segunda-feira, 28 de março de 2011

Pedaços de um pensamento (10)


São tantas novidades que vem e que vão e eu, por não ser uma delas, fico para trás, parado, esquecido como tudo que é velho, como tudo que é passado e não possui mais lugar no presente.  A novidade em mim, para mim, seria hoje um calor estranho, um sorriso visto ou, quem sabe, a simples transferência pelo ar de algum dom Divino. A fraqueza de meus passos dados sob a chuva releva muito mais do que cansaço, dores e um pequeno porém doloroso vazio. A chuva não é capaz de derrubar meu corpo e muito menos o resto de meu vigor pensante. Comparações indevidas somadas com ações e mais ações para, quem sabe no final de um raciocínio inexistente, acrescentar todo o peso de uma história da qual não faço parte e de outra que não termino por não conseguir criatividade ou ponto da realidade capaz de tirar do desfecho o tom trágico, com mortes incontáveis, ao fim de diálogos e palavras enfeitadas, significativas a qualquer um, possibilidade e não fato, menos a mim. Fatores que não se alteram, tanto quanto o tempo que não descansa e olhos que ardem, que doem. Não faz sentido, você que está lendo sabe que não faz nenhum sentido. Eu só quero poder caminhar por aí e encontrar algum pequeno milagre que me faça entender, hoje, que o dia não acaba nos limites da realidade, no vazio de distância física e temporal, de uma história onde cada vez menos eu existo.

Quem sabe alguma lágrima possa vir e trazer vigor ao menos a meus exaustos olhos.

*muito mais para The saddest song...

domingo, 27 de março de 2011

Hoje atemporal


Cada segundo pensado jamais será perdido mesmo que venha a ser um nada o que hoje é sonho. Inconcebível ideia aos olhos alheios. Com exceção de um par, nenhum deles me é importante. Uma pequena fração de sonho, ou seja, de nada, é seguida e substituída por outra igualmente insignificante perante o todo imenso que no presente não passa de um livro imenso escondido nas últimas prateleiras da biblioteca. Ora, que função tem ele, mesmo grande e significativo, se está afastada e ninguém usufrui de sua existência? Mesmo que junte pó e fique lá por anos, algum dia alguém o encontrará e terá para si esse todo, um tudo muito particular, tão único e simples que descrição é singular e jamais plural.

Algum dia, alguém, quem sabe. O problema é que não é muito útil a um estudante de medicina ler livros para matemáticos, pois os livros foram escritos para matemáticos e não para futuros médicos. Nada impede que o leia, mas não foi escrito para si, não acrescentará muito em sua presença senão um ar de "tenho um conhecimento variado" porém inútil em minhas ações, em minhas razões.

Dessa analogia tem-se então que o livro, daquela analogia a um sonho procedido de um tudo unicamente pessoal, não é e certamente nunca será útil a outra pessoa se não àquela a quem foi criado, escrito, trazido à existência.

E escrever um novo livro não é viável então... ponto final.

"...one thing is always true..."

quarta-feira, 23 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato VII )


( uma linha de poucos pontos faz a ligação entre o que é palavra e o que é real. Há pensamento em diversos pontos, há sentimento em apenas um )

Ato VII

Cena I

( Michelle encontra com o jovem rapaz )
- Boa tarde rapaz com tantas primaveras quanto eu, vi que estavas caminhando com o menino cujo rosto está sujo pelo mundo.

- Sim, estávamos conversando. Em hora futura estaremos conversando com um senhor a fim de tentarmos entender a relação de tempo e vida com o mais belo e indefinido dos sentimentos.

- Não entenderão, com conselhos de um velho ou de um recém nascido, o amor não pode ser segurado nas mãos e analisado com os olhos, apenas senti-lo basta.

- O dizes pois não queres reduzir sofrimento por ele, se o quisesses, iria conosco ao encontro do velho.

- E credes mesmo que ele lhe dará uma resposta definitiva?

- Se fosse esta possibilidade uma certeza, seria passado, pois já teria ouvido-o muito antes de nascer.

- Façam como queiram.

- O menino me contou que deste a ele uma cesta com morangos, que intenções tens com este gesto?

- Morreria de desgosto minha generosidade se houvesse intenção secundária em minha doação a um necessidado.

- Tua face está corada agora que mencionei-o diretamente, acaso teu coração estaria criando ligação com aquele menino que pouco tem por fora mas muito haverá de ter dentro?

- Meu coração é livre, voa com meus sonhos por meus pensamentos. Não há ligação, não há qualquer intenção, nada além de um gesto nobre que faço por...

- ...por?

- Eu o faço por algum motivo nobre, tenhas certeza disso.

- Não há razão na terra e muito menos nos mares e nos céus para que mintas para mim, vejo muito mais em teus incontroláveis gestos corporais do que tuas finitas palavras querem me dizer.

- Se vês o que realmente sinto, por que insistes com palavras?

- Não mais insistirei. Apenas estranho como podes ter por alguém aparentemente tão fechado e duro um sentimento tão espontâneo como tuas mãos inquietas e teus olhos brilhantes demonstram.

- Disse-te antes que o amor não pode ser entendido, uma vez que é livre, é independente, é puro e, como disseste, é espontâneo. Vejo naqueles olhos tristes um ser magnífico camuflado em poeira, roupas rasgadas, pés descalços e muitas barreiras passadas ainda intactas.

- Não estás longe da verdade. O tempo de meu relógio já é curto, preciso ir.

- Está bem, pode dizer-lhe por ti um recado meu?

- Dificuldade alguma encontrarei para tal.

- Obrigado. Diga-lhe que assim como ele tem dores passadas, todos temos, e que há o amor que recebemos pode derrubá-las se lhe dermos espaço...

-... e tempo.

- Isso, como soube que não seria outra minha palavra?

- Apenas soube. No mais, é uma bonita frase, terei orgulho em passá-la adiante.

- Obrigado.

