sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Histórias de uma vida não vivida (58)



*Se nem mesmo eu consigo conhecer tudo o que há em mim, na minha vida e nos meus pensamentos, por que alguém seria capaz? Exceto Deus, ninguém sonda a sede da minha alma, ninguém é capaz de ler meus pensamentos e imaginar o que farei. As possibilidades sempre são restritas mas, por que isso ou aquilo? Tenho medo de que algum dia inventem uma máquina que lê pensamentos. Certamente seria o fim da humanidade. Não para mim, já que há intermináveis músicas que substituem pensamentos na maior parte do tempo. Uma grande viagem. Uma grande loucura. Ninguém entende isso porque ninguém passou ou passa por isso. Talvez seja doença. Talvez seja falta do que fazer. Talvez seja a falta de uma palavra. Ou de uma parte do passado. Ou do presente. Incompreensível como tudo o que foge do alcance das mãos, dos olhos e da vontade. Improvável como tudo o que foge das possibilidades atuais, momentâneas - que são aquelas que definem o que vem ali, na frente. Inconstante como um macaco bêbado dirigindo um carro automático. Bom, essa última nem eu sei de onde ou por que saiu. Você sabe?

Ele e ela.

Incrível como eram unanimidade. Quem os conhecia sabia que eles, cedo ou tarde, ficariam juntos. Porque ele era o que faltava nela e ela era o que faltava nele. Eles eram complementares, como nenhum outro conhecido, como nenhuma outra dupla, como poucos, até mesmo no cinema, haviam sido.

Ele, cabelo preto e curto, cacheado, gostava de rock clássico – e desprezava tudo que era posterior a 1994. Acordava todas as manhãs às 6 para correr enquanto o Sol não viesse à tona com seu calor insuportável. Gostava do inverno, detestava o verão e sua opinião sobre quem preferia o contrário era apenas uma: imbecil. Porque uma pessoa em sã consciência jamais trocaria 10°C por 35°C? Ninguém!

Ela, cabelo imaginavelmente ruivo, como aquela atriz... sim, aquela lá. Gostava de rock contemporâneo, detestava música antiga por ser lenta demais. Dormia até que a própria cama a derrubasse – malditas camas que produzem sonhos onde estamos caindo (e ela sempre estava caindo de algum lugar). Odiava inverno, frio, ter que usar jaquetas, calças de pijama por baixo da calça de ir para a aula, sopas e chocolate quente. Achava que os que quem preferisse o inverno era uma pessoa tão detestável quanto Hitler, ou Adam Sandler.

E, mesmo detestando as escolhas um do outro, era incrível o jeito como se relacionavam. Brigavam aos berros, rindo debochadamente do outro, e de si mesmos, pelas escolhas, pelas reações e porque os outros estavam olhando.

Jamais ligaram para o mundo. Talvez fosse isso que os diferenciava.

Ele, mais velho, desenhava. Ela, obviamente mais nova, escrevia. Fariam parcerias e publicariam livros contando histórias de gente doida que não se cansaria de fazer bobagem e no final entendessem que a vida é feita de escolhas, de amores e, claro, de bobagens incontáveis.

Ele, o certinho. Ela, a impulsiva.

Ele ouvia, ela gritava. Ele pensava, ela agia. Ele era apenas um rapaz americano de vinte e poucos anos que sonhava viver em um mundo onde as pessoas olhassem não para as roupas e sim para os olhos das outras. Ela era apenas uma moça prendada, que queria ser entrevistada pelo Jô Soares por algum motivo que ela ainda não havia decidido qual era.

Viviam juntos. Para cima, para baixo e para os lados daquelas ruas tortas que pareciam não ter fim. Mais uma quadra, e outra. Esquerda ou direita. Andavam, juntos, contando histórias que não haviam vivido, piadas que não fariam qualquer pessoa, além deles, rir e planejando uma vida que sempre incluía o outro mas nunca definia como.

Ele era apaixonado por ela. Seus passos de pinguim, engraçados e delicados, seu sorriso espontâneo e sincero. Ela era apaixonada por ele. Sua convicção a respeito de valores e sentimentos, sua voz grossa e imponente. Ele gostava dos textos que ela escrevia, achava que seria uma escritora melhor, e muito, que a Martha Medeiros. Ela adorava os desenhos dele, achava que qualquer desenhista famoso – ela nunca soube dizer o nome de um – não servia nem para apontar o lápis que ele usava.

Viviam juntos. Quem os olhava não entendia como não estavam casados, com dois filhos, planejando a viagem do ano para Dublin, Praga ou Tóquio. Não entendiam como ele, tão convicto, não havia tomado a frente da situação e declarado-se abertamente. Talvez fosse a timidez. Não entendiam como ela, tão espontânea e de fala fácil, não havia gritado ao mundo que o amava e que queria passar o resto de seus dias com ele. Talvez houvesse algum motivo que ninguém conhecia.

