quinta-feira, 29 de julho de 2010

Histórias de uma vida não vivida (23)


*Não são apenas casais que se complementam. Amigos, pai e filho, colegas de aula. Qualquer complemento verbal de um para o outro é possível quando há uma relação amigável, pessoal e voluntariosa. Com eles era assim. Essa amizade era uma grande loucura. Cada um com um gosto, uma área de atuação e interesse. Cada um muito diferente do outro. E ainda assim, completam-se nessa amizade que rompe as barreiras da distância, das diferenças, do passado e do futuro. Em um estranho e antigo sonho a homenagem atrasada e humorada, bem ou mal, àqueles que fazem parte também de histórias jamais vividas. Insisto ao dizer que a realidade, a ficção e a pura imaginação se confundem nessas linhas tortas.

O nome dele era C... C.H., só isso o que posso dizer. Ele era um cara legal, embora muitas pessoas não soubessem disso pois ele não gostava de ser legal para com todos. Tanto que no velório do amigo de um idiota, que não era seu amigo também, ele jantou e comeu carne de porco sem qualquer receio. E por que deveria ter receio de comer carne de porco? Ninguém deve saber, mas ele achou que tinha feito uma grande coisa, uma grande ofensa e, no dia seguinte, foi falar com um grande homem: o instrutor de judô, um cara de dois metros de altura e 134,66 kg. Não mudou nada, os dois mais riram do que conversaram.

Voltando ao C.H., que não conhece o Billi J. para os que tentaram associar, ele era daqueles que cortava linguicinha com foice. Ainda no espeto. Sério, ele era muito louco. O que não vem ao caso hoje. Sua vida não era algo digno de filme e sequer de coluna no jornal ou texto em blog. Mas ele era um cara legal. Impulsivo, cortava o churrasco no espeto, contava piadas dentro durante um jogo de futebol e mandava que todos parassem de caminhar na rua só para tirar um cisco do olhos.

Pois é, esse mesmo. Ele era um trabalhador injustiçado. Sua família não era das mais ricas e ele não ganhava o suficiente para comprar uma Lamborghini, o sonho de consumo de qualquer homem que gostaria de ter um carro para fazer todos os outros babar. Isso por causa da teoria do macho dominante, o que não vem ao caso. Essa Lamborghini não era seu objetivo principal. Ele só não queria que os vagabundos da cidade, bem dotados financeiramente, tivessem uma. Ou algum carro do tipo.

Porque era injusto que ele trabalhasse tanto e não conseguisse comprar seu sonho de consumo e aqueles vagabundos, traficantes de drogas em sua maioria, conseguissem sem fazer esforço. Ele desdenhava e dizia 'eles são traficantes e nem pagaram todas as prestações, de que adianta ter um carro assim?' e nós que o ouvíamos, ríamos como se fosse uma grande bobagem, uma grande piada. Mas não era.

É incrível como aquela coisa de sorte não existe. Existe competência. E ele teve de sobra para conseguir um cliente europeu. Ninguém soube como. E como clientes europeus pagam em euro, ele conseguiu ali dinheiro suficiente para um carro novo. Nada de Lamborghini, na revenda automotiva ele comprou um conversível, com capota de lona, porque afinal de contas, ele queria que o vento balançasse seus cabelos estilo John Lennon no começo dos Beatles.

Ah, que sonho era aquele conversível. Certa noite nos reunimos para jantar. Ele foi com seu conversível e não parou de falar das vantagens. O fato de aquele carro beber gasolina mais do que o próprio C.H. bebia qualquer líquido não importava. E olha que C.H. bebia qualquer líquido que não fosse veneno. Sim, ele era maluco, não burro. Janta foi, comida aqui, risos e truco acolá e ele decidiu ir embora. Aí começou a história, longos e vários parágrafos depois.

Ele sentou, como estava frio, apertou o botão e a capota subiu. Porém, notou um pequeno buraco nela. Se chovesse, molharia dentro do carro, mesmo que alguns raros pingos. Eu voltei até a casa para pegar uma fita, para tapar o buraco provisoriamente. Enquanto isso ele achou que poderia tapar com o dedo, e o que era um buraco mínimo ficou do tamanho de um dedo. Não contente, ficou balançando seu dedo dentro do buraco, aumentando-o. E depois foram dois dedos e o mesmo procedimento. Três, quatro e cinco, até que ele começou a sua mão no buraco e começou a aumentá-lo sem qualquer motivo.

Ele ria, nós ríamos junto, perplexos com a cena. Joguei a fita e acertei no buraco. Isso prova o quão grande estava aquele buraco. E o C.H. não parava de mexer naquele buraco, agora com as duas mãos, compulsivamente. Estava estragando a capota do carro conversível mas estava rindo, levando-nos a risos incontroláveis. O Miguel batia a cabeça no poste de tanto rir. Ricardo chorava e segurava a barriga de tanta dor. Eu olhava aquilo e não conseguia acreditar, ria como nunca havia rido na vida. E ele, C.H. também ria. De felicidade. Aquilo era loucura.

Quando ele parou, após ter destroçado a capota, alargando o buraco e rasgando-a quase na sua totalidade, ele encostou as costas e disse:

- Vocês acham que eu faria isso se esse conversível fosse mesmo meu?

- Sim. - responderam todos aos risos.

