segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O vazio de viver e só (46) – A indiferença (2)



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São ridículos tantos erros, seja pela falta de visão, de percepção, de entendimento e compreensão, pela falta de bom senso e desejo. Foram tantas risadas e sorrisos não explicitados, tantas alegrias reprimidas, tantos elos desfeitos pura e simplesmente porque eu, como escrevi tantas vezes, não conseguia fazer o que naturalmente faria. Não era – e ainda não sou – capaz de, espontaneamente, dar vazão e forma à tudo o que emerge do meu mais íntimo e sincero ser.

Cada palavra não dita, atitude não tomada, cada percepção não tida de atitudes, palavras e sentimentos, cada amizade não cuidada e cada amor, nas suas mais diversas formas de existência, não explicitado é fruto dessa noite, quieta, silenciosa e duradoura que quer me mostrar, à força, aprendizados e situações num todo que, talvez, mudem completamente a minha vida.

É provável que hajam gigantescas coisas por vir para as quais ainda não estou preparado. Não posso agradecer por essa suposta preparação, para algo que desconheço ainda, porque tudo o que tenho perdido e deixado perder-se é muito, mesmo, para mim. Cada decepção, tristeza ou lágrima gerada por mim, por conta dessa noite, em outro alguém – na verdade, diversos alguéns – não pode justificar o que há de vir.

Esses fragmentos de passado aos quais apenas hoje consigo justificar por conta da noite, dessa indiferença que bloqueia meus sentimentos, relativiza minha espontaneidade e subjuga minha sinceridade – levando a um caos pessoal que parece não ter fim – vem se mostrando cada vez mais úteis para explicar e entender escolhas, palavras e gestos nesse presente tortuoso e, aparentemente, sem grandes perspectivas.

Quero sonhar, viver, sorrir, ter intensidade, alcançar plenitude de amar, no Amor, estudar para obter conhecimento e, com coragem, transformar em sabedoria. Quero tudo isso. Responder à altura o amor imenso que recebo, do Cristo crucificado e de todos aqueles que ouso chamar de ‘meus’, amigos ou familiares, quero ser o homem que uma mulher merece que eu seja e quero, de verdade, voltar à ver a luz em cada pedaço do meu dia.

Não com meus olhos humanos.

Intenção alguma há com esse escrito, tampouco existe a vontade de justificar as minhas falhas, meus erros e todas as bisonhices idiotas que cometi ao longo dos anos, meses e semanas. Não é para ter pena, para achar que se é assim então não há erro.

Não. Tudo isso não passa de explicação. Que não justifica nada do que fiz, falei ou deixei de fazê-lo.

Apenas precisava escrever. Para alimentar essa vontade de que hajam grandes mudanças agora que resolvi aceitar ajuda do meu próprio passado para ser capaz de entender, com maior clareza e embasamento, o que o presente tem visto, dia após dia.

Ainda não há um homem novo. Regenerado, restaurado, renovado e transformado.
Entretanto, não tenho dúvidas, o projeto começa pelo passado. Que foi, e ainda deveria ser, e pelo que não pode mais ser.

Porque a noite há de acabar porém nada mudará apenas porque ela deixou de ser.

domingo, 12 de janeiro de 2014

O vazio de viver e só (46) - A indiferença (1)

Há situações que só o tempo, muito dele, é capaz de trazer à tona juntamente com a resposta. A momentânea falta de explicação, inclusive para atitudes próprias, gera impaciência e decepção, tristeza e ansiedade que se manifestam simultânea ou isoladamente durante dias, meses e anos, até que haja um esquecimento pela falta de vontade na busca pelas devidas explicações - que geralmente estão longe de ser meramente superficiais - ou mesmo pelo entendimento de toda a situação passada.

É preciso distanciar-se do local, do momento e do contexto vistos com os próprios olhos - algo que o tempo, por si só, é o único elemento que consegue fazê-lo - para entender, e aceitar, que o auto conhecimento nem sempre é suficiente para definir e explicar - até, quem sabe, justificar - determinados atos, graves, falhos ou simplesmente inexplicáveis.

Não é preciso citar um exemplo pessoal e, enfim, não sou uma pessoa pública cuja vida é de interesse geral, portanto não há necessidade de trazer à tona quaisquer origem para a conclusão a ser desenvolvida aqui.