(saem)

Cena II

( o velho senhor caminha pelo bosque até que encosta suas mãos em uma árvore )

- Minhas horas futuras não serão muitas, bem sei disso. Meu coração bate apenas pela esperança de vê-la novamente. Teria um fim digno se ao menos soubesse que, depois de todos esses anos, foste feliz e estiveste viva, e bem. Tão pouco, tão pouco e nada ligado a mim a não ser por uma lembrança que remete toda motivação de uma vida por um sentimento que, Deus bem sabe, não faz sentido. Tantas outras vieram e nenhuma conseguiu ser realmente um amor. Talvez tenha sido exigente mas a verdade absoluta é que em todas eu esperei sentir o mesmo que por ti, encontrar-te de alguma maneira. Felizmente não fui covarde de permitir tamanho sofrimento para com aquelas que tentaram ser novo amor em meu coração. Não seria justo ligá-las a mim sem verdadeiramente amá-las. Minha dor é amenizada por essa consciência que, mesmo tanto tempo depois, continua leve, com erros tão próprios quanto insignificantes ao mundo. Não tenho mais forças, preciso descansar um pouco.

( o senhor senta ao pé da árvore e dorme )

( fim do Ato VII )

segunda-feira, 21 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato VI )


( não sei até onde posso chegar, não sei até onde vou chegar. Nada sei, sinceramente. )

Ato VI

Cena I

( o velho senhor está sentado em um banco na praça, uma folha seca cai sobre seu colo, ele a segura, olha com atenção )

- Não sei porque ainda espero. Não passo de um completo idiota por esperar. São tantos anos, número inferior à minha idade real porém infinitamente superior a idade que sinto ter, por esperar e por não mais acreditar no rumo de minha juventude, na vivacidade de minhas longínquas ações, o amor. Por que te espero ainda? Nada queres me oferecer, nada pode te fazer querer. Nada pode algum dia te fazer olhar-me com um desejo maior, com uma busca incansável como fora a minha por tanto tempo. Não passaria de um triste hipócrita se dissesse ser passado. Se o fosse, estaria vivo, ativo, com vontade de apreciar as folhas antes de secarem e caírem das árvores. Meu passado é presente, aquilo que chamam de amor, que sentia e, como sou tolo, ainda sinto por ti é a minha tristeza, a minha mágoa, o meu amargo motivo para vir até aqui esperar por ti, sabendo que nunca mais verei-te, aqui ou em qualquer lugar, neste ou no mundo dos anjos. Não deves lembrar-te de mim, era tão pequeno perante tua presença perceptível à distância. Era apenas um detalhe na tua rica e indescritível existência. Tua companhia me deu os melhores dias e teus olhares, os melhores sonhos. Que amor estúpido pude alimentar, durante tanto tempo, por alguém que nunca se importou com isso, com minha atenção, com minha voluntariosa presença, com minhas palavras puras. Ou será que algum dia percebeste-me ou tiveste por mim algum movimento acelerado em teu coração? Mais uma vez, velho asno, por alimentar essa possibilidade irreal é que estás aqui, segurando uma folha seca no mesmo lugar. Anos, décadas neste banco para chegar à triste velhice e ainda assim continuar alimentando a esperança dos jovens tolos, apaixonados e, não menos, utópicos.


Cena II

( jovem rapaz encontra com o menino de rua)

- Tão sujo e tão mal vestido rapaz, se tua face fosse limpa, teu semblante de menino prevaleceria.

- Não vejo tanta felicidade em teu rosto, bem vestido, limpo e antes extasiado jovem. Que acontece em tua história?

- O que era sorriso hoje é lágrima, o que era vontade hoje é desânimo. Minha vida perdeu todas as cores pois meu amor partiu para longe de meus olhos e braços. E tu, por que carregas este papel na mão, por acaso há alguma criada com a presença tão suja quanto a tua que quer de ti um sentimento que, por hoje e todo o tempo que te vejo vagando por aí, não podes oferecer?

- Não há maldade em tuas palavras, do contrário faria-te engoli-las. É só um pedaço de papel com algumas letras, nada além disso. É boa educação convidar-te para uma refeição mas, como bem sabes, sou um jovem das ruas e nada posso oferecer-te como consolo senão minha inteira e sincera atenção.

- És sujo e mal vestido, porém com um coração mais valioso do que a maioria daqueles semelhantes a ti em idade e vida humana. Muito me agrada entregar-te palavras mas não sei o que dizer-te, meu coração quase não bate, meus olhos quase não se abrem e minhas pernas se arrastam por este chão manchado como teus pés. Abrindo os olhos não vejo vontade de ver e fechando-os, não vejo vontade de viver pois a lembrança de minha amada e a impossibilidade de tê-la comigo novamente fazem de mim um humano sombrio e vazio.

- Eu entendo.

- O que, como podes entender o que sinto? Por acaso já amaste, maltrapilho?

- Amor é o mais puro e incontável dos sentimentos. A dor também não pode ser comparada pois só conhece sua dimensão quem a carrega. Contudo posso afirmar-te que meu coração bateu tanto quanto o teu, que minha dor foi tão grande quanto a tua e que meus olhos, passados anos, ainda lembram a perfeição do rosto daquela por quem meu coração ainda espera, mas minha mente tenta esquecer para conseguir começar uma nova vida.

- Pois se houvesse motivação em mim, estaria espantado com tamanha descoberta. Preciso procurar um velho senhor para pedir um conselho, tamanha segurança em suas palavras. Venha comigo, acho que também podes ouvir boas palavras e ainda contar-me algo sobre tua vida que hoje não passa de remendo nessas ruas tão mal cuidadas quanto tua vida e meu coração.

( saem )

(fim do Ato VI)

sábado, 19 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato V )


(já deveria ter um final feliz, ou provavelmente infeliz, mas continuo com essa bobagem de escrever como se fossem estas bobagens uma peça teatral)

Ato V

(o menino de rua está sentado na praia, olhando para o mar)

- Cada dia que passa é um dia mais distante das palavras que ouvi, das imagens que vi, do calor que recebi e de tudo que um dia sonhei. Onde, eu só queria saber isso, onde?