Ele ficou sem jeito. Sabia que faria aquilo mesmo que fosse seu carro e que uma capota nova custasse uns cinquenta mil reais. Porém, disse:

- Tá, mas esse carro não é meu. Eu peguei ele emprestado daquele europeu para quem eu fiz o serviço. Ele não tinha dinheiro para pagar então me emprestou o carro por uma semana.

- E você não vai ter de pagar o prejuízo? - disse-lhe eu.

- Coloca na conta do Abreu! - gritou um Ricardo ainda cansado de rir.

- Aaaaaaaaaaahahahahahahahaha - voltou a rir incontrolavelmente o Miguel, seguido pelo não citado irmão de C.H. o C.J. e pelo carequinha Vanderlei.

- Capaz teu - voltou a falar o C.H. - eu não vou pagar nada porque vou dizer que foi aquele pela saco lá.

- Qual deles? - voltei a perguntar.

Todos riram. Essa amizade nossa era, e é, muito estranha. No fim, ele não pagou nada mesmo, o europeu se separou e deu o carro para a agora ex-mulher. Ela que ficou com o problema da capota rasgada à partir do dedinho do C.H. .

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O vazio de viver e só(7)


Sempre é fácil esquecer coisas boas em pró de alguma coisa. Todos acham que é fácil logo, quem seria eu para achar diferente. Lembranças, alguma coisa, outra coisa, pensamentos e quem sabe aquilo lá. E tudo deve ser esquecido porque alguém lhe diz que isso deve ser feito. Não sei mais se escolho por mim, guardando aquilo que despertou a melhor pessoa que posso ser ou escolho por alguém que não é eu, que não é mim, que não sou eu, havendo então a possibilidade improvável de... de que mesmo? Nem sei mais, nem lembro mais. Ou melhor, se lembro, condicionando é claro, não quero pensar a respeito. Porque a dúvida que fica em quem lê já é grande sem as minhas perguntas, sem algumas das minhas palavras, alguma das minhas objetividades. Que dúvidas sejam maiores ainda do nada que é toda essa coisa, toda essa existência de algo que não talvez sequer algo seja. Preciso acreditar nisso, o meu eu em parte precisa do nada para então pensar em um começo. Como dói colocar um fim sem ter saído o suficiente do começo. Tantas e tantas vezes assim, dando um passo e já fechando o livro, rasgando o que seriam as próprias páginas, fingindo que o nada é a única verdade. Mentira, eu não consigo fingir, não consigo fazer de conta que sequer no início pisei. Mais um dilema. Mais duas opções. Mais dois fracassos, dado o conhecimento próprio de que é mera ilusão acreditar que tudo volta a um normal que não existiu desde que quase me afoguei naquela coisa verde azulada, ou azul esverdeada.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Frase(s) do dia


 Suspiro de esperança escondida. 
Quase uma nova enchente de loucura. 
No fim, uma prova de insanidade.

domingo, 25 de julho de 2010

O vazio de viver e só(6)


Aqueles que pensaram haver dúvida, confusão ou divisão de alguma coisa próxima dos mesmos, erraram. Um daqueles erros ridículos, dignos de risos escancarados, cheios de deboche, ironia e do perigoso sarcasmo. Eles, burros como poucos, erraram por pensar que o passado ainda era presente em parte, que o presente jamais seria passado e que o futuro não existia naquele momento, naqueles momentos de arrogância imaginária deles, burros como somente eles são. Sem qualquer analogia com alguma das incontáveis criações de Deus ou com qualquer situação que parte de um riso, sorriso ou mesmo espirro*, escrevo por escrever, querendo mas não conseguindo rir desses bobos que seriam importantes se não pensassem o que pensam, se não duvidassem das mudanças, das inovações. Admito, eles possuem qualidades mas insistem em conservar tudo, esquecendo que a renovação, a mudança, a alteração de algo, quando espontâneo, é mais do que produtiva, é fundamental. Sem contar os outros erros, o grande fracasso digno de pena alheia, a grande dor e qualquer outra coisa imensa ou ínfima que remeta ao ponto de partida chamado tristeza. Ela, assim como eles, não me conseguem trazer nada além de bobos pensamentos, de momentos estupidamente nostálgicos, uma vez que o passado não é passado a não ser por dias e horas de muito pensar, de tanto lembrar, de jamais esquecer, tampouco atender aos pedidos de raiva, fúria, ódio e qualquer coisa que leve a um aumento ainda maior da distância, sendo isso um improvável que beira aquela coisa que quase não existe, o impossível. Terrível é guerra, logo posso usar esse termo para definir a minha conversa com aqueles eles do começo do texto. Bobagem, vocês não conseguem me atrapalhar mais do que algum dia me atrapalharam. Parem de tentar colocar dúvidas pois elas não me são mais monstros tão feios quanto reprovar na faculdade ou não poder jogar futebol, ou ainda fingir que aquela madrugada de sábado, com garoa, frio, ausência completa de sono e descanso, dentre coisas e coisas não citadas, que merece ter um fantástica como adjetivo qualitativo. Onde eu estava antes dessa frase de duas ou mais linhas? Ah sim, a guerra, os monstros da dúvida ou... alguma coisa afim. Exato, isso mesmo. Eles estão aqui, comigo. Burros, assim como eu. Nostálgicos e utópicos. Assim como eu. Felizmente nem todos os meus neurônios são assim. Embora todos os meus neurônios sejam meus, quase que exclusivamente.

