terça-feira, 31 de maio de 2011

Pedaços de um pensamento (19)


Dedos se entrelaçam e, junto com os olhos direcionados para o chão, demonstram que há algo incomodando. A espera, em si, é tranquila e cheia de confiança, ameniza a angústia do imediato e possibilita a calmaria que sempre vem quando há certeza. Espera que vem sem tranquilidade indica que existe uma desordem em algum ponto do 'sei que será assim, então estou bem'. Não por falta de confiança no que, quererá uma Boa vontade, venha a ser de fato, tampouco por duvidar no que tudo isso trará e nas suas positivas consequências. Algo está errado na ligação disso tudo, no ato presente de parar e concluir, inconscientemente, que 'não preciso me preocupar com o que não está ao alcance de minhas mãos'. Simples seria se a mente que comanda meus pensamentos não fosse tão inconstante e desse importância a detalhes insignificantes como 'e para mim, nada?!', levando o rosto a uma triste feição e o ímpeto ofensivo da vontade à lamentável estagnação em um lugar que não deixa de ser um grande e imenso nada. Contraditório é saber o que acontece, por que acontece e o que fazer para melhorar e, aí vem o incompreensível e tolo, não fazer valer disso para escalar o poço e vir à tona, sentir o calor dos raios de Sol e poder gritar, com força e destreza provenientes da alegria espontânea, 'que vida!'. Pois então, palavras vão e voltam, distantes daqui. Estaria sendo um invejoso se, em verdade, desejasse o fim disso tudo apenas por não ter palavras semelhantes aqui, comigo. Não é o caso, não há inveja, não há raiva ou mágoa. Tudo que algum dia foi isso, por aquilo, é um passado tão insignificante que não dou certeza de sua existência. Há um desânimo, houve dias atrás a vontade de largar tudo e recomeçar em outro lugar, presencial. De que valeria sair daqui e continuar assim, em um poço de água salgada criado por mim? Não há entendimento para tudo isso além da minha mente, da origem de todas essas palavras.

Palavras que, definitivamente, serão diferentes quando chegar a hora certa. Sendo um louco ou perdendo o meu tempo, continuarei à espera. Independentemente do que condiz com a minha vontade, com o meu sonho ou com aquilo que é meu e ainda desconheço.

domingo, 29 de maio de 2011

Histórias do Billi J. - Em resposta, adeus passado


"Amigo Manfio.

Li seu último e-mail e fiquei positivamente surpreso. Você está conseguindo se expressar com maior clareza e mostrando muito mais o que está acontecendo na sua vida, assim é muito mais fácil entender e tentar ajudá-lo embora, por exemplo próprio, saber que nesses casos a ajuda alheia acaba muitas vezes restringindo-se ao simples fato de demonstrar preocupação.

Tivemos uma adolescência parecida e depois de ter concluído uma das minhas metas para esse ano, sei que posso lhe mostrar um bom exemplo. Como você, enfrentei pessoas que de várias formas atrapalharam a normalidade do desenvolvimento da minha personalidade e me impuseram dificuldades que aos poucos precisei superar para conseguir ter uma paz com meu passado. Sei que com você também acontece isso e me alegra saber que você está conseguindo deixar tantas mágoas e outros maus sentimentos, dentre eles a preocupação com o que não foi feito, para trás. Transcreverei uma carta que escrevi há duas semanas para sete daquelas pessoas que tanto tentaram, e fizeram, para que não houvesse tranquilidade na minha vida. Não acho que seja o seu caso mas é uma boa maneira de ser direto e, com nobreza e serenidade, expurgar da vida o que tanto nos incomoda ou, no meu caso, incomodava.

Escrevi para eles assim: 
"Saudações, antigos colegas. Não escreverei muitas palavras pois sei que o tempo de vocês é tão escasso quanto o meu para coisas que não lhes importam. Não sabem o quanto tive de lutar para superar as provocações, as humilhações e tantas outras atitudes ridículas que tiveram para comigo nos muitos anos em que dividimos a mesma sala. Lembro de cada uma e por muito tempo alimentei um sentimento de raiva para com todos vocês. Nunca fez diferença para vocês, mas para mim foi sempre um fardo pesado que tantas forças tirava de mim. Com o passar do tempo, trabalhei em cima disso e hoje posso dizer que sou livre de todas as mágoas e de toda a raiva que por tanto tempo guardei. Vocês não são mais nada e suas lembranças me preocupam tanto quanto um gato morto preocupa um rato. Demorou algum tempo mas consegui me desprender de todas aquelas lembranças de momentos, terríveis para um adolescente em formação, que passei próximo a vocês. Pela Renata, por meus pais e pelo bom Deus consegui ter forças para sobreviver e nunca chegar ao mesmo nível de vocês. Hoje, ao lado dela, deles e Dele, sou feliz e tenho liberdade para dizer que a parte da minha história que vocês escreveram, por um motivo que não compreendo bem, não tem relação alguma com o presente. Que suas vidas sejam boas e seus filhos não sigam seus exemplos. No mais, tenham saúde e felicidade. Sendo insignificantes ou não para vocês, são sinceras minhas palavras. De alguma forma, agradeço por terem me fortalecido tanto, apesar de tudo. Adeus, passado."

Talvez nem cheguem a ler, mas escrever e mandar para os endereços certos me fez bem. De verdade, muito bem. Acho que ao tocar nisso e não sentir-se mais preso, você consegue uma liberdade muito grande do que tanto lhe prejudica. E isso é tão bom meu amigo. Você está quase lá, pelo que percebo em suas palavras, isso me alegra. 