(o menino olha para a Lua)

- Que queres me mostrar, Lua solitária nesse imenso céu azul escuro? Que esperas que eu diga, que estou feliz aqui e agora, imundo e sem chance alguma de prosperidade em qualquer que seja o dito espaço de minha vida? Tu que, desde o surgimento da fala humana, és musa para poetas loucos, bobos e utópicos sonhadores, que esperas que eu faça hoje, aqui e agora? Fosses tu uma estrela cadente que rasga o céu e, dizem as línguas daqueles mesmos poetas que tanto te adoram, concebe um desejo para quem a vê, te pediria não uma pessoa, não um sonho, não uma mudança, apenas e tão somente apenas uma imagem. Que meus olhos pudessem vê-la sob a tua luz e de tuas estrelas. Nem palavras ditas com tão doce voz, nem escritas em cartas cheias de carinho e sinceridade, tampouco um toque leve, sutil, suave. Apenas uma imagem, Lua distante e estranha, bola branca que todas as noites passa por minha vida sem nada deixar além do sentimento de solidão e daquela nostalgia digna de velhos mancos que desistiram de recorrer a ti como ouvinte. Tu passas e nada muda tua rotina. Agora as nuvens passam em tua frente. São fracas, ainda posso vê-la. Consegues ser tão incrível em dias como hoje. De alguma forma, fazes com que tua luz transpasse as nuvens deixando sobre elas um círculo em volta de onde estás. Como és indecifrável e admirável, Lua brilhante e distante. Se pudesses ouvir meu lamento, se pudesses limpar minha alma...

( o menino olha para o lado e vê o pequeno cesto com morangos que ganhou de Michelle )

- ... partem desses morangos tua resposta? E todos aqueles que passaram, prometeram e nunca voltaram? Todos que disseram importar-se e nenhuma palavra me dirigiram depois? Todos aqueles que aparentaram amizade mas que sequer por um momento agiram com tal valor? Queres ainda que espere por seres humanos mais limpos do que eu por fora, porém com almas e histórias mais sujas do que a minha? Se é essa tua resposta singela Lua, com o perdão de minha falta, não posso mais.

( o menino levantou-se, segurou o cesto e estava pronto para jogá-lo no mar quando percebeu um bilhete nele. Desistiu e sentou novamente, olhando para o céu, buscando entendimento)

(fim do ato V)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato IV )


( aprender a não esperar não serve para leitura e escrita, a não ser que você precise de um lápis ou um livro. Deixar que alguém, seja você ou qualquer outra pessoa, fazer algo para que esses dois verbos sejam atitudes suas não deixa de ser muito conveniente. Tanto quanto preguiçoso. Insisto, nada disso faz sentido )

Ato IV
Cena I

(Michelle chega em casa e encontra seu pai e sua mãe, bêbados em meio a uma já densa nuvem de fumaça de cigarro)

- Onde estavas, broto de uma noite tão sórdida quanto esta que hoje regamos, tua mãe e eu, com um pouco do manjar dos selvagens, onde estavas este teu corpo pequeno e inútil?

- A caminhar pelas ruas estreitas meu pai. O dia é lindo quando iluminado pelo Sol, mas a noite, com a lua e suas estrelas, ilumina menos, porém de um jeito todo especial. Deveriam caminhar um pouco sob o luar para apreciarem essa maravilha que lhes é permitida.

- Não venhas com tolices. Esta tua poesia não tem valor, não traz dinheiro ou comida. Não traz prosperidade a mim e tua mãe.

- Jamais prosperarão enquanto tiverdes como alimento esta bebida e estes pedaços de palha queimada encherem vossos pulmões de uma fumaça tão suja quanto o chão de nossa casa.

- Cale-se! Não tens direito algum de contestar nossas vidas. Deve-nos muito por não ter-te deixado ao relento da maldita noite de inverno que tirou de nós a liberdade de viver a juventude como merecíamos. Tão belos e vivos éramos e, somente por tua causa, perdemos tudo isso quando por maldição alheia, nasceste e nossos bons corações nos fizeram criar-te como moça de família.

- Se tivésseis bons corações, não estaríeis arruinando vossas vidas e também a minha vida. Vossos vícios e este ódio por supostamente ter-vos atrapalhado impedem-vos de viver a liberdade que ainda possuem, agora sem a responsabilidade sobre minha existência.

- Não somos mais jovens, não temos beleza e perdemos toda a vontade com anos de rotina estúpida e sufocante. Queres que vivamos uma suposta liberdade como? Não fale asneiras, estamos presos, como tu estás presa a nós, e ao nosso fracassado negócio, por toda vida.

- Tenho asas e sei que posso voar para onde meu coração quiser.

- Se tens asas, é uma galinha. Não podes voar, não és como outros jovens que podem ter o que precisam para suportar seus sonhos. Não conseguirás nunca.

- E vós, minha mãe, nada dizes?

- Serás apenas mais uma escrava deste mundo, menina. Me deixe em paz.

(Michelle sai repentinamente e vai para o quarto. Lá, abre a janela e olha para o céu)

- Sei que posso ir além. Tenho certeza de que algum dia conseguirei viver um sonho, seja meu por toda a vida ou por um momento. Trabalho muito por poucas moedas, não recebo apoio de meus pais mas, que mais poderia exigir além da vida que me conceberam e do alimento que até aqui me sustentou? Deus tenha piedade de suas palavras ásperas e sentimentos rancorosos. Eu vou viver, pois livre sou para caminhar, para sonhar, para amar.


Cena II
(o jovem está preso, e conversa com o policial)
- Por que vós me prendeis, policial? Moedas ou bens não me sobram, mas sou honesto e jamais cometi algum crime. Ou seria crime correr atrás da mulher amada?