*é bom acabar com rimas, 
isso aqui não é poesia de poetas tão sujos 
que merecem ser chamados de poeteiros.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O silêncio, as lágrimas.


Eu não tenho tantas palavras para escrever. Não tenho muitas palavras para te escrever. Também não quero parecer ter sido alguém que não fui para pessoas que não me conhecem e não te conheceram. Não adianta dizer-te agora que me arrependo por tempo passado e não aproveitado. Tampouco as minhas lembranças possíveis de palavras de apoio e ensino serão muitas. Sabes que é verdade. Sei que também isso não faz diferença, como nunca fez.

Não fosses tu, eu não estaria aqui. Eu não existiria. É uma maneira bem racional e um tanto quanto boba de tentar fazer o que não fiz em anos: reconhecer.

Agora que caio na realidade, perdendo o maldito senso de imortalidade que tenho pelas pessoas próximas a mim, choro por lembrar que no Natal não estarás mais conosco. Que não me receberá de braços abertos, enfim, que não escreverá mais nada no meu livro. A lembrança mais marcante que tenho de ti é só minha, já que ninguém mais sabe. Sim, as latinhas no chão e a tardia percepção da importância daquilo. Não tanto pelo fato em si, mas sim pelo entendimento, infelizmente vindo apenas anos depois. Sabes que talvez seja só um fato qualquer, uma história qualquer. É, talvez seja. Não importa.Guardo aquilo com importância, como uma lembrança própria.
 
Eu não tenho o conhecimento suficiente para dizer ao certo como eras, o que fazias, enfim, essas coisas que constam em qualquer homenagem. Poucos foram os dias em que conversamos. Menos ainda foram os momentos de conversa, já que nenhum dos dois puxava um assunto que não caísse no lugar comum. Sabes que tenho sim dificuldade para iniciar uma conversa qualquer com alguém que não vejo todo dia. Contigo era assim mesmo.

Também não vou te pedir desculpa, porque não acho que algum dia tenha feito algo muito errado para tanto. Até porque, se fiz, levei um puxão de orelha da tua filha e pedi desculpa no ato. Tampouco ajuda dizer que queria ter sido melhor contigo. Porque não acho que eu não tenha sido bom o suficiente. Eu só não o fui por muito tempo, por muitos momentos. Não vou ficar alongando palavras para mostrar um arrependimento que é só meu, mas que não é de todo verdade pois cada dia é uma história e se o futuro fosse conhecido, certamente você teria mais páginas no meu livro.

Cai por terra em dias como hoje o senso de imortalidade que acho que muitos como eu possuem. Aquele senso de que aconteça o que acontecer, vocês, senhores de idades com cabelos brancos e palavras sábias, estarão lá, sempre com um sorriso para nos receber. Cai por terra o humano, ressurge o cristão, aquele que entende que a morte é apenas a passagem para a verdadeira vida, com Jesus e todos aqueles que por aqui já passaram e que mereceram um lugar lindo para seu descanso.

Deus hoje te carrega para junto dele e esse caminho não será tão longo, eu sei. Sem pensar em como será a tua existência agora, digo que rezo por ti, agradecendo a Deus por não sido de um jeito ruim a tua partida. Eu vou sentir saudade porém conforta saber que estarás bem agora, seja como for a existência nesse lugar chamado céu, paraíso, enfim, nome semelhante.

Eu não consigo dizer mais nada, assim como não consegui te dizer muita coisa. Esse foi o meu reconhecimento da tua importância, não apenas racional como também emocional, para mim.

Eu te amo, vó Wally, Deus está contigo.

Retratos de uma sociedade patética (9)


Depois de muito tempo volto a escrever uma crítica. Hoje sobre algo que me incomoda há muito tempo mas que nas últimas semanas me atingiu de uma maneira violenta e me traz uma raiva impulsiva que há algum tempo não despertava.

Em meio a um imenso rio de fracassos contínuos, que vão seguindo seu rumo dentro da minha história sem me dar qualquer opção de mudar o curso ou ao menos reduzir o seu volume, fico parado, sentado olhando tudo a minha volta. De tantas pessoas que vejo, fazendo parte ou não das redondezas desse rio, ou mesmo da minha vida, algumas das que mais irritam possuem algo que talvez não tenha um nome certo, mas que é uma certeza dentre tantas mentiras tidas como verdade, uma desculpa para tentar justificar um erro antigo.

Você conhece sim alguém que algum dia já disse 'eu canso de tudo muito facilmente'. Cansam da escola, das roupas, do esporte praticado, dos colegas, amigos, do companheiro, das suas vidas. Reclamam quase que diariamente da rotina, da repetição, do rever, das conversas semelhantes, dos mesmo olhares e mesmas maneiras de resposta, da mesma forma de atenção designada, do mesmo coitado que traz consigo um mesmo, porém sempre sincero, sorriso no rosto.