Quanto ao mais importante do que você escreveu-me, tenho que lhe dizer que você, como eu por algum tempo, e como a maioria das pessoas, errava ao generalizar um problema como o problema, uma dificuldade como a dificuldade. O pior disso é perceber, depois, que apenas atrapalhamos o andar natural das situações. Colocamos mais peso nos problemas e perdemos força para reconstruirmos nosso caminho. Não, não estou falando de otimismo e todas aquelas baboseiras afins. Estou falando de uma responsabilidade que, inconscientemente, carregamos por querermos sempre acertar, por buscarmos sempre a melhor das pessoas e por entender que não merecemos o ruim. Fica a pergunta, se não merecemos o que é problema e dificuldade, o que invariavelmente se tornará aprendizado, merecemos de verdade o que temos de bom em nossas vidas?

Sem tentar ser quem não se é e conseguindo entender que ninguém é perfeito, e você nunca o será, tem-se mais tranquilidade para ser pontual em possíveis mudanças e, com uma grande dose daquela loucura sincera, esperar pelo que há de vir. Só nunca deixe de lado aquilo que é verdadeiro em sua vida e muito menos aquelas pessoas que você sabe que são indispensáveis para você, mesmo que às vezes você se sinta um tanto esquecido. No fundo você sabe, e deve tirar essa ideia da mente e fazê-la superar o desânimo da solidão, que há pessoas que se importam e querem saber de você.

Parece que você me escreveu depois dos piores dias dessa fase, o que indica que ela já passou, isso é bom. Como também é bom ver que há algumas mudanças em andamento. Buscar a verdade, a justiça e a sinceridade no dia-a-dia deve ser uma luta incansável para nós. Sim, também estou tentando evoluir mais, deixar para trás hábitos que nada acrescentam na minha vida. Algumas pessoas não entendem essa vontade de melhorar, de crescer e de deixar para trás o que não é bom. Nunca chegaremos à perfeição mas felizmente, e sei que falo por você, nunca nos conformaremos com o que de errado há conosco.

Torço para que os condicionais alheios dos quais depende grande parte da sua felicidade venham cada vez mais para perto de você, dando-lhe a oportunidade de começar a escrever, de uma vez por todas, uma história tão espontânea, conturbada e, claro, engraçada, quanto a minha.
Grande abraço. Continue escrevendo." 
Ass. Billi J.

"...let the wind blow through your hair, be nice to the big blue sea..."

sábado, 28 de maio de 2011

Histórias do Bandiolo - Mais longe do que nós


- Incrível como eles conseguem fazer o ônibus andar sem que todos estejam sentados.

Sei que ouvir isso me pareceu uma reclamação um tanto mau humorada de alguém que reclama de tudo. Até porque, quanto antes o ônibus sai, antes ele chega ao destino e nem a minha confusão com mochila, pão, bolachas e o cartão do ônibus me tirariam a vontade de chegar no horário da aula.

- E ainda por cima vamos em pé, por que não colocam mais ônibus já que aumentam o valor das passagens?

- Não sei, acho que em todos os lugares é assim.

- Claro, todo mundo aceita numa boa e os grandes amassam os pequenos.

Fato inquestionável. Fui então para o fundo do ônibus e ela, com a entrada de mais pessoas, acabou parando, em pé, ao meu lado.

- Mas eu te garanto que isso vai mudar e que daqui a pouco iremos sempre sentados.

Gente idealista e sonhadora me faz rir. Talvez porque veja parte do meu ridículo nelas.

E isso não deixa de ser engraçado.

"...and I know how I feel..."

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Histórias do Bandiolo - Como criança com a tia da peruca


Daquelas muitas reflexões sobre a existência humana perante a natureza, estavam dois amigos caminhando sozinhos no meio da multidão pelas calçadas das esquinas de qualquer lugar, analisando tudo e todos, inclusive um dos muitos cães de rua que caminhavam por ali também.

- Esse cachorro passou por tantas pessoas, olhando-as, e continuou seu rumo indiferente a elas. Quando chegou perto de mim, simplesmente parou.

- O que você acha que isso pode significar?

- Ou eu sou muito feio ou ele sentiu-se familiarizado comigo.

- Não acho.

- Não acha o que?

- Que tenha se familiarizado com você.

- Que bom.

- ...

- Peraí, por que você acha que ele não se familiarizou comigo?

- Você é muito mais feio do que ele.

- Obrigado, você é um bom amigo.

*tanto "texto" quanto música não possuem significado. 
Mas apenas a música é boa.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Histórias de uma vida não vivida(35)


*Escrevi cinco frases para começar a, muito provavelmente, mais necessária mudança racional dessa história já não tão curta. Dizendo para o espelho treinaria a dicção, mas deixarei isso para outra oportunidade. Assim como o inglês, a música e, quem sabe, projetos maiores e mais significativos. Já não aguento mais pensar que posso resolver, de alguma forma, grande parte do que penso ser problema em algumas histórias pontuais que não são minhas. Assumo qualquer culpa mas primeiro tenho tentado entender o que preciso fazer, dizer e pensar para conseguir ser quem acho que posso ser, em um todo muito grande. No mais, sei onde estão os caminhos e com quem quero estar neles. A saudade é grande feito monstro de fábula e a sensação de que perdi muito tempo reclamando do nada onde tenho vivido me leva a crer que muito mais do que mudança, frases e planos, preciso de atitudes. E tudo começa pela maior verdade de todas, o mais sincero e puro. Por todos aqueles e aquela por quem torna-se, além de idealização, realidade.