- O pai de Anabelle me pediu que o segurasse quando visse tu próximo dela. Não te preocupes rapaz, quando o trem partir, estarás livre.

- Trem, que trem?

- Tua amada e o pai viajarão em poucos minutos.

- Não pode ser. Amo-a e recebo o mesmo sentimento daquele coração puro e cheio de bondade. Ela não me abandonaria sem prévio aviso. Ela não me abandonaria nem mesmo com um aviso de anos de antecedêcia. Que está havendo?

- Como eu, policial solitário, poderia saber disso? Mesmo que fosse conhecimento meu, não diria-te.

(o jovem vira-se, olha pela minúscula janela para fora)

- Como podes, Anabelle, ter me deixado aqui? Entendo tuas últimas palavras em meus ouvidos mas não consigo compreender por quê me deixaste aqui. Uma tristeza profunda faz-se presente e será futuro por todos os anos, vida inteira e também após a morte. Minha alma está seca com tua partida, com a distância que estás de meu coração, de meus olhos, de meus braços. Por que Anabelle, deixaste-me aqui, sem ao menos uma razão? Que tolice estou dizendo, mesmo com longas horas de explicação não entenderia, não aceitaria, não sentiria justiça nesta atitude tua. Seria culpa de teu pai? Sei que nunca gostou de mim, mas trabalhando honestamente conseguiria provar-lhe meu valor. Meus olhos doem pois minha mente antevê que não haverei de vê-la nunca mais. Não há mais dias, noites, que diferença faz a luz do Sol ou o brilho das estrelas se teu rosto não está mais próximo do meu para iluminá-lo, e teu coração não está perto do meu para fazê-lo pulsar com honestidade? Anabelle...

( encosta a cabeça contra a parede, nem ouvindo a frase do policial)

- Está solto, vá embora jovem.

( fim do Ato IV )

quinta-feira, 17 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato III )


( quando pensa-se entender, há imaginação, suposição. Quando não tenta-se entender, há a simples leitura. Muito mais do que os olhos, muito menos do que a boca. Simples assim. )

Ato III
(o menino de rua caminha pela calçada à beira mar)

Cena I

- Hoje são tantos jovens que reclamam que suas vidas não fazem sentido, que suas decepções não são superadas, que seus problemas são os maiores do mundo, e tudo por que? Ah sim, jovens como eu que, ao contrário de meu eu, reclamam pela falta de moedas para a bebedeira e a jogatina, para as mulheres e outros deleites carnais. Jovens que não importam-se em aprender mesmo com uma biblioteca particular em casa. Jovens que criticam a mãe e chegam a bater no pai. E tudo por que, jovens? Tudo por um sentimento tão sujo quanto esta barata que acabo de amassar com meu pé direito descalço. Olhem para mim, nada tenho diante do que vós tendes e não me vedes blasfemando contra Deus e contra meus falecidos pais. Tenho moedas? Não. Tenho oportunidades? Tampouco. Nada tenho e de nada do que sentis falta preciso. Minha única necessidade é, e por ventura passará anos sendo, descobrir onde ela foi parar.

( o vento sopra e as ondas do mar quebram violentamente. O menino senta, traz os joelhos para perto do peito e os envolve com os braços. )

- Reclamam de tantas injustiças, jovens, sem saber que as verdadeiras injustiças só são descobertas anos depois. Quem diria que a única vez em que pude ver aquele rosto sob o sol seria a última em que o veria? Ah sim, o amor. Os velhos o tratam como lenda utópica, os adultos o desprezam por não saberem dele viver. Os jovens, ah, jovens idiotas, prendem-se à rostos, tornozelos e mãos. Prendem-se à fortuna da família e ao encargo do patriarca. Fosse a vida justa, estaria eu feliz com a minha miséria, e ela ao meu lado, e vós estaríeis em uma miserável vida, mesmo com moedas, bens e roupas.

( entra Michelle, a vendedora da feira, carregando uma pequena cesta com morangos)

- Olá menino, se teu rosto não estivesse tão sujo, pelo tempo e pelo mundo, poderia tentar adivinhar quantas primaveras se passam desde teu nascimento.

- A sujeira de meu corpo concentra-se em meu rosto pois não encontro alegria neste presente para trazer à tona uma face sorridente e limpa. Não te importes com as primaveras de minha vida, não são tantas quanto minha máscara de poeira e sal aparenta.

- Tão só, tão sujo, tão rígido. Como consegues então, com tão pouca idade, desprezar as alegrias de um mundo cheio de vida?

- Da idade da alegria trago tristeza. Do nascimento, a solidão. Apenas meu chapéu e tudo que ele carrega trazem algum consolo às dores de minhas cicatrizes. Que queres tu, tão doce e amável, vindo ao encontro de um fardo pesado que força alguma no mundo é capaz de carregar?

- Insisto, não sejas duro com a vida do mundo e com tua própria. Se deixares de lado por um minuto todo este rancor, sei que perceberás que não precisará mais dele e quem sabe teu fardo fique um pouco menos pesado de carregar e a capa que esconde teu ser de todo o mundo, e de mim, passe a mostrar um pouco mais do que agora. Bom, apenas vim lhe entregar isto.(e entrega a ele a pequena cesta de morangos)

- Sou grato mas não posso lhe pagar sequer o minúsculo talo destes morangos.

- Não lhe cobro nada porém, se quiserdes mesmo recompensar-me, faça o que te disse, nem que seja com uma destas tantas e tão monstruosas cicatrizes que insistes em carregar para manter distante de ti todos que enviam para tua vida a fim de completá-la.

(Michelle sai, o menino fica segurando a caixa de morangos, perplexo. Segundos depois, volta a olhar para o mar, e sorri)

Cena II
 (Anabelle e seu pai estão em casa, arrumando as malas para viajarem)

- Sejas breve, Anabelle, nosso trem está na estação esperando nossa partida. Lembre-te que teremos uma vida nova agora que serei delegado em nossa nova terra.