O mundo é o culpado. As pessoas em volta são culpadas. A rotina é culpada. E tudo é desculpa para assumir a responsabilidade, a única e verdadeiramente intransferível culpa por serem a inconstância que acabam sendo. Dizem não saber valorizar, aproveitar ao todo, dando assim outra desculpa para seu fracasso. Sim, porque não venham me dizer que pessoas que cansam rapidamente de outra pessoa, seja amigo ou namorado(a), não são um fracasso. Fracasso ainda pode ser pouco. Uma pessoa que não sabe lidar com a rotina e não consegue transformar cada encontro com alguém que o considera especial em algo diferente a cada dia merece sim o rótulo de fracasso. Não para com o mundo ou mesmo para com as pessoas. É um fracasso para si.

É fácil fugir da responsabilidade própria e deixar-se levar pelo desânimo que a repetição pode trazer. Pode porque não é com todos que esse desânimo surge. Pessoas mentalmente preparadas para criar a cada dia algo novo, ver cada dia como um dia, como é de fato, diferente, tendem a não desanimar com relação a pessoas. Agora, aqueles que julgam-se cansados dos amigos, da família, enfim, das pessoas e da rotina em si, esses buscam em qualquer coisa um bode expiatório para suas lamentações, para seu fracasso, para seus erros.

Falta de valorização para com aqueles que fazem por si alguma coisa. Sim, também. Admitir isso é um grande passo rumo à mudança de atitude, de comportamento, ao crescimento. Ah é, entendo. Crescimento, mudança de atitude, de comportamento, valorização das pessoas, não desanimar com a rotina e todo o resto é bobagem, história de quem não sabe aproveitar a vida, as pessoas, o momento. Coisa de gente careta que só vive na teoria.

Prefiro ser assim do que dar a desculpa de que 'não sei valorizar as coisas pois enjôo muito fácil delas' ou 'estou cansada da rotina, do meu dia-a-dia' ou o simplista 'estou cansado de tudo'. Pelo menos eu não fico sentado esperando que alguém surja na minha vida e mude tudo nela. Na minha vida. Não espero por alguém que não vai chegar. Iludido por uma inexistente possibilidade de mudança radical em um piscar de olhos, ou em uma noite de sono. Sonhando com o também inexistente ser perfeito ou situação ideal que venha, ou venham, a encaixar-se nos tantos espaços vazios que possuo.

Espaços vazios que não são preenchidos pela teimosia em achar que nada serve, que nada presta, que ninguém é bom o suficiente, que o mundo é uma porcaria, que já passou o tempo e o momento de tudo, que nada é o bastante para me agradar, que o tempo é curto para tudo em minha vida e tantas outras desculpas infundadas para não assumir que está em si a falta do que dá sentido a tudo.

Ainda assim eu continuo sendo o idiota da história. O revoltado, o burro. O certinho que sempre se dá mal no fim da história. E o que no fim não aproveita a vida e segue tradições bestas e inúteis, o que nunca muda e sempre...

Sim, eu.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O vazio de viver e só(5)


Sendo circulado pelo vento, olhado pelas pessoas que, assim como eu, pouco importavam-se com a temperatura, parecendo apenas mais um idiota com atitude suspeita, um vagabundo sem noção que senta no banco da praça, sozinho, com fones no ouvido e um olhar impaciente para onde quer que olhe. Sendo, estando, parecendo. Nada mais do que um tom diferente do quadro pintado com as próprias mãos, aquele que alguns chamam de vida. Era como se eu quisesse chamar a atenção de alguém, como se precisasse de atenção. Mas, mesmo precisando, não tinha intenção de ser olhado, percebido por pessoas que sequer conheço. Atenção que me falta e cujo local de origem que pudesse significar-me era apenas um, aquele único que atenção alguma me daria hoje. Um arrepio que sai de lugar qualquer e atinge braços, pernas, peito e cabeça com a mesma intensidade. Intenso, como sempre, estranho, como sempre, distante, como sempre, beirando o impossível, como sempre. Céus, o que preciso fazer para conseguir mudar ao menos as duas últimas descrições? A resposta para o que é preciso talvez não exista, o que existe é a resposta para o que eu posso fazer, essa é um grande e seco nada, não para diminuir o peso que carrego, apenas por ser a verdade. Nada. Negação de vazio, de ausência. Negação, como sempre, também. E risos ecoam no vazio da mente, preenchido por tempo tão pequeno que poderia ser desconsiderado se não tivesse sido... como é mesmo... ah sim, intenso. Cansei da intensidade momentânea, cansei das negações, cansei do maldito nada. Cansei, sério, de ficar aprendendo as mesmas coisas. Digam o que quiserem dizer, não vai adiantar, meus ouvidos podem até deixar entrar essas palavras mas o vazio da mente sabe o que elas dizem e, ele também está cansado de não escolher essas palavras como verdade. Continuo no silêncio, como se estivesse, assim como no começo do texto, sentado em uma praça, cercado por jovens felizes, fumantes e/ou beberrões, jovens que me olham como se eu fosse a maior lamentação já surgida em suas visões. E, pelo menos dessa vez, não vou complementar com um "e talvez seja mesmo". Eu não preciso disso.