- Acho que as pessoas precisam esclarecer sempre o que está acontecendo, aquela velha história do seja sincera para que sejam sinceros com você.

- Presidente, o que você tem a nos dizer? Use de toda essa sabedoria de chefe do bando.

- Chefe do bando é o Todo Poderoso, eu só estou de passagem aqui e gostaria de ser tão sábio quanto você acabou de insinuar. Bom, acho que como a menina disse antes, a sinceridade é essencial. Um exemplo: Você está apaixonado por alguém e não consegue dar um passo por algum motivo, seja timidez, insegurança ou sei lá mais o que. Você guarda aquilo e, com o passar do tempo, começa a pensar inconscientemente em coisas como 'ela não se importa comigo', 'ela nunca sentiria o mesmo por mim' ou 'ela só me quer como amigo mesmo'. Pode até ser verdade qualquer uma dessas três coisas mas você vai ficar angustiado, cada vez mais, por pensar isso sem saber se é verdade ou não. E essa ideia que surgiu da sua cabeça passa a ser uma verdade para você, mesmo que seja totalmente o oposto da verdade real. E acaba mudando o jeito de agir, acaba atrapalhando a própria vida com o simples fato de guardar para si um sentimento, algumas palavras e a ideia, insisto, muitas vezes boba, de que aquilo é tão impossível quanto escalar uma montanha de neve usando uma camisa de manga curta.

E a conversa em grupo continuou.

*o começo é mais significativo do que o texto em si.
E mais um passo à frente, fui objetivo para comigo.
Finalmente.

sábado, 21 de maio de 2011

Frase do dia

"Não devemos ter, conforme aconselham alguns, pensamentos humanos por sermos humanos, nem pensamentos mortais por sermos mortais mas sim buscar a imortalidade na medida do possível e fazer tudo o que está ao nosso alcance para viver de acordo com a parte mais excelente que há em nós, a qual, sendo pequena em volume mas muito maior em força e em honra, sobrepuja tudo mais." - do grego antigo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pedaços de um pensamento (18)


Perdido em meio à minha incompetência verbal e inconstância emocional, tenho no silêncio dessa, e de tantas outras madrugadas, um momento para... para o que mesmo? Ah sim, reflexão, pensamento, lembrança e tudo mais que, no exato agora, não servem de nada, não ajudam a acalmar e muito menos amenizar um lenta, porém progressiva, caminhada rumo ao lugar comum do nada. Um lugar onde quase ninguém assume estar principalmente por não conseguir olhar para longe do próprio umbigo. Crescente desmotivação e insatisfação oriundas da pior das intocáveis tristezas, que é aquela em que as consequências para qualquer atitude, inclusive para a falta de qualquer uma, leva, e isso é inevitável, ao senso comum que diz que 'o importante é estar vivo'. Não desejo para ninguém a satisfação pela simples presença existencial, embora não se possa negar que isso é o suficiente quando não se tem mais um único vestígio de ideal, sonho ou, mais importante, sentimento verdadeiro em si. Acontece que, enquanto escrevo sem pensar por ter a mente longe demais das capitais, como a maior parte de mim, mexo os dedos aleatoriamente tentando achar palavras que possam explicar de uma maneira clara o que está acontecendo. Não que alguém venha a se importar de verdade com mais um problema com tantos condicionais que fica difícil até começar uma lista. Dentre tudo aquilo que seria feito diferente se as coisas fossem fáceis e as ações fossem ideais como no sonho, escolheria, apesar de certa dúvida, não tentar imaginar o que se pensa ou sente em uma vida que não é a minha. 

Em algum momento ter concluído uma verdade que não era, ao menos no todo, verdade, me levou a fazer convergir situações para que a verdade viesse a ser de fato verdadeira. Sem redundância, sem muita clareza, mas a lei é essa. Por exemplo, achar que se tem um gato quando se tem um cachorro leva, inconscientemente, a pensar que o cachorro vai comer comida de gato e agir como um gato. Isso não vai acontecer e a verdade imaginada, que no caso é ter um gato, será verdadeira, mas não no todo, quando o dono passar a agir como verdadeiro dono de gato e, então, no fim da história incompreendida, acabe comprando um gato. 

Mas a coisa anda e a pergunta que fica é: o que acontece com o cachorro?

Sendo esse verdade, a princípio, e no final das contas única condição verdadeira da história, o cachorro, com a chegada do gato, que então passa a satisfazer a verdade mental e habitual do dono, bom, o cachorro pode ser cachorro, comer comida de cachorro e fazer o que um cachorro faz. 

Tentando explicar melhor, uma verdade aparente que esconde a verdade absoluta permite que aquilo que é, e no fundo sempre foi, verdadeiro se sobressaia e possa sê-lo sem qualquer tipo de imaginação fértil e pessimista de que aquilo que não é pode ser uma verdade, mesmo que não passe, em suma, de mentira disfarçada.

*me sinto mais humano ao perceber 
que nada disso faz desaparecer qualquer coisa que, 
assim como o cachorro, 
é verdade absoluta.
Com isso encontro mais uma loucura que sempre esteve presente nos meus melhores dias, o que dá a certeza de que, quando for o momento de voltar, será muito mais difícil qualquer inconsciente triste assumir a condição de verdade.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Histórias do Billi J. - As respostas escondidas pelas perguntas


Tudo ao redor estava azul. Azul claro, meio branco, meio verde, cor do céu ou quase isso. Então aquilo começou.