- Peço vossa permissão meu pai para, provavelmente, pela última vez em minha vida ver meu amado.

- Jamais te daria tal permissão, contudo, como será a última vez que poderás vê-lo, serei compassivo. Fico feliz por saber que nunca mais verei-o diante dos olhos, aquele jovem não é digno de tua presença.

- Vos respeito meu pai e discordo de vossa opinião. O amo com todas as minhas forças mas não posso ir contra tua vontade, sabendo vós muito bem porque decidi ir consigo e não lutar contra todo amor que tenho por meu amado.

- Depressa, antes que eu mude de ideia.

Cena III

( Anabelle está na frente da casa do jovem, ela grita por seu nome )

- Meu amor, venha depressa!

( o jovem abre a porta e fica perplexo ao vê-la ali )

- Eu já lhe disse que não deves vir a minha casa, esta parte da cidade é muito perigosa e...

( subitamente, Anabelle o interrompe com um beijo )

- Nunca esqueças que te amo hoje, que te amei ontem e que te amarei amanhã e por todo sempre.

(ela vira-se e sai correndo. O jovem, desesperado e ainda sem assimilar o que acontece, começa a correr atrás dela)

- Bela Anabelle, dona de todos os sonhos que brotam em minha mente, espere, me diga o que está acontecendo.

- Pare de me seguir meu amor e fique com nossa última lembrança.

( um policial pensa ser o jovem um ladrão e, rapidamente, o derruba no chão. O jovem grita mas o policial tapa sua boca e o algema. Anabelle continua correndo sem olhar para trás, chorando)

(fim do Ato III)

terça-feira, 15 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato II )


(qualquer opinião deve seguir uma linha de raciocínio. Ou ser por ser, assim como gostar por gostar. Não compare qualquer coisa escrita por mim com qualquer coisa escrita por alguém, dias ou séculos atrás.)

Ato II

( o jovem entra no palco, ansioso por ver a amada)

- Com detalhes esplêndidos, oh belíssima Anabelle, conseguiste fazer de meus pensamentos um quadro comparável à qualquer pintura de Michelangelo. Meus olhos não precisam mais ver tua face para iludirem meu coração com um paraíso terrestre no qual começo a acreditar. Estaria pronta para nosso encontro? Ah, sem importância a pontualidade quando és tu quem espero. Demore o quanto quiser, esperarei-te por toda vida se assim aguentar.

(entra em cena, de cabeça baixa, um senhor de longos cabelos brancos, pele enrugada e caminhando com dificuldade)

- O céu se abre de alegria só por vê-lo em tamanha magnitude de felicidade, jovem apaixonado. A espera de tua dama?

- Certamente, gentil senhor. Minha amada está por chegar, acredito. E tu, que fazes por esses campos secos que na primavera emanam cores e adoçam olhos e lábios? Por acaso buscas alguém com idade semelhante, dom na arte dos doces e algum amor a oferecer?

- Meus tempos de amor se foram, sonhador e entusiasta rapaz. Tanto quanto ou muito mais do que tu, voei a lugares que nunca conheci apenas para viver um amor que não era meu.

- Não entendo, como podes ter buscado algo que não era teu?

- Creio que não temos tempo para esta conversa, neste momento. É visto que tua dama se aproxima. Deixarei-os viver na empolgação dessa paixão e voar como pássaros jovens, destemidos e ambiciosos.

( o senhor vira-se e começa a voltar na direção de onde chegara)

- Espere! Minha mente ficará perplexa e confusa até o momento da descoberta de tal experiência. Onde posso encontrá-lo?

- És muito atencioso. Algum dia nos encontraremos e te contarei tudo que puder para fazer desaparecer qualquer perplexidade. Não te preocupes com isso, é muito pequeno perto do que parece estar por vir.

( o velho senhor retira-se lentamente, sem fazer um ruído sequer enquanto Anabelle entra, ainda distante )

- Que quiseste dizer com isso? Velhos! Haverei de descobrir o que quis dizer com a busca e a preocupação. Pouco importa agora, minha Anabelle está vindo a mim. Que as pedras do céu caiam sobre minha cabeça! O ancião não fizera previsões de um futuro imaginário, mas de um presente visível e escondido por trás da face tristonha de minha amada.

(Anabelle aproxima-se, de cabeça baixa)

- Não há sequer flor, poesia ou outra pessoa no mundo que possa trazer consigo um semblante tão adorável e singelo quanto o teu, Anabelle. Meu coração briga com meu corpo para sair de meu peito e recostar-se na segurança de tuas mãos.

( o jovem segura as mãos de Anabelle, que permanece olhando para o chão )

- Entretanto, há uma mancha negra em tua beleza. Que pode ter acontecido de tão grave para que o sorriso mais belo tenha desaparecido de teus lábios e teus dentes que refletem a luz do sol, como nenhum espelho o faz?

(Anabelle não faz menção a palavra alguma, permanece em silêncio)

- A felicidade que havia em mim vai embora para a chegada da preocupação com teu mal. Por favor me diga, Anabelle minha amada, eu lhe imploro, o que aconteceu para que tua luz tenha se apagado quase por completo?

(Anabelle então levanta a cabeça e olha nos olhos do jovem)

- Não só a felicidade foi embora de ti como o calor de tuas mãos. Não há nada em meu coração, jovem por quem meus pensamentos perdem o sentido e minhas palavras perdem a direção. Nada que possa vir a preocupar-te e tirar o calor de teu corpo. Nada.

- Como pode não haver nada? Teus sorrisos sempre iluminaram nosso caminhar, a lua invejou-te por esses olhos cor de mel que fazem o luar incompleto sem eles, de teus lábios emanava amor e sustento para meu coração. Porém agora, nada disso trazes contigo e queres que eu acredite que não é nada? Anabelle...

- O vigor de teu sentimento por mim levantou-me tantas vezes quantas foram as que te vi. Tuas palavras fazem de meus tímpanos os mais bem tratados da face da terra. Insisto que não há nada comigo, nada em mim, nada.