Quem olha para o passado com medo, desprezo, raiva, indiferença ou nostalgia pura está cometendo um erro grave porque acaba deixando passar uma oportunidade de conhecer-se muito mais, já que o passado explica para que o futuro seja construído - embora muitos, ditos positivistas e futuristas, digam que o passado não serve para nada e deve ser esquecido imediatamente após o começo de sua existência como tempo já vivido.

É do passado, escreveu algum grande pensador irlandês, que se tira o sustento para um futuro sólido e sem grandes percalços oriundos de imprevistos desconhecidos. Se o que já aconteceu, em algum outro momento ou mesmo vida, vai acontecer novamente, por que não estar ciente de como explicar e, por que não, superar sem perdas?

Relações incontáveis são destruídas todos os dias por não haver sequer vontade de entender o que se passou e por que o ocorrido tomou determinado rumo. Erro grave.

Toda essa introdução, por si só, vem para tentar trazer à tona, do mais profundo da minha inquieta mente, que há anos venho tendo atitudes insanas, que destruíram aos poucos amizades, afeições e sonhos, sem saber ao certo o porquê delas surgirem e tomarem forma mesmo em meio a toda sensatez e tranquilidade que, em maioria absoluta do tempo, regem aquilo que envolve o meu ser com outras pessoas e, até mesmo, comigo.

Tantas foram as vezes em que me vi sem argumentos para minhas próprias indagações a respeito de todas as consequências das minhas escolhas e seus respectivos atos. Com ou sem palavras. Não fazia sentido ter feito, ou falado, o que fiz. Como faz pouco sentido o que hoje atormenta. Mas não sou capaz, e nunca fui, de ver o mundo, a minha vida e seus relacionamentos sociais, com um distanciamento que só o tempo é capaz de oferecer.

Grande parte desses erros consigo explicar, apenas hoje, como fruto de uma noite que insiste em envolver todo meu ser. Essa escuridão toda vem tirando de mim sorrisos, espontaneidade, percepção e colocação em outro eu, que não o meu, há anos e só as primeiras dessas atitudes, que hoje reconheço terem sido medonhas, são claramente explicadas -repito incansavelmente - hoje, por essa noite, fria, escura e passivamente opressora.

(...)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Histórias de uma vida não vivida (57)

*Para onde meus passos estão me levando? Era aqui mesmo que eu deveria estar? Com ou sem redundância verbal ou escrita, redundantemente duvidoso, incansavelmente incompreensível. Eu ou qualquer outro alguém que esteja desesperado à espera de uma resposta concreta para aquela pergunta assim o continuará, a menos que procure-a no lugar certo. Se em um mesmo plano não conseguimos visualizar além, no tempo e no espaço, haverá algum lugar onde isso e aquilo poderão ser vistos. O corpo e a mente não conseguem chegar até lá porém, felizmente, Alguém pode. O problema é conseguir ouvir porque querer todos querem mas saber esperar a resposta, diante dos olhos, requer uma coragem que só quem deixa o seu coração humilde, ao ponto de saber reconhecer sua alma, é capaz de ter.

- Você consegue entender, agora, por que seu avô tem razão quando diz que a vida é uma completa insanidade?

- Acho que sim, vovô, mas continue a história.

- Onde eu parei?

- Você acabou de contar e já não lembra?

- Perdi a capacidade de memorizar o que digo, mesmo que tenha sido segundos atrás. É como se no meu cérebro houvesse um pano e, quando mudo de assunto, esse pano some e aparece outro.

- E desde quando o senhor está assim?

- Um velho como eu não sabe ao certo quando nada aconteceu na vida ou mesmo na história. Deve ter sido quando eu tinha uns 20 anos. Ou menos.

- Ou mais.

- Exatamente. Enfim, onde parei?

- Você estava falando que havia ganhado um presente mas não sabia quem o havia enviado.

- Ah, sim. O que eu falei que era insano?

- A vida.

- Ah, claro, é verdade. Bem, meu neto, depois de conversar com todas as pessoas que poderiam ter deixado aquele presente para mim... ah, lembrei.

- Do que?

- Do por que falei que a vida era insana. Hahaha

- Continua vovô!

- Calma, calma. Depois de fazer o que devo ter acabado de contar, fui até um conhecido que era detetive para ver se ele, com suas fontes todas, conseguiria descobrir quem havia deixado aquele presente para mim.