*há duas semanas nos rascunhos, 
eu precisava terminar e publicar, 
até porque parte disso condiz mesmo 
com a realidade duradoura que vai até... 
bom, se eu soubesse não estaria escrevendo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Aos amigos


Vivendo longe da maioria de vocês pude dimensionar melhor a importância de vocês na minha vida. Vocês, momentaneamente perto, na maior parte do tempo longe. Vocês outros, que surgiram a menos tempo mas que também são muito importantes. Do CLJ, do C.Q.T.S.'06, do São Pedro. Amigos que não fazem parte dos já citados grupos. Amigos que são minha família. A família que escolhi ter. Amigos estranhos, diferentes, todos únicos ao seu jeito. Amigos que, assim como eu, têm defeitos e erram. Amigos que tentam fazer o melhor. Amigos que mesmo sem querer ajudam, trazem sorrisos, abraços, lembranças e lápis para que eu escreva páginas e páginas da minha. Amigos que Deus me permitiu ter. Amigos que amo, respeito e em quem confio. Amigos que fazem de mim alguém muito melhor do que seria sem eles. Sem mais palavras, feliz dia do amigo a vocês, meus amigos. =D

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O vazio de viver e só(4)


Diante das páginas mais lamentadas de uma história não lamentável apesar de tantas coisas, sinto o desejo da mudança, do recomeço, aquela coisa chamada arrependimento. O "tinha de ser como foi" não ameniza o arrependimento e a vontade de reescrever aquelas páginas. Rabiscos do rascunho que se tornaram parte da história sem serem passados a limpo, sem terem uma revisão, uma certeza. Certeza inexistente e que hoje diferença não faz em lugar algum. São muitas negativas insinuadas por palavras distantes do campo de visão, tanto quanto aqueles malditos rabiscos dos quais lembro com vergonha, com desdém. Tanto pior por terem sido motivos da perda de provável única chance, como todas as únicas chances que aparecem, muitas vezes sendo desperdiçadas, no cotidiano, com a diferença de ser no meu e não no de alguém que tampouco se importa com o que é certo, o que é verdadeiro, o que precisa ser. E por importar-me tanto, hoje lamento pelos rabiscos fracassados e também pelo rascunho revisado, com frases escolhidas a dedos modestamente controlados por olhar espontâneo e claro, igualmente fracassado. Duas partes diferentes de um mesmo livro, dois fracassos diferentes de duas escolhas semelhantes. Do erro ao cuidado, do fracasso a atenção e o aprendizado, do lamento ao... lamento. Mudam-se os cuidados, a folha, o lápis, o local onde se senta, a mesa e a inspiração. Uma pena que o fim seja mais uma vez digno de folhas amassadas jogadas no lixo, sem dó nem remorso. E a lamentação pela história que não pode ser escrita acaba sendo uma verdade irreal, que provavelmente nunca será nada além de um pensamento, de uma imaginação.

domingo, 18 de julho de 2010

Além do título, do conteúdo


A cada pessoa que sentava ao seu lado, uma nova conversa, um novo tom. A única coisa igual em todas as conversas era o interesse, o desejo, a curiosidade pela outra pessoa, fosse nova ou velha. Eu não conversei com ele, mas presenciei todas as conversas do banco posterior ao dele. Ou seja, sequer vi seu rosto quando ele decidiu sair daquele ônibus naquele dia escuro, nebuloso e frio. Naquele dia de inverno, ou de filme de terror. Naquele ônibus convencional, nada melhor do que o básico, tampouco beirando o terrível. Naquela viagem longínqua, distante, necessária.

A conversa que mais me chamou a atenção foi a que ele teve com um senhor, casado, cuja esposa sentou ao meu lado. Ela não conversou comigo porém, ainda assim, compartilhou comigo risos que soltei quando relacionei a conversa daqueles senhores com histórias de vidas, de pessoas, com generalizações, com... como é mesmo o nome?... perdão, esqueci o termo em questão. Quem sabe simbologia, mas não, não era bem isso. Enfim, eles conversaram e a coisa se estendeu como se fosse isso, esquecendo o sotaque:

- Mas então somos parentes.
- Pois é, a sua tia (nome) é tia da minha esposa.
- Pois é, mundo pequeno.
- Ôoo...
- Como ela tem vivido?
- Bem, os filhos estão grandes, a mais velha não quer saber de ordenhar vacas, quer dar aulas na universidade...
- Mas bah, filhos são assim mesmo. E o mais novo?
- Ah, esse é cria da casa, não sai do rabo da saia da mãe por nada. Vai viver lá o resto da vida.
- Ele não precisa de mais nada mesmo, eles são bem-de-vida...
- Não é bem assim...
- Não é?
- Não é.
- Mas eu pensei que eram.
- Mas não são. Tanto que venderam o caminhão (nome) que tinham para comprar um trator.
- Só um trator?
- Pois é.
- Pois é, mas só com um trator não se faz nada hoje em dia...
- Pois é, precisa de implementos, colheitadeira e coisas do gênero...
- Pois é.
- Sim, porque o trabalhador só perde no país.
- E não é que é mesmo?
- O pobre ganha tudo do governo.
- Tem eleição nesse ano, será que muda?
- Pois é, não sei.
- Nem eu, mas acho difícil mudar, são os pobres que elegem os governantes.
- Pois é. Mas tá tudo perdido.
- Mas tá mesmo.
- Tá indo pra onde?
- Ah, Palmeira.
- Bah, Palmeira era uma grande cidade.
- Pois é.
- É mesmo, pena que muitos foram embora.
- Verdade. Mas cidades do interior que crescem são poucas.
- Isso é bem da verdade, não tem uma cidade nessa região que tenha crescido.
- Pois é, talvez Frederico.
- Talvez, mas o interior de lá praticamente não existe.
- Isso é certo, pode até crescer, mas é na cidade e não na colônia.
- Pois é, verdade mesmo.