- Como se sente?

- Não sinto nada, parece que sou apenas um vento que sopra.

- Acha isso bom?

- É estranho.

- É novidade para você, imagino que seja estranho mesmo. Como tem sido a sua vida?

- Não devo reclamar dela, principalmente sabendo que...

- ...eu estou ouvindo, era isso?

- Era.

- Pode falar, não irei criticar.

- Parece que vivo de espasmos. Situações aleatórias que preenchem o que o vazio da maioria do tempo deixa para trás.

- Seja mais claro, não comigo e sim com você mesmo.

- Me sinto sozinho, excluído, um tanto abandonado, esquecido, como se existisse apenas no passado e estivesse sendo apenas uma sobra dele, no presente.

- E por que se sente assim?

- Parece que ninguém lembra de mim, que ninguém se preocupa comigo, que ninguém quer falar comigo. Ninguém tem obrigação disso mas é involuntário e incontrolável esperar alguma mínima palavra que demonstre que alguém em todo esse mundo se preocupa mesmo comigo.

- Acha que você é culpado, de alguma forma, por 'ninguém' preocupar-se com você?

- Talvez.

- Mais uma vez, seja direto consigo.

- Às vezes acho que sou mais importante do que sou de verdade. Que mereço mais do que realmente mereço e que deveria receber mais do que recebo. Sou arrogante e egoísta mas estou tentando melhorar.

- Por que me pede ajuda se sabe como pode ajudar a si mesmo?

- Eu sei a teoria e tento fazer com que meus pensamentos valham como começo de minhas ações mas aí entram os sentimentos e as atitudes espontâneas, logo vou contra o que penso por agir impulsivamente pelo que sinto.

- E o que você sente sobre isso?

- Como se estivesse preso em regras, em conceitos morais.

- Acha certo perder a liberdade que recebeu quando nasceu apenas para tentar ser alguém que acerta quase sempre?

- Não sei.

- Sabe sim.

- Está bem, eu sei. Tento me convencer de que não preciso ser tão rígido mas...

- ... você tem pressa.

- Não sei esperar.

- Não mesmo.

- Não pode me ajudar, então?

- Claro que posso, mas que graça teria se de uma hora para outra você chegasse onde quer, sem lutas e desafios?

- Eu não acho graça na maioria das coisas que vejo, por que estaria pensando na graça disso?

- Seja mais flexível consigo mesmo. Por que continua, mesmo percebendo que se machuca, limitando suas ações ao máximo ao invés de ter uma tranquilidade maior?

- Algum dia, você bem sabe, precisei disso para não fazer uma coisa pior.

- Você não faria isso.

- Mesmo?

- Por que não me avisou?

- Eu avisei. Você reclamava que estava sozinho, como hoje, que estava em um lugar onde não queria estar, como hoje e que sonhava com o dia em que poderia ter pessoas consigo que fizessem sua vida ser fonte de alegria e amor, como hoje. Só que, ao contrário de hoje, você não carregava nada pois não sabia quais lembranças carregar. Tinha pouco em números, mas era o suficiente.

- Só que, por causa daqueles momentos e de toda aquela raiva e mágoa que carregava, hoje não sei mais como lidar com as pessoas.

- Não sabe? Por que diz isso?

- Não consigo conversar por muito tempo, inventar assuntos aleatórios, sabe, manter uma troca de palavras constantes. Não é fácil conviver com situações parecidas com as daquela época.

- Ainda o sentimento de solidão e o...

- ... vazio. Sou mau educado e muitas vezes intolerante com algumas coisas que me dizem. Não consigo distinguir risadas e frases mais insignificantes que logo penso que, como naquele tempo, é de mim que estão rindo e sou eu o insignificante.

- E o que mais?

- Tem mais?

- Eu sei que tem, diga.

- Por ter guardado a ideia de que sou insignificante, e por estar tentando me livrar da arrogância, não consigo aceitar que posso ser alguém importante para a vida das pessoas, principalmente quando acham que consigo intuir isso.

- E não consegue...

- Porque não consigo.

- Seja um pouco mais objetivo.

- Não consigo porque...

- ...

Um suspiro profundo. Lágrimas se formaram nos olhos.

- Eu realmente não sei.

Vozes se misturam em uma trilha sonora pouco convencional. Tons graves e agudos indecifráveis.

- Está ouvindo?

- Sim, que barulhos são esses?

- Tente prestar atenção.

- Não consigo.

- Tente.

Os olhos se fecharam, sem saber ao certo de onde vinham as vozes, conseguiu identificar algumas palavras.

- Percebeu o que estão dizendo?

- Parece que estão falando de mim.

- ...
- Sim, é como se eu estivesse muito longe e estivessem sentindo a minha falta.

- E estão.

- Como sabe?

- Essas vozes estão pedindo que você volte.

- Uma delas pareceu ser da Renata. Afinal, onde eu estou?

- Se eu dissesse, você não poderia atender o pedido deles. E dela.

- Você é estranho.

- Eu sei que, vindo de você, é um elogio.

- Você sabe, sim.

- Entende agora que não há motivos para sofrer tanto? Você já passou por um momento pior e tudo começou a mudar com um...

- ... raio de Sol.

Risos de sabedoria ecoaram.

- E como pode achar que não sabe como tratar as pessoas se já doou seu tempo para mendigos, senhores e senhoras de idade e crianças que nem sequer descobriram seu nome? Como ainda consegue manter as razões em um mesmo patamar de importância que aquilo que sente se, assim como eu, você sabe o que comandava suas ações nos dias que você considera os mais felizes de sua vida?