- Não era mais fácil aceitar o presente e só? Ou escrever 'Obrigado pelo presente, senhor ou senhora anônimo' em uma folha e colar no portão de casa?

- A cidade era pequena e... poderia ser de uma admiradora secreta.

- Uma o que?

- Na minha época, pequeno, jovem e inocente rapaz, não havia esse liberalismo banal em que qualquer um chega em qualquer um, pega, larga, beija e lambe sem pedir licença e sem qualquer sentimento. Havia paixão, romance com olhar, admiração, poesias em forma de passos e cabelos ao vento, era clássico, doce, até mesmo inocente em alguns casos.

- Ahn, não entendi direito.

- Nem precisa porém, só para saber, admirador secreto era um cara que olhava de longe, acompanhava discretamente uma moça, gostava dela de longe, só olhando, querendo se aproximar aos poucos mas, por ser tímido ou envergonhado de mais, não conseguia aproximar-se da tal moça. Ou era uma moça que admirava um rapaz, o que era mais difícil pois... havia um grande cuidado dos pais para com suas filhas.

- Você cuidava da mamãe assim?

- Claro. Mas não vem ao caso.

- Continua vovô, estou começando a ficar entediado com essa história.

- Como eu morava em uma cidade pequena, não seria difícil descobrir quem havia entregado o tal presente.

- O que era o presente?

- Calma. O detetive resolveu fazer-me esse favor se, em troca, eu o ajudasse a cortejar uma moça.

- O que é cortejar?

- Conversar, convidar para sair, agir como um cavalheiro para tentar conquistá-la.

- Por que o senhor, vovô, se o senhor nem namorada tinha?

- Porque a moça em questão era minha prima.

- Eu conheço?

- Não.

- Ah... olha, no dicionário diz que cortejar quer dizer tratar com cortesia.

- Então, é o que eu disse mas em outras palavras.

- Tratar com cortesia não quer dizer conversar.

- Guri, quer que eu termine a história ou não?

- Vovô, ela está chata!

- Você também está chato!

- Ah, tá bom. Então continua.

- Eu aceitei, já que conhecia a moça e, enfim, não custava nada ajudá-lo se ele faria o mesmo por mim.

- Como você fez para ajudá-lo?

- Isso é outra história.

- Se for tão chata quanto essa, não quero nem ouvir.

- Se você continuar me impedindo de contar, não vai terminar de ouvir essa.

- Por que?

- Vou te dar um puxão de orelha que vai te deixar surdo.

- NÃO vovô, por favor não, continua essa super história divertida!

- Ele, o detetive, fez as pesquisas dele, falou com um e outro, com lojistas e tal mas, como eu não havia aberto o presente, não conseguiu descobrir nada.

- Por que você não queria abrir o presente?

- E se não fosse para mim? Haviam deixado na porta da minha casa com um cartão onde meu nome estava escrito mas, e se fosse para alguém com o mesmo nome que o meu?

- Vovô, ninguém tem o mesmo nome que você!

- Quieto. Passei dias sentado na frente de casa, segurando o presente, tentando ver se alguém passava por ali e dava indícios de que havia deixado esse presente para mim. Mas foram quatro, cinco, dez dias e nada. Resolvi, então, abrir o presente.

- O que era? O que era? Conta logo vovô!

- Um prato.

- Um prato?

- Sim, junto com um garfo, uma faca e um saca-rolhas.

- Não entendi. Para que isso?

- Tinha também um cartão escrito: "Venha jantar comigo, no sábado que vem".

- E a assinatura?

- Não tinha.

- Você foi?

- Claro que não.

- Por que?

- Dois motivos: primeiro, como eu havia esperado duas semanas para abrir o presente, aquele sábado, para o qual era o convite, já tinha passado há mais de uma semana.

- E por que mais?

- Não tinha endereço no cartão.

- Como? Mandam um cartão querendo que você vá jantar e não avisam onde é?

- Exato.

- Ai, vovô, a história é tediosa mas o final é de doer.

- Coisas da vida, guri.

- Eu nunca recebi um prato, um garfo e uma faca.

- Muito menos um saca-rolhas.

- É.

- Mas há uma lição nisso tudo que, talvez, lhe sirva para alguma coisa, algum dia.

- Ah, sei, conta outra.

- Não, é serio.

- Qual é? Nunca espere para abrir um presente? Nunca escreva um cartão convidando para uma janta sem informar o local? Nunca deixe um presente para alguém sem nome e sobrenome de quem deve receber o presente?