- Alguém te maltratou, ou a tua família? Falta a eles ouro ou trabalho? Doença ou morte? Me diga, que há de negro em tua vida para que ela não seja a fonte de calor que sempre foi?

- Não insista meu amor. Não procures o que não podes encontrar. Semanas passaram e escrevemo-nas em livros de anos. Hoje meu sorriso somente parece ter ficado em lembrança por nada. Nada, meu amor, nada. Queres caminhar ou preferes que sentemo-nos aqui para aproveitar este vento que é carregador de males e bens, de amores e ódios?

- Por mais que discorde deste teu nada, e por mais que ele pareça muito para mim ao ponto de tirar-me a tranquilidade, não vou mais insistir. Escolhas tu para onde vamos, não tenho mais pensamentos para tomar uma decisão simples.

( o jovem e Anabelle saem para caminhar)

(fim do Ato II)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato I )


(há uma grande história fantasiosa pela frente, qualquer falta de coerência não é coincidência, não é rima, não é nada além de... mais um motivo para dizer que não!, não faz sentido. Para quem nunca leu Shakespeare, entenda como o roteiro de uma peça de teatro)

Ato I

(o menino de rua, com pelo menos 16 anos, entra com uma bergamota na mão, caminha lentamente para a frente do palco, as luzes se acendem, ele começa a exclamar)

- Oh, bela manhã, como podes ser tão singela e, com o perdão da minha infantil rima, tão bela? Teu sol que nasce e sobe ao mais alto ponto de minha visão é esplêndido! Teu céu, ah, que lindo céu, cada vez mais azul claro, como aqueles olhos que outro dia por mim passaram. Tuas nuvens, brancas como os cabelos de minha falecida avó, sim, tuas nuvens são alento para quem vive de um passado tentando se encontrar nesse presente imenso, que parece cada vez mais longe. Bela manhã, como podes me explicar isso?

(simula-se o vento, o chapéu do menino voa, ele corre para alcançá-lo e acaba trombando com um jovem, mais ou menos 20 anos)

- Que pensas fazer, menino de rua imundo? Não vês que vou encontrar com minha dama e preciso estar com as aparências muito boas? Que dirias à tua, de rua como tu, se aparecesses na frente daqueles olhos, cheios de branco e esperança, sem aparentar o que sempre aparentas?

- Jovem cavalheiro, devo-lhe desculpas, corria atrás do chapéu que o vento vindo do céu levou para longe. Porém preciso dizer-te que não tenho senhora, em rua ou casa, bem ou mal vestida. Tampouco preocupo-me em algum dia mostrar uma aparência que não a minha, pois como o jovem bem sabe, sou um imundo menino de rua, abandonado pelos pais e sozinho desde a morte da avó. Não tenho chances neste mundo cruel e mais sujo que meus pés descalços quando tocam o barro. No mais, tentarei pensar mais no que me disseste tão logo encontre o meu chapéu.

- Que á de tão especial nesse chapéu, imundo menino?

- O passado que não me pertence mais. As raras belezas de minha vida estão no passado, e este está naquele chapéu velho e indigno de tocar sua cabeça, sequer ser levado por um vento que não indica caminho, apenas faz distanciar as lembranças do hoje.

- Por que vives no passado, há uma vida toda em tua frente!

- És otimista, jovem, pois tens planos para o futuro. Tens família para suporte, dinheiro para transporte e mais importante, neste momento em que vives, tens uma jovem capaz de te tornar senhor do impossível. Tendes compaixão, dê a mim dispensa de sua atenção!

- Vá atrás de seu passado então.
(saem do palco)
(fim do Ato I)

sexta-feira, 11 de março de 2011

O dia, a música.


A gota de suor faz do olho o princípio de uma dor. Leve porém irritante. Uma lágrima surge por  um motivo então e, mesmo sendo mais salgada do que o próprio suor, faz a gota de suor não ser mais uma coisa ruim. O que trouxe a lágrima foi o começo do que trouxe o suor.

E de  uma de suas gotas no olho.

*nenhuma música pode dizer mais.

Pedaços de um pensamento (9)


Despercebidos, muitas vezes escondidos por palavras maiores, detalhes que podem fazer diferença em algum momento. Geralmente verbos no passado que tiram no presente a vontade, o desejo, a força toda de... é por aí, mais ou menos essa falta de exatidão na palavra, no pensamento, na atitude. Quem entende por hoje o que uma palavra solitária ou um verbo no passado  seguido de adjetivo é perspicaz. No dia-a-dia não há replay, releitura, revisão. Tempos modernos permitem que um detalhe possa ser trazido à tona, tirando a dúvida da mente para transformá-la em... uma dúvida maior ainda. Ah, mudança desconcertante que impede que uma certeza a seja em plenitude. Do todo dessa, agora fora daquela certeza, grande parte parece ir embora em um momento que não é nada mais do que passageiro. Como tudo e todos. A diferença é o que a passagem pode incitar a fazer. Da única mancha negra a certeza de que o verbo da calma e da paciência faz grande diferença e pode fazer também em um momento meu que não se repetirá, de forma alguma, no momento que jamais será meu novamente. Tempo que passa, cores que desbotam e nada dessa passagem trazer um dia diferente.

Então, vem com isso a dúvida pelo detalhe visto novamente, aumentada pela falta de perspectiva de evolução e agravada pelas cores de um verão ocasionalmente diário, de um só dia, que em uma palavra, verbo ou não, passa a ser um outono desbotado e, contra a natureza, sem sementes que evoluem para flores futuras em uma primavera que não se encaixa em nenhuma dessas frases.