- Não tenho mais tudo o que tinha quando era quase plenamente feliz.

- Espere, confie e tenha coragem. Não é o que você diz para as outras pessoas?

- Nunca gostei de conselhos, não sei como fazê-los ajudar.

- Apenas sinta, viva, alegre-se porque aqueles a sua volta, mesmo que nem sempre demonstrem que lembram de você, principalmente por eles estarem bem e...

- ... serem felizes.

- E por que?

- Sem a felicidade deles eu não conseguiria ser feliz.

- Você sabe os caminhos que deve seguir.

- Mas eu preciso de ajuda.

- E sempre terá porém, mais do que receber ajuda, precisa se ajudar.

- E se eu espero receber mais do que eu posso receber?

- Apenas entenda.

- É inevitável a tristeza quando percebo isso, mesmo que eu saiba, racionalmente, o que é mais importante. Sinto e por isso é difícil não desanimar.

- Ao contrário.

- Não entendi.

- Quando, além de pensar e dizer, conseguir despertar realmente a alegria apenas por ver alguém feliz, mesmo que não esteja perto de você, é que você terá chegado ao estágio mais importante do maior dos sentimentos.

- Doação e entrega, isso?

- Falta pouco para alcançar isso. Você só precisa controlar esses pensamentos que te levam a esquecer aquilo que pensa, e sente, de verdade. Você consegue ser alegre pelos outros mas ainda acha que...

- ...também preciso ser alegre por mim e comigo. Então, quando pelos outros conseguir ser feliz, serei feliz também por mim?

- E chegará à plenitude. Mas tenho que avisar que você vai encontrar cada vez mais dificuldades.

- Quanto mais caminho mais sinto o peso.

- Você não está sozinho para carregar isso.

- Acho que agora entendi.

- Sei que entendeu. Agora você precisa ir.

- Antes de ir, só quero saber mais uma coisa.

- Pode falar.

- Por que eu vim parar aqui, todos passam por isso?

- Até mais.

O Billi J. acordou. Viu Renata e sorriu. Ela sorriu. Ah, aquele sorriso. Aqueles olhos. Aquela pessoa. Ah sim, há um coração.

- Você não estava viajando?

- Achei que você não estava bem na última vez em que conversamos, então resolvi voltar pois achei que você fosse precisar de mim.

Billi sorriu.

- Você estava certa.

E como ela é linda...

sábado, 14 de maio de 2011

Reflexões de um maluco (14)


Entendendo que hoje minhas convicções não são mais parâmetro para julgamento definitivo, caminhei um pouco mais rumo ao entendimento impessoal da vida. Parando de achar que as pessoas à minha volta deveriam ser apenas aquelas que preenchem e vivem segundo convicções semelhantes às minhas, deixo de segregá-las segundo regras que, sendo minhas, não valem para o todo. Afastando o egoísmo conceitual, não busco uma maior quantidade de pessoas ao meu redor e muito menos receber uma quantidade maior de afeto. Afinal, não há interesse de nenhuma parte nisso. Pelos outros só o que se pode ver e por mim, bom, se bocas e braços quaisquer não afastam de mim a carência de afeto, carinho e atenção, por que pessoas à volta conseguiriam isso apenas por satisfazer convicções habituais? Liberando-me da necessidade de qualificar as pessoas, não como boas ou más por essa ser uma classificação conceitual um tanto imprópria e superficial, mas sim como corretas ou não corretas. Não 'erradas' e sim 'não corretas', sem levar em conta o caráter e a história, deixando como base para tal distinção as atitudes, que se encaixam na minha visão do que é correto ou não. Evito com isso estar sendo arrogante ao ponto de fazer um julgamento definitivo sem conhecimento suficiente, sendo que mesmo com esse, aquele não é realmente necessário. Seguindo uma linha ainda mais profunda, ter por correta ou não correta não aproxima ou afasta, necessariamente, uma pessoa da minha vida. Até porque, pessoas por quem guardo sentimentos, verdadeiros valores como amizade e respeito, não se encaixam totalmente no grupo das corretas. Arrogância minha ou não, é justo dizer que quando há uma verdade irracional, a razão perde o espaço na decisão de ajudar, conversar, estar próximo ou mesmo preocupar-se com qualquer que seja a pessoa não correta a entrar na frase. Além do mais, definitivo é aquilo que faz mover naturalmente, um pensamento ou uma ação, por razão ou sentimento, amizade ou amor. Imutável passa a ser a convicção de que, quaisquer sejam as qualidades importantes para mim, não há absoluto quando o que vejo está ao meu lado. Convenço-me, ou pelo menos tenho tentado ao máximo me convencer de que, havendo bem estar e plenitude naqueles que são motivos para mim, não há convicção ou pré-julgamento racional e existencial que possa tirar a satisfação, ou algo próximo do contentamento, por vê-los em um estado concreto e radicado em uma verdade. Mesmo que não seja verdade para mim. E mesmo que eu sinta um imenso frio que vem de fora e acaba congelando uma parte do que há em mim.