Há uma descontinuidade clara no diálogo, explicada pelo nem sempre audível volume da voz dos senhores. O que não tira o encantamento que tive ao ouvir coisas banais sobre agricultura e política. Coisas de senhores que jogam dominó na praça e lêem jornal entre uma jogada e outra, comentando cada uma das notícias. Encantamento por ser algo difícil de se ver. Pessoas que não se conheciam, embora tivessem achado um parentesco provavelmente inexistente entre si. Pessoas de cidades diferentes que talvez nunca mais se encontrem, mas que divertiram-se naquela viagem tanto quanto eu ao ouvi-los.

Pode parecer a coisa mais boba do mundo, mas eu achei muito legal. Pela camaradagem, pela cumplicidade, pela curiosidade e por toda semelhança, embora muito diferentes um do outro.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pouco ou nada. Muito.


Como o fogo precisa de poucas gotas de álcool para ter sua chama aumentada, como o inteligente precisa de poucas ferramentas para criar algo, o criativo precisa de poucos detalhes para obter inspiração e o deprimido precisa de pouco para chorar. Como alguém que precisa de pouco para sorrir, sejam palavras ou algo próximo disso. Como um pássaro que precisa de poucos motivos para levantar vôo. Como Deus precisa de motivo algum para amar a todos igualmente. Sinto-me assim, precisando de quase nada para acreditar em algo que talvez venha a ser possibilidade. Assim como todo inconformado precisa de pouca coisa que vá contra sua vontade, suas ideias ou convicções. Assim como um sonhador, como eu, precisa de poucos segundos para criar uma vida, ou alterar a que já se tem, dentro de um pensamento, de uma imaginação. Redundante, dentro de um sonho.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Uma luta, um sonho(4)


Que venham as pedras sobre a minha cabeça e as críticas com provas reais de que estou, sim, errado. Não importa. Não me importo. Sei que não é errado. Sei bem porque escolho a intensidade de altos e baixos  ao invés de uma linha reta, egoísta e igual a tantas outras retas que insistem em chamar de viver, sendo então viveres insossos e, embora pareçam ter uma forma perfeita e sem sustos, não possuem o detalhe do imprevisível, do repentino, do acaso, perdendo então a intensidade Eu não posso e nem consigo não me importar, fingir racionalmente que não faz diferença, desprezando aquilo que existe sim, e que é motivo de alegria, mesmo que o meu eu não tenha muitos motivos para alegrar-se com essa existência à distância invisível de um motivo qualquer, de uma razão qualquer, de um sentimento qualquer.



*é sério, não há razão em alguém que
deveria já, há tempos, ter deixado de lado
essa loucura de espontaneidade e sinceridade.
Não há razão. Melhor que seja assim, sem razão.
Até porque nem a vida é um presente previsível,
que dirá tudo aquilo que ela traz, dia após dia.
**A trilha sonora cai como uma luva.

sábado, 10 de julho de 2010

O vazio de viver e só(3)


Não posso fugir do meu eu para conseguir entender plenamente um eu que não o meu. Não posso e, mesmo que pudesse, tenho sérias dúvidas se o faria ou não. Negação não por negar, mas por ser injusto. Injustiça tão grande seria adentrar e romper um livre-arbítrio assim como julgar razões e explicações escondidas e inatingíveis.  Com mais uma negação digo que nada pode, em contrapartida, impedir-me de esconder o riso fácil, o sonho insanamente simples e a ideia de que o céu é logo aqui em cima da minha cabeça. Continuo negando, dizendo ninguém entende o que acontece ou deixa de acontecer no eu, meu e não meu, sendo tanto quanto melhor assim por não ter vontade de compartilhar o que é, por direito, apenas meu. Meu, do meu eu e, negando novamente, de mais ninguém. Negando de uma maneira diferente, sem querer até, aceitar é questão fora de cogitação tanto quanto mera e sofrível lamentação, sendo essa digna de pessoas inundadas por aquela velha metáfora do oceano de lágrimas. Eu já enchi um poço, um oceano seria improvável sem exagero. Negação. Aqui, lá e em quase todas as frases dessas frases, que nada são, outra negação, além disso. Positivismo infeliz e inútil seria a solução mais fácil e acessível, porém a mais tola quando não há porque pensar que sim, está como deveria estar. Esqueçam palavras, mensagens, frases e qualquer coisa do tipo. Esqueçam razões ou entendimento. Não, nego mais uma vez que seja qualquer coisa se não, com ão, decepção. Ainda que considere que não exista um fim, negando uma última vez, não agora ao menos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O todo e a parte. As cores de uma, de várias lembranças.