Ele tocava teclado. Ela, violão. Eram músicos também. Compunham, cantavam, tocavam, gravavam e seus vídeos eram muito vistos pelos cidadão que por eles cruzavam. Ele queria ficar longe da fama, não gostava de ser reconhecido sequer pela atendente do mercado – e por isso nunca ia ao mesmo mercado duas vezes seguidas. Ela queria ser conhecida, reconhecida, admirada e que as pessoas vissem sua vida e quisessem vive-la.

Ele queria filhos, ela queria apenas alguém para dividir o negrinho de panela. Ele achava que não havia desculpa para a falta de caráter. Ela achava que de vez em quando era bom ir contra as regras. Ele achava que ela era relapsa. Ela achava que ele era intransigente. Ele não conseguia acertar o ponto da maionese. Ela não acertava o tempo de cozimento do ovo.

Juntos, perfeitos um para o outro... até a página dois. Já estamos na página dois?

Ele queria declarar-se sem que ninguém soubesse. Ela pretendia gritar para todo o mundo ouvir. Ele só queria correr de manhã cedo acompanhado, quem sabe até cantando. Ela preferia ficar até tarde vendo filmes e discutindo sobre ‘O morro dos ventos uivantes’ ou qualquer outro livro que havia lido na adolescência.

Ele. Ela.

A página dois chegou. Eles não ficaram juntos. Hoje nem conversam mais.

Ele a excluiu de uma rede social para não ver, em algum momento, a foto dela com outro. Ela parou de segui-lo em outra rede social porque as palavras dele iriam, em algum momento, ser para outra pessoa.

Ele sofreu calado. Ela chorou e gritou para todas as amigas.

Ele ainda amava ela. Ela ainda amava ele.

Mas a página dois chegou. A história acabou. O tempo passou. 

Ninguém entendeu o que aconteceu. Nenhuma pessoa que os conhecia deixou de ficar perplexa com o afastamento deles. O que havia acontecido? Ele não quis? Ela não quis? As diferenças entre eles gritaram e os ensurdeceram? Ela reclamou demais? Ele ficou calado demais? O que aconteceu? Por que?

Ele sentiu saudades. Ela sentiu saudades. Mas não conversaram mais. Cada um para o seu lado, do seu jeito.

Sem volta.

Eles não publicaram o livro escrito por ela e complementado com os desenhos dele.

Talvez porque não concordassem com o final da história.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Histórias do Billi J. - O passado que ressurge e joga tudo para o ar



"Amigo, saudações!

Escrevo-lhe agora por não ter com quem compartilhar esse sentimento. Ao menos não alguém que entenda, compreenda e não me dê qualquer conselho banal e trivial, sendo, então, apenas um monte de palavras inúteis. Estou um tanto incomodado. Mentira. Estou muito incomodado com o que aconteceu porque, até onde julgava saber, nada disso existia, ainda. Pelo menos dessa forma.

O itálico é proposital porque é uma coisa difícil de comentar, impossível de descrever e incrivelmente complexa para ser explicada. Na real, não sei o que dizer porque não consegui entender sequer uma vírgula de todos esses acontecimentos.

Para começar, é bom dizer que isso tudo é interno. Que não há nada explicitamente demonstrado e que nem mesmo o meu espanto, com a origem e o final disso foram transparecidos, para quem quer que estivesse comigo naqueles instantes ou em todos os momentos posteriores nos quais aquilo voltou à minha mente. Não sei o que fazer, amigo, acho que você pode me ajudar, como sempre fez. Ninguém mais é capaz de entender isso. Ao menos não conheço outro alguém.

Para que entenda, preciso narrar o fato, claro.

Estava sentado, em um banco da praça, olhando as pessoas que passavam pela rua e olhavam as vitrines. Verão, calor, mulheres com roupas curtas e eu ali, acompanhado por uma mulher, moça, enfim, que tem tentado insanamente aproximar-se de mim. Sério, é difícil não olhar para aquelas pernas desnudas (estou lendo muito David Coimbra, eu sei) e rijas. Eu tentei ao máximo, acho que ela, a que estava me acompanhando, não reparou. O que é bom.

E não faz qualquer diferença.

Então, em algum momento, olhei para o outro lado, digamos que para dentro da praça onde estava sentado, e ao vê-la meu coração palpitou.

Desgraçado coração.

Ela era a Renata. Vini, sério, eu não sei explicar o que aconteceu. Parecia que nunca tinha visto-a e, naquele instante, estava sendo flechado pelo cupido. Ok, péssima frase. Senti-me, de alguma forma, como na primeira vez em que a vi, há uns vinte anos atrás, quando eu tinha seis ou sete e, já lá, sabia que amava-a mesmo sem saber ao certo o que era amor. Ao menos pensava que se amor fosse aquilo que eu senti, seria muito bom.