E mais alguns passos foram.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Pedaços de um pensamento (17)


Alguma coisa ficou para trás e fez muita falta. Aquela história boba de maluquice e sinceridade andando juntas e complementando-se está sendo sentida há tempos. A monotonia e o marasmo da ponderabilidade desenvolvida e do excessivo cuidado para com os sentimentos ruins e o que a expressão dos mesmos poderia causar naqueles pelos quais passassem tais sentimentos através de palavras. Tudo muito bom, tudo muito bem, tudo um tanto errado. Ponderado, calmo, tolerante e imparcial sim, um poço profundo de mágoas que se revezam ao entrar no balde e puxar a corda para baixo não, isso não. Pelo menos não mais. É como se escrever duas frases e dizer algumas outras fizesse com que aquele adjetivo tão usado tempos atrás voltasse a ser predominante sobre tudo. Não que deixe de me importar, muito pelo contrário, se o fizesse poderia acabar mais só do que já estou. O ponto restabelecido é a atitude despreocupada com suas aparências. Agir sem pensar o que isso pode parecer ou o quanto podem ser mal interpretadas tais ações. Palavras que saíram e sairão com consciência do que podem causar porém, acima disso, por necessidade de dar mais um passo, e somente um de cada vez, rumo à parte da liberdade que tantas coisas ruins, palavras, imagens, sentimentos e lembranças, tiraram de mim.

O vento gelado que deixa pálido, e um tanto inflexível, meu rosto é o mesmo que tirou de mim o calor, a vontade e levou de mim um coração que nunca deixou de bater longe daqui. Não há tanta relação nisso, mas é sempre bonito escrever a palavra coração, com algum significado, em um texto que ninguém vai entender. Pelo menos assim vocês pensam que eu estou falando unicamente daquilo que me é estranho, que me causa estranheza e que, sem lógica alguma, motivou em partes essa pequena mudança de atitude.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Histórias de uma vida não vivida (34)


*Se escrevesse minha inútil autobiografia e colocasse-a em um roteiro de filme, seria uma comédia com tendências ao drama e com um amor no final das contas. Não cheguei ao fim, mas sonhar não custa nada. Agora, se fosse para escrever uma história e depois vivê-la, seria uma comédia mesmo o que escreveria, porque amor é uma coisa que, quando planejada, é superficial, tendenciosa e torna-se obrigação com o tempo. Amor é história escrita espontaneamente, ele deixando sua vida com felicidade ou tristeza, não importa, o importante é sentir. E ser sincero nisso.

- Vai lá, puxa conversa com ela.

- Mas e eu vou dizer o que?

Então eu tomei o teclado das mãos dele, e mandei um 'oi' bem simples via msn para ela. Ele a olhava com cara de bobo, sempre falava sobre ela, como era simpática, legal, divertida, como gostava de sair para dançar, tudo como ele. Era a versão feminina dele, só que bonita, muito mulher e sem timidez alguma. Sempre achei que os dois formariam um casal muito legal.

- Você é idiota, o que eu digo agora?

- Pergunta se ela tá bem. Seja você mesmo, não é tão difícil conversar por msn, você pode demorar bastante para responder e dizer, na cara dura, que estava na cozinha ou dizer a verdade que, no caso, não foge de um 'sou um bobalhão e estou com meu amigo tentando mostrar para você que sou muito além de um bobalhão com quem você ri ocasionalmente'.

- Desculpa, ela perguntou se eu estou bem então não ouvi o que você disse, repete.

- Não precisa. Não vai responder?

- 'Estou bem, e vc?' foi só o que eu consegui escrever.

Ele não era bom com português, nem com matemática, nem com história ou geografia. Mas era bom em outras coisas. Bom, eu sempre acho que as pessoas são boas em alguma coisa.

- Bom, tá evoluindo.

- E agora eu não sei mais o que dizer, ela vai pensar que eu sou um trouxa. Ou melhor, vai confirmar o que a minha cara diz ao mundo.

- Não se estresse, é só uma conversa.

- Ela é a louca mais legal que eu já conheci, não é só mais uma conversa e ah, que droga, queria ser que nem aqueles caras que levam as gurias na conversa sem pensar muito.

- Então não pensa, só escreve por impulso.

- Aí eu vou conseguir ser mais idiota do que eu sou.

- Tá, chega, o que ela perguntou agora?

- Tá cego?

- Tá escuro aqui, não consigo ler direito e não sou eu quem usa óculos.

- Ela disse que me viu esses dias contigo. Que merda, se eu estivesse sozinho poderia passar uma boa impressão.

- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.

Eu fui desaparecendo para ele. Aquela conversa realmente foi fluindo. Abri meu livro e comecei a ler. Ele falando com ela, eu tentando aprender alguma coisa sobre a teoria dos momentos fletores. Ele aproximava cada vez mais o rosto do monitor. Liguei a outra luz do quarto mas ele continuava aproximando a mente. Estava como um daqueles macacos primitivos de tão pendido para frente. Hahaha, ele sempre foi engraçado. Resolvi me intrometer e perguntei:

- A quantas anda?

- Pensei que tivesse morrido já que não tinha falado mais nada.

- Não queria atrapalhar. Tem um resto de churrasco na geladeira, tá com fome?

- É carne, estando com fome ou não, eu quero. Por que ainda não tá pronta?

Eu ri. Coloquei a carne no forno para esquentar e voltei à sala do computador. Estávamos sozinhos em casa e parecia que a minha presença, na minha casa, era indesejada. Parei e fiquei olhando, não o que ele digitava e sim o que gesticulava. Seguidamente ele escrevia uma frase, apagava, ajeitava os óculos com um dedo, escrevia outra frase, recostava-se na cadeira, apagava novamente a frase, ajeitava os óculos de novo, coçava a cabeça, escrevia uma frase e fazia um gesto com os ombros de quem diz 'ah, vai isso mesmo, tanto faz' e então batia com força na tecla para enviar a frase.