A vontade é ir atrás, seja falando ou escrevendo, mesmo que não saísse de onde estou sentado agora. Não ficar parado, esperando o tempo passar para então, quem sabe, fazer o que pode ser feito hoje. Queria agir como agiria há alguns meses, impulsivamente, sem pensar em possíveis consequências negativas. Inconsequente nunca fui, impulsivo sim. E faz-me falta, hoje, essa falta de pensar, de refletir, de ponderar. Faz falta pois a ânsia por ouvir ou por ler está tirando qualquer réstia de concentração que poderia ter essa confusa, mas decidida e espontânea mente. Atenção, espontânea mente, duas palavras. Detalhe bobo ao qual não me apegaria se, sendo o que pudesse ser, tivesse em mente algum advérbio de intensidade motivado por um sopro de contagiante e alegre forma de vi... viver. Seja qual for a ordem das cores, o que elas pintam me faz falta. Poder olhar no fundo dessa pintura, a qual os mais exaltados poetas, e eu algum dia fui um deles, chamariam de oceano,  seria como detalhar um ponto branco em uma parede preta, sem uso da criatividade, apenas por ver, branco no preto, ou azul-esverdeado qualquer. Recomeço a frase para, quem sabe, ser entendido. Poder olhar para aquela pintura que, centímetros ao lado coexiste, seria o maior motivo de agradecimento por, no mínimo, poder abrir os olhos e ver. Os poetas nada sabem. Tampouco eu, ansioso e temerário por um não muito mais completo do que esse. Uma totalidade negativa a qual não quero chegar. Motivo maior de estar, covardemente, parado, esperando pelo contínuo e impiedoso tempo. Tempo. Tempo. Como pode tão pouco tempo ter passado, tão pouco tempo ter visto e ainda assim sentir tanta falta daquele quadro detalhadamente criado. E daquele pequeno pedaço azul-esverdeado, verde-azulado, ou qualquer outro nome que defina outra incrível criação de Deus.

terça-feira, 6 de julho de 2010

É sorrir, cantar, pular. É estar espontaneamente bem


Alegria. Estado momentâneo perigoso, sim, muito perigoso. Porque alegria é algo que pode ser tão momentâneo, tão somente momentâneo que, instantes passam e ela pode transformar-se na mais horrenda das decepções. Alegria é feita para o momento, pela empolgação, espontaneamente tirada dos mais simples e puros corações. Alegria de verdade, aquela que não cobra, que não exige, que não encontra poréns, aquela que, mesmo rápida, é lembrada por muito tempo. Alegria verdadeira que nem todos conseguem ter pelo simples fato desses muitos guardarem consigo tudo aquilo que vai contra a alegria. Mágoa, raiva, decepção, inveja, orgulho(que é o mais perigoso dos defeitos) e até o perigoso ódio, incitador de tantas e tantas formas de revide, de vingança, de morte, física ou emocional. Alegria que, quando não verdadeira, acaba fazendo uma diferença tão ínfima que não é lembrada nos dias que seguem. Alegria com muitos sorrisos, muita diversão e pouco pé no chão também não é alegria verdadeira, pode ser boa no momento mas acaba rápidamente. Voe sim quando estiver alegre, mas nunca tempo o suficiente para perder o costume de andar, de caminhar, de pisar em terra firme e, infeliz mas necessário, em buracos, pedras e espinhos. Abrace o amigo, a famíla, a Jesus, abrace a si. Faça da alegria mais um aprendizado, mais uma motivação, mais uma razão para agradecer pela vida e lutar pela justiça, pela paz, pelo amor. Seja um distribuidor de alegria, se assim você sentir-se, o mundo precisa de pessoas alegres, de pessoas verdadeiramente alegres. Alegria. Tão momentânea mas tão intensa e sincera quando bem vivida. Alegria.

*só fala alguém pra completar o together. =P

sábado, 3 de julho de 2010

O vazio de viver e só(2)


As portas não são deixadas abertas quando o dono não se encontra, ou pelo menos alguém de sua confiança. Baseado em experiências próprias, concluí algum dia que é necessário um tempo consideravelmente longo, muitos meses ou mesmo alguns anos, para que uma relação de confiança, em alguém para cuidar a casa ou mesmo ouvir uma história, e um sentimento de necessidade pudessem surgir. Necessidade de ver, de ouvir, de estar perto, de contar o que aconteceu com os ovos de ouro da galinha, por aí. É óbvio que hoje, vendo horas agindo como se fossem intermináveis, minutos que não passam e segundos tão lentos quanto um raciocínio em estado de fome, vejo que estava errado. O que algumas pessoas levaram anos, alguém levou semanas. Menos até, pois foram semanas contadas de sete em sete, resumidas e plenas apenas no meio de cada um desses sete, partindo do meio. Chega a ser preocupante tamanha ocupação territorial em tão pouco tempo. Não por não conhecer quem ganha espaço, mas por algum motivo bem terceirizado. Pensamentos que cansam assim como o tempo cansa o relógio até que esse não aguente mais e pare, exausto, sem forças para retomar sua vida cíclica, restrita e conformada. Qual rei mandava abrir sua porta sem conhecer bem quem entrava, ao menos vigiá-lo muito bem para que não ocorresse surpresa, qual rei? Ilógico por não ser eu um rei, por não vigiar bem ou mesmo conhecer quem entra, ganha a minha confiança, o meu respeito e a minha preocupação. Em pouco tempo conseguiu o que muitos em anos ao meu lado não conseguiram. Com um agravante: não havia intenção. Se fosse rei, seria um maldito e estúpido rei, entrando em um colapso nervoso por querer cada vez mais perto esta alma camponesa que, ironicamente, é cercada pela imagem de uma membra da mais importante corte, dentre todos os lugares que algum dia já tiveram um rei. Não tenho pressa em descobrir pois duvido conseguir fazê-lo em um todo tão misterioso quanto a origem e a consequência dessa pessoa que entra sem dizer oi e talvez saia sem sequer se despedir, levando consigo parte do meu tesouro, aquele que daria-lhe hoje, sem hesitar,  se me pedisse.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Histórias de uma vida não vivida(22)


