domingo, 18 de julho de 2010

Além do título, do conteúdo


A cada pessoa que sentava ao seu lado, uma nova conversa, um novo tom. A única coisa igual em todas as conversas era o interesse, o desejo, a curiosidade pela outra pessoa, fosse nova ou velha. Eu não conversei com ele, mas presenciei todas as conversas do banco posterior ao dele. Ou seja, sequer vi seu rosto quando ele decidiu sair daquele ônibus naquele dia escuro, nebuloso e frio. Naquele dia de inverno, ou de filme de terror. Naquele ônibus convencional, nada melhor do que o básico, tampouco beirando o terrível. Naquela viagem longínqua, distante, necessária.

A conversa que mais me chamou a atenção foi a que ele teve com um senhor, casado, cuja esposa sentou ao meu lado. Ela não conversou comigo porém, ainda assim, compartilhou comigo risos que soltei quando relacionei a conversa daqueles senhores com histórias de vidas, de pessoas, com generalizações, com... como é mesmo o nome?... perdão, esqueci o termo em questão. Quem sabe simbologia, mas não, não era bem isso. Enfim, eles conversaram e a coisa se estendeu como se fosse isso, esquecendo o sotaque:

- Mas então somos parentes.
- Pois é, a sua tia (nome) é tia da minha esposa.
- Pois é, mundo pequeno.
- Ôoo...
- Como ela tem vivido?
- Bem, os filhos estão grandes, a mais velha não quer saber de ordenhar vacas, quer dar aulas na universidade...
- Mas bah, filhos são assim mesmo. E o mais novo?
- Ah, esse é cria da casa, não sai do rabo da saia da mãe por nada. Vai viver lá o resto da vida.
- Ele não precisa de mais nada mesmo, eles são bem-de-vida...
- Não é bem assim...
- Não é?
- Não é.
- Mas eu pensei que eram.
- Mas não são. Tanto que venderam o caminhão (nome) que tinham para comprar um trator.
- Só um trator?
- Pois é.
- Pois é, mas só com um trator não se faz nada hoje em dia...
- Pois é, precisa de implementos, colheitadeira e coisas do gênero...
- Pois é.
- Sim, porque o trabalhador só perde no país.
- E não é que é mesmo?
- O pobre ganha tudo do governo.
- Tem eleição nesse ano, será que muda?
- Pois é, não sei.
- Nem eu, mas acho difícil mudar, são os pobres que elegem os governantes.
- Pois é. Mas tá tudo perdido.
- Mas tá mesmo.
- Tá indo pra onde?
- Ah, Palmeira.
- Bah, Palmeira era uma grande cidade.
- Pois é.
- É mesmo, pena que muitos foram embora.
- Verdade. Mas cidades do interior que crescem são poucas.
- Isso é bem da verdade, não tem uma cidade nessa região que tenha crescido.
- Pois é, talvez Frederico.
- Talvez, mas o interior de lá praticamente não existe.
- Isso é certo, pode até crescer, mas é na cidade e não na colônia.
- Pois é, verdade mesmo.

Há uma descontinuidade clara no diálogo, explicada pelo nem sempre audível volume da voz dos senhores. O que não tira o encantamento que tive ao ouvir coisas banais sobre agricultura e política. Coisas de senhores que jogam dominó na praça e lêem jornal entre uma jogada e outra, comentando cada uma das notícias. Encantamento por ser algo difícil de se ver. Pessoas que não se conheciam, embora tivessem achado um parentesco provavelmente inexistente entre si. Pessoas de cidades diferentes que talvez nunca mais se encontrem, mas que divertiram-se naquela viagem tanto quanto eu ao ouvi-los.

Pode parecer a coisa mais boba do mundo, mas eu achei muito legal. Pela camaradagem, pela cumplicidade, pela curiosidade e por toda semelhança, embora muito diferentes um do outro.

2 comentários:

Taw disse...

Hum... "os pobres é que elegem os governantes"

que seja assim!!! Considerando que pobres são maioria e que vivemos numa democracia[?]...

Mas pode ser que no fim desta década, ou no início da próxima, os pobres deixem de ser maioria.

xD

Flor Baez disse...

Nossa! Eu adorei esta conversa!
Gostaria de ouvir isso!
Eu que já tenho esta mania voyerista...