Certa hora virou-se para mim, com uma expressão muito séria.

- Vem aqui ler o que ela escreveu.

Me aproximei.

- '(tatata)... sempre achei você um cara legal mas também um pouco retraído quando estava por perto. Engraçado, quando ouço a sua irmã falando de você e mostrando vídeos de você e seus amigos, sempre vejo uma pessoa super descontraída. Por que quando eu estou com vocês, você fica quase como um morto vivo?'. Tá, qual o problema?

- Qual o problema? Se eu digo a verdade ela não vai mais falar comigo porque vai achar que eu só conversava com ela porque queria me aproximar. Se eu digo que é mentira, que só ela acha isso, pode se ofender e não falar mais comigo ou ficar estranha. Quer mesmo me perguntar qual o problema?

- Olha, diz para ela que é impressão dela, assim você fala a verdade e omite a verdade ao mesmo tempo.

- O que é omitir?

- Esconder.

- Ah, mas isso também é mentir.

- Em partes. Quer começar uma discussão semântica?

- Só se você me explicar o que é sem... seman... como é?

- Semântica.

- Isso, semântica.

- Então?

- Então deixa para lá a semântica, diga para ela o que você acha certo dizer. Só não vai se declarar via msn né?!

- Seria mais fácil, pelo menos não ficaria com cara de idiota e com uma vontade de cagar uma bigorna por ter de falar o que eu penso dela e o que acontece comigo quando ela está por perto com tudo aquilo que ela é.

- Isso é bonito. Você é um cara com sentimentos.

- Cadê o churrasco?

- Espera mais um pouco. Vai dizer o que então?

- Não sei. Espera. Ela tá dizendo que vai sair mas que vai me cobrar a resposta. É a solução para os meus problemas.

- Não!

- Não?

- Diz para ela esperar.

- Tá.

Ele escreveu e mandou. Como quem se arrepende, me olhou com cara de peixe morto e perguntou:

- Por que eu fiz isso seu idiota? Agora ela respondeu que vai esperar então eu dizer por que eu sou um idiota e...
- Chega de drama.

- Drama? Você vai ver o que é drama quando a porcaria de impossível chance que eu poderia ter de me aproximar dela vai ir para o fundo do poço junto com o coração que eu vou atar na outra ponta da corda.

- Dramático.

- O que eu digo, gênio e profundo conhecedor das mulheres?

- Hahaha.

- Esqueceu que você tá em situação pior do que a minha, galã?

- Se eu fosse galã talvez tudo estivesse resolvido. 

- Hahahahahaha.

Ele riu mesmo.
- No final das contas, convida ela para ir comer alguma coisa agora.

- Eu disse que estava aqui conversando com você.

- Me leva junto, eu arrumo uma desculpa e saio bem logo.

- Desculpa?

- Por que?

- Desculpa?

- Desculpo... mas por que?

- Você é gênio.

Ele escreveu e com uma felicidade imensa mandou. Sorriso de criança. Que bom vê-lo assim.

- Tá, só tem um problema.

- Qual?

- Se você vai ir jantar com ela...

- ... e você vai junto...

- Sim. ... o que faremos com o churrasco?

- Isso é o de menos, pegamos um garfo, um guardanapo e vamos comendo no caminho.

- E jantar depois?

- Eu digo que estou de dieta.

- Afeminado.

- Eu digo que já jantei.

- E para que convidá-la para ir jantar então?

- Eu sou uma topeira mesmo.

- Tá, pegamos o churrasco e vamos comendo. Depois dividimos alguma coisa.

- Ah, a amiga dela vai junto.

- Amiga?

- É, aquela amiga dela que você conhece bem, a...

- ...a ...?

-É, se ferrou.

- Espera, vou tomar um banho.

- Mas vai rápido seu idiota que eu não quero deixá-la esperando. Por falar nisso, já desligou o forno?


"...Because the life I think I'm trying to find is probably all in my mind..."

Pedaços de um pensamento (16)

(sem música, como em todas as manhãs desanimadoras)

- ...

- Não gosto disso mas isso não vem ao caso, eu não tenho que gostar ou não.

- E daí, no final, era só uma brincadeira para...

- É, cada vez gosto menos.

- Por que?

- Pelo que é óbvio.

- E o que é óbvio?

- A intenção. Brincadeira assim só com segunda intenção.

- Disso que você não gosta?

- Também. Ele é, também, um idiota.

Sem querer ser partidário, permaneci o resto do tempo calado. Qualquer palavra dita depois de idiota seria um grito no silêncio. A agonia de anos naquele momento desaparecia e o medo de que toda uma história voltasse a ser escrita da mesma maneira, com o mesmo enredo, clímax e final, sendo diferente apenas na personagem principal. Sim, medo que faz calar. Receio de jogar para fora tudo de uma vez.

*Ao acordar a lembrança disso. 
Não que tudo esteja longe ou perto. 
Não que o longe possa ser, em contrapartida, insignificante como tudo parece então ser. 
Prefiro o vago disso do que do oculto de alguns instantes anteriores. 
Lembrar do que sonhei antes seria pior.

domingo, 1 de maio de 2011

Histórias de uma vida não vivida(33)


*Certa magia há no que se imagina e, em verdade, está tão longe. É mágico como um piscar de olhos mas menos do que a magnitude que um olhar pode alcançar. É incrível e um tanto paranoico pensar em tudo que se vê e à partir disso criar alguma magia. Há a criatividade, a inspiração, a espontaneidade. Nada disso me pertence há tempos e tempos. Só me restam as palavras e alguma teoria mental, baseada livremente em ideologias, valores e desvalores. O que uso ou deixo de usar é problema meu mas, para quem não conhece, quem aqui escreve cria, sem magia, uma guerra a cada desvalor potencial. Tanto faz aqui, tanto faz agora, estou tão longe que nem mesmo um olhar, frio e parado, de lembrança ou imagem projetada,  pode fazer com que perceba em olhar tudo aquilo que nunca deixou de ser mágico.