*Odiava listas. Os melhores disso, os piores daquilo. Listas nostálgicas eram piores ainda. O melhor beijo, os maiores fiascos, as melhores noites de sábado. Odiava colocar em ordem qualquer coisa que fosse. Talvez porque sua mente era uma bagunça constantemente aumentada por coisas e coisas. Errado não estava, pois não perdia tempo algum no passado. Sem sonhos até que a lenda do cupido passou a ser um momento, o seu momento. Odiava listas mas não escondia que aquele era o dia mais feliz, e inesperado que já havia vivido. Um começo no fim, sem importar-se com o fim propriamente dito, se é que haveria um fim. Sem importar-se com a possibilidade de tudo não passar de um sonho de alguém que jamais havia sonhado.

Lendo um livro para um trabalho que precisava fazer, ouviu seu celular tocando. Tendo em mente que só recebia ligações quando, ou precisavam de sua ajuda ou alguma coisa ruim havia acontecido, temeu pelo pior. Não poderia parar de ler para ajudar alguém, mas dificilmente negaria se fosse o caso.

- Alô?!
- Ei, vai fazer o que hoje de noite?
- Estudar.
- Tá brincando? Hoje é sexta, dia de descansar, de ir para a festa ou ao menos ficar sem fazer nada.
- Não posso.
- Sem frescura, vem aqui em casa jantar.

Não poderia ser verdade, aquele era um de seus novos amigos da faculdade, não fazia sentido ele lhe convidar para jantar. Além disso, a sua... bom a sua companheira, para não dizer outra coisa, que não era nada além de companheira mesmo, poderia ligar para conversarem sobre os desentendimentos dos últimos dias.

- Deixa para outro dia, não posso hoje.
- Por que tá falando assim?
- Porque as pessoas só me ligam quando tem uma notícia ruim para contar ou quando precisam da minha ajuda.
- Eu não liguei por nenhum desses motivos. Liguei porque quero que você venha jantar comigo e com a minha família. Talvez a...

Aí a coisa mudou de figura. Aquele "a" indicava que ela poderia estar lá, uma vez que ele, seu colega, e ela, sua... enfim.
- Talvez?
- Sabia que isso ajudaria na tua decisão. Oito horas aqui em casa. Tão tá.

É, ele sabia mesmo que pesaria na decisão saber que a... bom, que ela estaria lá. Mesmo que fosse só uma possibilidade. Então é óbvio que, depois disso, não havia mais livro, não havia mais louça para lavar ou roupa para dobrar e guardar. Só pensava naquela janta e na possibilidade de ver a... de vê-la. Toda essa empolgação ia contra suas recaídas com pensamentos de "que bobagem, ela não estará lá".

Minutos passam, completam horas e já eram 20 passadas daquele dia. Chegou na casa do amigo e logo de cara viu que a... que... bem, que ela estava lá. Nem teve tempo de se apresentar e ela, para a surpresa de todos os presentes, pais, tios, avós, o colega e a vizinha fofoqueira, correu ao seu encontro e disse com boa entonação:
- Família, esse é o meu namorado.

Ãhn? Nem bem se conheciam, nem bem tinham passado algumas horas juntos, nem bem sabiam algo sobre o outro. E ainda por cima discutiram sem razões justificáveis nas últimas vezes em que se encontraram. Não se viam há seis dias, ela havia deixado claro que aquilo, fosse lá o que estivesse sendo, não iria longe. E agora isso, namorados? Era demais para uma só noite, para um só sujeito, para um só jantar.

Antes que pudesse falar ou balbuciar uma palavra, começou a rir. Mas ria como se fosse criança vendo uma outra criança escorregando em uma nasca de bacana, digo, em uma casca de banana. Ria incontrolavelmente como bobo, talvez porque fosse assim que sentira-se ao ouvir que, sem saber tinha agora uma namorada. Não que sua vontade fosse outra, mas poderia ter sido avisado antes.

Tentavam perguntar-lhe algumas coisas mas ele não conseguia fazer nada além de rir. Risadas que tentavam ser, em vão, engolidas, esquecidas. Ninguém entendia o porquê. Nem ele, nem seu colega, nem a sua... namorada. Bah, essa era realmente nova. Mas não, não... não o que mesmo? Ah sim, não fazia sentido. Hahaha, e ria como criança quando ganha chocolate, como adulto quando acha uma nota de dois reais no chão, como um senhor de idade quando vê seus netos sujando-se na lama.

Ria, sem compreender ao certo aquilo. Achando engraçado cada parte daquela comédia digna de Shakespeare, ou algo próximo e atualizado. A apresentação, o compromisso, o espanto seu e de todos, a ligação, o entusiasmo, o trabalho que precisava ser feito. Não sabia mais ordenar o passado e o momento presente.

E sorriu, feliz.