- Não.

- Então não sei.

- É bom desconfiar do que é fácil, sempre.

- Por que?

- Já pensou se eu tivesse aberto o presente e tivesse ido nessa janta?

- Você não sabia onde era, vovô.

- Mas poderia ter imaginado. Onde quer que eu chegasse, na hora da janta, com um garfo, uma faca e um prato, e possivelmente um vinho para ser aberto por um saca-rolhas, eu jantaria.

- Não entendi.

- Eu estava apaixonado por uma colega, naquela época. Ela era tão legal que duvido que não me convidasse mesmo para jantar em sua casa, mesmo não tendo sido ela a entregar o presente. Meses depois fiquei sabendo que ela gostava de mim.

- Vovô, onde você quer chegar com isso?

- Depois que guardei aquele presente, resolvi parar de procurar alguém.

- Quem você procurava?

- Alguém é modo de dizer, estou querendo dizer que decidi parar de procurar uma namorada. E isso foi bom.

- Por que?

- Duas semanas depois daquilo, conheci sua avó.

- Mas vovô, não faz muito sentido. É como arrancar sementes de jaca, uma hora você arranca uma podre e na outra arranca uma boa.

- Lugares para ir jantar eu tinha entretanto, se tivesse ido em algum deles, muito provavelmente teria mudado toda a história da minha vida.

- Nossa, toda a história da sua vida, vovô?

- Sim.

- Nunca mais quero ganhar presentes então.

- Por que?

- Vai que eu não sei se é para aceitar, para usar, para devolver, para agradecer ou sei lá mais o que, e daí toda a história da minha vida muda?! Não quero! Tenho medo!

- Você sempre fará escolhas. E muitas delas mudam o caminho que a sua história estará tomando.

- Então como saber se é a hora ou não é, se devo ir ou ficar?

- Pense que sua alma só fica em paz quando você está no caminho certo mas seu coração fica em paz quando sua consciência está tranquila.

- E como eu sei quando é assim? E se a alma não estiver em paz mas o coração sim?

- A alma nunca está em paz quando a vida não está no caminho certo.

- Mesmo que o coração esteja em paz?

- Mesmo. O coração, o nosso humano, muitas vezes se engana.

- Ah... mas que difícil vovô! Tenho medo de não saber quando não estou no caminho certo. O que eu faço?

- Coragem com prudência, alegria com tranquilidade, ousadia com temperança. Assim você será quase incapaz de errar.

- Tempe... tempe o que?

- Temperança.

- Espere um pouco.

- O que foi?

- Vou pegar o dicionário.

Pedaços de um pensamento (80)

Quando acordei, hoje, senti uma tristeza que há tempos não sentia. Ali, parado, olhando o mais singelo da criação, entristeci ao perceber que o tempo é implacável. O que dias atrás reluzia como uma grande chance de deixar que a vida, num todo, tirasse ao menos um pouco mais de toda essa pintura gosmenta derramada sobre mim ao longo dos anos, parecia, naquele silêncio, ser parte de um grande salão, escuro e vazio.

As dúvidas, sobre os mais diversos assuntos e aspectos que desconheço, continuam vivas. O não saber, o desconhecer e a indiferença ainda são fortes dentro de um ser que, por algum motivo, parece estar mais vivo.

Tanto na alegria quanto na tristeza, passando por raiva e pelos abraços empolgantes do espontâneo, o que parecia existir era algo que lutava em surgir porém, por diversos motivos e inúmeras desculpas, acabava sendo oprimido, deixado de lado. Senti-me tão vivo como há tempos não sentia. Vida singela, distante das rotineiras indiferença e distração.

Ali, diante do que de mais belo foi apresentado aos meus olhos, senti que estava a abertura para o caminho que há tempos ziguezagueava procurando, sem sucesso.

Como de costume, não consigo ter algo bom sem estragar, de alguma forma. Seja por falta de atenção, por descuido ou porque, de alguma forma, não consigo dar a devida importância, falta muito de mim naquilo que quero para mim. Nem tanto pela forma ou conteúdo e sim, quase que inteiramente, pelo que nem mesmo uma mente atenta e bem definida conseguiria descrever.

No silêncio, na manhã, no quarto escuro, estive diante do sublime.

Sublime que quero ver pelo resto dos dias.

De todos os dias que, algum dia, ousarei chamar de meus.