- E por que não?

- Está chovendo, não temos carro e muito menos roupas que ao menos iludam que somos ricos.

- Só?

- Imagina chegar em um lugar onde muita gente vai para fazer festa. Todos e todas bem vestidos, aparentemente muito belos, chegando de carro e nós, do jeito que somos, desarrumados e... onde deixaríamos os guarda-chuvas?

- São muitas perguntas para uma coisa tão boba. O importante é escrever uma história.

- Você tem problemas. Escrever história tudo bem, fazer fiasco é o problema.

- Sabia que você iria.

E foram. A chuva caía incessante, em ritmo alucinante e era impiedosa com eles. E daí?

- Chegamos, então. O que fazemos com os guarda-chuvas, gênio?

- Fecha ele, sacode um pouco e coloca o cabo dele no bolso.

- E andar com ele para fora da calça???

- Você é esperto! Hahaha

Prenderam os guarda-chuvas nos bolsos e, com eles à mostra, entraram na festa.

- Estão olhando para nós, somos ridículos.

- Agora mais do que nunca... hahaha

- Não gosto quando você me faz ser ridículo. Já é difícil ser feio, pobre e gordo, por que ser mais ridículo ainda?

- Pare de reclamar, vamos nos divertir, aposto.

Andaram por aqui e por ali, passaram no bar, não compraram nada para beber por falta de dinheiro, voltaram ao centro, ou o que imaginavam ser o centro do ambiente.

- Que tal aquelas?

- As ruivas?

- Não tinha percebido que eram ruivas... ah não, não são aquelas. Um pouco mais para a direita, conversando uma de frente para a outra.

- Morena e castanho claro, bochechas rosadas e maquiagem azul?

- É.

- E como você acha que conseguiremos nos aproximar delas?

- Vem comigo.

- Não, você não tem noção do que pode acontecer.

- Mais do que ouvir um 'saiam daqui seus idiotas', ser atingido por um copo daquela bebida que elas estão tomando e depois ter que fugir de dois copos voando na direção de nossas cabeças, bom, mais do que isso não vai acontecer.

- E namorados grandes, fortes e que podem arrancar nossas cabeças?

- Você pensa que elas, conversando sozinhas, tem namorados fortões?

- E por que não?

- É mais fácil que estejam uma com a outra.

- Uma com a outra... ah, acha que elas podem ser...

- Vamos descobrir.

Passos dados, alguns com confiança e outros sem, com medo do ridículo. É incrível o que o medo de ter um vontade negada pode fazer com uma pessoa.

- Boa noite meninas.

Elas não responderam.

- Desiste, elas não vão querer nada conosco.
- Fica gelo. Bom, eu e meu amigo estávamos olhando e... querem saber, não sou bom com as palavras. Somos pobres, feios, não temos carro, estamos com um guarda-chuva molhado preso ao bolso da calça e ainda assim achamos que podemos oferecer-lhes algo.

- Você tem problemas? Elas vão nos ridicularizar!

As duas trocaram um olhar.

- Você tem problemas, mas gostei da abordagem. Vamos conversar um pouco então.

(cochicho) - Você é um gênio cara, eu te amo!

- Hahaha, seja você mesmo ein...

E foram.

Conversa daqui e dali, as duas não se desgrudaram. Nada acontecia. Um ria, o outro, apreensivo, tentava mudar o rumo da conversa sempre para algo mais íntimo, mais pessoal, menos conversa, mais ação. Tentava em vão. O primeiro, mais confiante, não falava nada com nada, não tentava agradar, ria muito mas pouco sorria.

Quase quatro horas da manhã.
- Meninos, precisamos ir.

- Mas por que?

- Elas precisam ir.

- Você está louco? É a primeira mulher bonita que conversa comigo sem se preocupar com a idade dos meus tênis, com o meu porte físico fora dos padrões sociais, com as minhas histórias egocêntricas. Não posso deixar ela ir assim, sem nada mais.

- Boa noite meninas.

Elas saíram.

- Você é idiota, estragou a minha noite, eu estava quase chegando lá.

- Não, você não estava. E, se você parar para pensar, vai ver que quando chegamos aqui eu disse uma coisa. E, ou elas estão agora rindo muito da nossa cara ou elas... bom, elas estão rindo de nós de qualquer jeito. Pelo menos uma delas, já que eu não tentei me aproximar com aquela conversinha nerd de 'posso me transformar no Brad Pitt com meus conhecimentos de Photoshop' hahaha

- Vocês estavam prestando atenção em mim?

- Você é ilário, cara, muito ilário. Elas riram, nós vamos rir. História para contar, entende?

- Elas eram?

- Bom, sendo ou não, você também tinha razão. Elas nunca iriam querer nada conosco. Principalmente depois que eu ri muito quando ela disse que acreditava em fada do dente e você disse para a outra que a sua avó tem seis dedos no pé direito.

- Eu nem lembro de ter dito isso.

- Sinto em dizer mas, você disse. Cara, você é ilário.

"...and nobody knows like me.."