*ainda com palavras semelhantes cuja importância varia do local de origem

domingo, 6 de março de 2011

Histórias de bergamota (15)


A relação entre o que acontece, sendo esse já passado e o que irá acontecer, que no caso está acontecendo agora e, caramba, logo vira passado, não é tão levada em conta quando falamos da vida alheia. As melhores aparências passam, o que fica são as sementes deixadas, que fazem surgir um novo pé. Esse pé servirá como sombra, sendo como lembranças que voltam e aliviam o calor, ajudam no descanso, permitem tranquilidade antes que novos passos sejam dados sobre o sol. Que analogia bem boba essa. Porém, pior seria se continuasse falando de tempo e espaço. Todos os dias surgem plantas que podem deixar sementes para as tais futuras árvores. Ou não. A escolha não é apenas de quem fica, não é apenas de quem vai. Francamente, não há uma escolha. Há alguma coisa que motive o tal fruto a deixar alguma semente para que o futuro-logo-presente-logo-passado possa ser de fato, deixando a simples e irritante possibilidade qualquer. Como frutos que surgem de uma maneira explicada pela biologia, como árvores que nascem através de cuidados da agronomia ou as que são cortadas por engenheiros florestais, assim são pessoas que dia pós dia (sem qualquer hífen entre esses dias) passam e deixam, ou não, uma futura lembrança. A culpa se novas lembranças, ou sementes no caso da bergamota, não são deixadas não é apenas de quem não deixa sementes, mas também de quem, por vezes, não faz a menor questão de deixar que essas sementes sejam futuro-logo-presente-logo-passado. Diriam os apegados à analogias piores do que esta que tudo passa, até a uva passa. Piadista sem graça quem começou com essa história.

No final das palavras, se uvas fossem importantes, escreveria 'histórias de uva' e não de bergamota.

*tão somente nada

sábado, 5 de março de 2011

Pedaços de um pensamento (8)


Foi-se o tango inconstante beirante, em questão de único passo, do tudo e o nada, a intensidade e a monotonia, a alegria e decepção. Não importa muito se não há definição clara e objetiva do que hoje ritma a dança. Até porque, não há sequer definição de qualquer coisa. Encaminhamento por conveniência não é válido, o incerto domina e o medo de que acabemos sentados, cada um de um lado do salão, impede de um simples 'então será assim'. Não há mais tempo para ensaio de passos, para uma tranquila e progressiva evolução. Tão somente o hoje é conduzido com algumas lembranças boas, uma ou outra segurança natural, um pouco de ajuda externa e muita vontade de que no final ninguém, incluindo-nos nesse grupo, lembre que algum dia pisamos nos pés do outro, atrapalhando o que poderia ser um espetáculo mas acabou sendo... uma grande confusão, sem chances de receber um elogio. Sem a necessidade dos aplausos antes, durante ou depois, fica muito mais fácil conduzir um passo aqui e outro ali. Muito mais do que querer esquecer o que foi, ou não foi, há um desejo de que, seja como for, os passos acompanhem o ritmo que devem acompanhar. É aquela história de acreditar que se for para ser uma grande apresentação, assim o será, mesmo que demore algum ou muito tempo. Por mais que a paciência seja um fator determinante para que novos erros não sejam cometidos, não há um marasmo que impeça o surgimento de novos passos, para frente ou para trás, direita, esquerda ou diagonal qualquer. Estamos assim, dançando como ensaio, quem sabe um dia veremos o começo de um espetáculo. Ou não, as possibilidades são muitas. O período da loucura impulsiva do tango passou, felizmente. Talvez hoje esses passos sejam de uma clássica valsa.

Ao final da música, quem sabe tocada em um piano também clássico, desejo sinceramente que haja um sorriso no rosto. Mesmo que eu tenha de aplaudir sentado em um dos cantos, e não no centro, do salão.

*I'm so happy when you dance with me

quinta-feira, 3 de março de 2011

Histórias do Billi J. - Eis que hoje quem escreve sou eu

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Caro amigo!

Li seu último email e creio que, depois de tanto ser ajudado por seus conselhos e paciência, possa ajudá-lo relembrando algumas coisas passadas comigo. Entendo perfeitamente que você tenha a certeza de que tempo e espaço transcorridos não são nada além de tempo e espaço transcorridos. As pessoas que costumam acreditar que o tempo apaga ou faz esquecer uma pessoa ou um sentimento geralmente são pessoas facilmente iludidas por promessas de terceiros que não se cumprem. Passei pela mesma situação de tentar deixar aquele sentimento que fez de mim o mais espontâneo dos seres somente no passado, e fracassei. Bem ou mal hoje, tempos depois, fica óbvio que foi melhor assim. O grande problema é conseguir descobrir pequenos detalhes que garantam que o futuro não é um terror de dúvidas. Na verdade, estaria mentindo se dissesse que hoje consigo encontrar razões no passado que expliquem a minha completa falta de confiança no que poderia vir, ou voltar a ser, o que, de certa forma, me impediu de dar um rumo diferente à minha vida social, mais especificamente, de amor puro e simples.

Provavelmente o grande problema, e tenho certeza de que entenderá o que lhe digo, é ter de carregar um peso que não possui um nome claro e objetivo. Os pensamentos são carregados de lembranças, com arrependimentos e alegrias misturados como em um purê de batatas. Não há diferença entre um e outro em alguns dias. A felicidade vem e vai com a mesma frequencia que aqueles pensamentos que fazem com que nada no futuro possa vir a ser tão bom quanto o que foi. Digo-lhe então: é mentira. O futuro, começando pelo minuto seguinte a esse e seguindo anos e anos, dia pós dia, minuto pós minuto, transformando-se em presente e logo em passado, bem, o futuro será muito mais do que os seus dias ruins lhe indicam. Não há mundo contra ninguém e sei que você sabe disso, mas não custa relembrar isso para dizer que você não precisa ficar preocupado com uma possível distância, não apenas física. O que acontece nesse caso é o ressentimento por um desgaste natural quando se luta por aquilo que se quer.

