que regem minha própria história mas falhei, meu amigo. E como falhei. Tantas e tantas vezes esqueci que momentos passam e sentimentos ficam. Minha tristeza era profunda toda vez que não conseguia evitar os erros que destruíram minhas chances de provar que o meu desejo estava muito longe daquilo que meus olhos conseguiam ver. Falhei miseravelmente todas as vezes em que decidi seguir os instintos meramente humanos.

As pessoas não entendem isso, meu amigo. Não entendem por qual motivo fiquei tão mal, e por tanto tempo, quando percebi o tamanho do mal que deixei crescer em mim. Habitar em mim. Sorrir em mim. Sorrisos estes que nunca mais quero ver.

Sei que você me entende. Que sabe do que estou falando. E que compreenderá por que é, para mim, tão difícil fazer de conta que o que passou foi pura, e simplesmente, vivência de uma vida normal. Não foi. Não é. Nunca será. Uma pena que apenas agora, depois de tanto tempo, eu consiga ter a firmeza suficiente para afirmar isso e a humildade para reconhecer que nunca conseguirei chegar, até onde os Sonhos querem me levar, sem um auxílio.

P.S. O olhar, o sorriso, o abraço e o simples fato de me fazer querer companhia para a Eternidade. Que incrível é isto mesmo que, ao menos por enquanto, seja apenas esporádico e não recíproco.

Quero, de verdade, de ter o direito de ouvir aquela voz, ser alvo daquele carinho e ter a obrigação de ser a melhor pessoa do mundo para ela.

Não sei se poderei viver isto mas... estou tentando ser o máximo possível paciente, de uma forma que nunca fui - o que, também, me levou a sempre cometer erros infantis.

Abraço, amigo.
B. Johan"

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Histórias de uma vida não vivida (68)

*Enquanto estou aqui, onde estará você? Será que já não estou esperando-a a um tempo assumidamente suficiente? Ou o sublime que você experimentará ao meu lado faz com que toda espera seja mera formalidade insignificante? Onde você está que não aqui, ao meu lado? Quando, ao sentir a delicadeza de suas suaves mãos, perco a noção da própria existência, estou beirando um surto ou apenas experimentando o próprio Paraíso? Cada detalhe parece tão único, tão espetacular e tão intenso que me perco ao descrevê-los. Sou incapaz de transformar em palavras todas as sensações, e os sentimentos que existem simultaneamente, e, sendo assim, nada posso fazer além de esperar. Onde quer que você esteja, gostaria que estivesse aqui. Por qualquer que seja o motivo que não está, estou esperando. Aliás, aprendendo a esperar. Nunca pensei que o próprio Céu pudesse ser tocado com minhas humanas, e limitadas, mãos. Nunca pensei que almejaria com tamanha vontade a própria Eternidade em meus dias de tempo limitado. Ainda estou um pouco atordoado com todo este mundo que venho descobrindo e, não tendo experiência na espera pelo Tudo, sinto um forte e insaciável medo de concluir outra página com um ponto final vazio, seco e decepcionante. Não sei o que virá. Como será. Se será. Você. Quando. Onde. Por quanto tempo. Nada sei com relação ao que foge do meu próprio ser. Tudo que sei, por fim, é que há algo incrível que só alguém como você poderia ter sido capaz de produzir em alguém tão duro, e indiferente, quanto eu. Só a pureza de um coração repleto de Amor poderia ser capaz, ainda que não intencionalmente, de trazer de volta a sincera espontaneidade típica daqueles que são tocados por respingos de Céu, por feixes, mesmo que minúsculos, de Luz. A incerteza e a insegurança, o medo e a ansiedade, e todos os seus semelhantes, não são capazes de tirar a tranquilidade que é fruto da esperança de vivência de uma intensa, e sublime, Alegria.

Quando olhei para o relógio, após incansáveis minutos, ou horas, de leitura, não pude acreditar que o dia já havia acabado e eu continuava ali, parado, com um livro na mão. Enquanto as histórias, de outras pessoas, eram imaginadas enquanto as lia, a minha própria história, escrita com rabiscos tortos e inelegíveis, permanecia parada, intacta, imóvel e, possivelmente, inútil. Aproximava-se o novo dia da primeira hora e eu, ainda pasmo, tentava imaginar o que poderia, ou mesmo deveria, estar fazendo para que a minha vida ganhasse a intensidade própria da literatura na qual havia estado preso, por olhos e mente.

A beleza das formas, a perfeição das descrições e a complexidade das relações em nada assemelhavam-se ao que conseguia visualizar na minha própria história. Como alguém que não consegue listar sequer cinco pessoas importantes para si seria capaz de viver algo semelhante, ainda que minimamente, ao que absorvia da vida de outrem? Aquilo não fazia qualquer sentido para mim. Eram tantos detalhes que, quando tentava encontrar análogos em meu dia, não conseguia sequer terminar uma frase. Os tempos em minha vida perdiam-se tanto quanto se perdem aqui, nestas farsas supostas frases.

Nada em minha vida poderia ser relacionado, e comparado, sequer à mais simples das histórias lidas. A falta de detalhes, pessoas, situações, opções e intensidade me pareciam, e ainda parecem, prova de que há uma vida inteira sendo desperdiçada. Não consigo seguir muito adiante porque tornar-me-ei repetitivo por não ter condições de contar sequer uma história engraçada. Triste. Alegre. Curiosa. Decepcionante. Enfim. Sinto como se meu tempo estivesse sendo meramente jogado fora em uma rotina decepcionante de um ser humano deprimente. As horas passam e eu continuo aqui, ali, acolá e nada, mesmo, acontece. Mesmo um náufrago, sozinho em uma minúscula ilha, é capaz de ter uma vida com mais detalhes, acontecimentos e experiências do que a minha. Parte disto é fruto da depressão. Outra parte é da incompetência em sair dos meus limites, tão medíocres, e viver.

Queria poder encontrar uma razão para sair daqui, correr, bater, quem sabe morrer. Queria ser capaz de cortar as cordas invisíveis que eu mesmo enrolei, e apertei, sobre meus braços e pernas para poder ao menos cair. Sequer decepções pontuais consigo viver. A decepção é apenas uma: a falta de vida. Sinto-me despedaçado como um quebra-cabeças que não foi retirado da caixa. Ele está separado por nunca ter sido usado e é este tipo de fragmentação que pareço ser.

Indo além, não espero que alguém venha e transforme minha vida. Tire-me da minha melancólica morte diária. Não. Já disse que minha vida, medíocre, não permite a aproximação de alguém, por mais abençoada que a pessoa seja. Continuo intacto, imóvel, imerso em vidas que não são minhas, em histórias que nunca poderei contar, em decepções e alegrias que nunca serei capaz de experimentar, lamentar, reviver e agradecer.

Continuarei aqui, por algum tempo, morrendo lentamente por não conseguir sair do lugar. Por não conseguir ir para longe sequer em pensamento. Limitações, mediocridade, misérias, defeitos e covardia. Tudo isso e mais uma grande quantidade de coisas.

Já não faz sentido continuar. O relógio não para de caminhar e, ainda assim, é mais rápido do que eu e meu vão, inútil e patético esforço para correr.