Li dias atrás sobre a falta de ideologia dos jovens como nós. Um velho idiota que escreveu duas ou três linhas sensatas em um jornal de quinta categoria. Não precisamos de Marx e Maquiavel para termos uma ideologia e construírmos uma vida seguindo alguns padrões. Nossas mentes são capazes de criar por si mesmas, e com alguma ajuda Divina, uma ideologia que nos permite fazer o que é certo. Buscar aproximação daquela que, com a simples lembrança de um olhar, traz ansiedade e algum medo de decepção alheia é uma forma de fazer o que é certo. Quando um sentimento existe e nada é feito por ele, um erro é cometido mas o arrependimento por esse erro virá apenas com o crescimento o que, convenhamos, hoje em dia é difícil de ver em uma juventude que sequer sabe diferenciar o certo e o verdadeiro do errado e de todas as mentiras que o mundo coloca em belas formas, induções e aromas.

Não há fracasso que o seja por completo. Nem que aquela velha história de 'nunca mais farei' é de todo bobagem. Resquício de conformidade com o que não muda mais: o passado. Hoje você não pode fazer mais nada além do que já fez, pelo que entendi. É impossível mudar o pensamento alheio quando este é significativo. Motivos desaparecem, convicções são alteradas para uma melhor vivência e o único fator que acelera tudo isso é a constatação de que tudo que é verdadeiro é duradouro e, portanto, será assim até que por desistência, o que acho difícil no seu caso, ou vontade de buscar outro caminho seja um determinante. Também não há coisa no mundo que lhe faça deixar de sentir o que sente e de acreditar, com um resto de esperança bem guardado entre a lembrança de um olhar e o sonho de felicidade que encaminhe para um final, onde quer que esteja e quem quer que possa vir a ser a guardiã dessa plenitude que você, eu e todos os que entendem a felicidade como a junção de todas as realizações, sonhos e pessoas por quem prezamos.

Mesmo na inocência de nossas infâncias fazemos com que nossos corações batam em ritmos semelhantes ao de outras pessoas. Nossos pais, amigos, pessoas que admiramos por quem são e, nessa fase da nossa vida, alguém por quem esses corações podem até parar, são verdade, partes de felicidade. Portanto, são eternos no presente. Aquele que é, aquele que acabou de ser e aquele que logo será. Não há como impedi-los de fazerem parte disso. Algum dia poderá tentar impedir que voltem a ser presente por meio de lembranças mas, não será tarefa fácil. Tudo que nos aconteceu de ruim, vindo de outras pessoas, são partes do presente que já passou e portanto, não são mais parte do presente que é e acabará sendo. Por mais que as lembranças sejam ruins e ainda hoje lhe tragam sentimentos e sensações duras de viver com um sorriso no rosto eu lhe garanto, amigo, que um dia conseguiremos fazer com que a fortaleza que vem de Cima seja muito mais viva em nossas mentes do que a ideia que introduziram em nossos pensamentos, quando éramos novos e indefesos de ataques alheios, de que nada éramos além do que o pouco que eles diziam.

Quando conseguir livrar-se desse peso passado que ainda dificulta seus passos presentes você verá, assim como eu vi, que tudo o que tens para carregar hoje um dia será tão nada quanto o que já foi algo ruim e não é mais. Como entender isso naquela história do amor? É simples. Arrependimentos, lamentações e consequente desgaste, consigo e com a outra pessoa, passarão a ser apenas folhas secas que vão ao chão e tornam-se adubo para uma árvore que pode crescer, e muito. Esse sentimento que tempos atrás, como você disse, fora sufocado pela pura e simples vontade, afobada, da mudança, será luz para o caminho. Ou, na pior das hipóteses, para um novo caminho. Nesse caso, acredito, há mais coragem em acalmar, esperar e orar para que haja uma condução Sábia na história do que tentar fazer por conta própria a condução desse caminho ou a abertura de um novo.

Não seja bobo como muitos são, não dê tempo ao tempo. Como escrevi lá em cima, o tempo não é fator, é apenas tempo. Sei que não vai pressionar para que nada aconteça pois, se agisse dessa maneira, não seria você. Está certo em agir dessa maneira, a liberdade para sentir, pensar e, quem sabe, mudar é fundamental para vivência prazerosa. Tendo em vista que nada  do que você possa vir a fazer terá alguma consequência senão um desgaste, seja paciente e continue entendendo que ela carrega sentimentos tanto quanto você. Alguns diriam ser responsabilidade pois, como você me disse, você se preocupa com a felicidade dela muitas vezes mais do que se preocupa com a sua própria felicidade e satisfação. Pense que pode ser mútuo esse cuidado, esse zelo, esse 'te tornas responsável por aquilo que cativas'. Não que você deva ficar feliz com isso mas, convenhamos, seria mentira se disséssemos que não gostamos quando alguém se preocupa conosco.

Digo por experiência própria em momento não menos próprio. A Renata acabou de me ligar, vou buscar ela no curso. Ah, não contei que ela decidiu fazer curso de pintura. Você nem imagina como está a casa dela agora que toda parede pintada com uma única cor ela tenta transformar em arte. Bom, devo ter esquecido uma ou vinte e sete coisas que poderia e deveria lhe dizer. Também peço desculpas pela falta de objetividade. No mais, tenho que ir agora.

Ah, não pense duas vezes quando for escolher entre o que é racionalmente sensato e o que você sente. Eu fui chamado de idiota quase todos os dias dos anos em que esperei por aquela que sempre, com lembranças ou palavras, escritas como essas, fazia do meu dia uma verdadeira bênção Divina. O importante não é como vamos terminar essa nossa história e sim com que verdades, ou ideologias, iremos conduzi-la até chegar a esse fim. O amor é um sentimento estranho, quando ele não flui, parece que quase tudo perde o sentido. Há um pouco de verdade nisso entretanto, não é o fim do mundo, da vida. Ou da história. Novas páginas começam a ser escritas, geralmente, quando há liberdade para sentimentos, e nesse caso ideologias. Mais ou menos isso.

Abraço.
Bilionárico Johansson
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