Eu a vi andando, caminhando com fones nos ouvidos, cantarolando. Como a vi fazendo diversas outras vezes. Meu coração parecia querer sair pela boca. Ou parecia que eu havia engolido um iceberg. Ou andado a cento e noventa quilômetros por hora em um carro conversível com a boca aberta – ou algo do tipo. Eu não entendi nada. Fiquei paralisado, com medo, ansioso, receoso, não sei, não sei, não sei. Ah, não sei.

Ela, a Renata, não olhou para o lado onde eu estava, ou seja, não me viu. A pessoa que estava comigo estava falando alguma coisa sobre quantos abdominais ela fazia enquanto assistia ao House, ou algo próximo disso, e também não notou. Congelei naquele momento, por dentro e por fora. Incrível a capacidade que o ser humano tem de ser um emaranhado de claras de ovos prontas para serem batidas e transformadas em claras em neve.

Certo, acho que estou vendo muito o canal culinário. Ao menos aprendi a fazer um Francesc’are la Tottê.
Enfim.

Entendeu o que quero dizer? Se não entendeu, estou ferrado pois não saberei desenhar. Por que senti-me daquela maneira, e tenho pensado tanto nisso, que tem tudo a ver com ela, a Renata? Por que? Terminamos há quase dois anos, decidimos que seríamos amigos como havíamos sido antes de namorarmos e, claro, sabíamos que não daria certo isso. Estamos afastados há tempos embora, eventualmente, nos encontremos no supermercado – onde sempre a vejo comprando Danette de sensação, meu favorito. E isso não acontece há pelo menos cinco meses. Apesar disso, não há contato, não há profundidade no diálogo ou qualquer tipo de relação formada. Nada.

Nada, Vini, nada.

Por que então vê-la remexeu meu interior, meus sentimentos, voltou a manifestar uma ansiedade, umas sensações estranhas, uma... paixão? Não!

Não pode ser isso. Não é isso. Essa coisa não pode ser paixão pois acho que é impossível alguém apaixonar-se pela mesma pessoa duas vezes. Eu apenas a vi, não alimentamos qualquer tipo de vínculo. Não é paixão. Nego-me a pensar que possa ser um sentimento. Não, não.

Também não estou querendo negar isso por conta da presença de outra pessoa. Não. Não vai dar certo. Ela é muito diferente, gostos diferentes, atividades diferentes, cultura diferente... como a Renata era. E ainda deve ser.

Certo, não é porque ela é diferente. Talvez seja porque ela estava comigo naquele dia que não estou pensando nela... porque seria errado, injusto, uma canalhice, certo?

Não penso na Renata, Vini, como pensava antes de namorarmos, com aquele ar de impossível, aquele sonho irreal, aquele desejo intenso e sincero. Não.

Só não consigo entender como ela pode (seria pôde, mas acho que a nova ortografia retirou esse acento) ter mexido tanto com meus sentimentos e sensações se nem sequer faz parte da minha vida. Ao que parece ela, representando meu passado, veio e jogou todos os papeis da minha organizada escrivaninha mental para o ar, e não se deu ao trabalho de organizar ou, pelo menos, explicar porque o fez.

Tenho medo do que foi isso. Medo de que ainda esteja preso a ela de alguma forma. Ligado a ela de um modo único, diferente. E tenho medo de que a pessoa que estava comigo tenha, naquela tarde, pensado que a minha relativa indiferença, à partir do momento em que vi a Renata, seja diretamente para ela.

Tenho medo de que ela distancie-se de mim? Ou tenho medo de... estar apaixonado por ela e não querer que ela descubra tudo o que a Renata foi para mim e, então, retorne à retórica da primeira pergunta.

Eu não sei, Vini. Estou cansado de dizer isso mas, não sei, amigo.

Não sei de onde veio isso. Não sei o porquê disso. E tenho medo do que isso possa significar

Forte abraço.
B. Johansson"

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Nada

Há uma ansiedade que toma conta de mim. Não sei de onde veio, por que veio ou como pará-la. Tampouco sei como pode, justamente em um dos momentos mais calmos dentre todos os últimos, estar se manifestando agora, com tamanha intensidade. Chega a incomodar, inquietar tanto pelos desconhecidos que a envolvem quanto por sua existência, por si.

Saciar toda e qualquer ansiedade requer gasto, investimento e dedicação. E, claro, grandes doses de material, seja alimentício, visual ou tátil. A ansiedade faz querer a exaustão de alguma coisa, por algum motivo, sem qualquer finalidade clara e objetivo e, tampouco, sem qualquer resultado na tarefa, utopicamente imaginada, de dar um fim nessa coisa que não se sabe ao certo o que é.

Talvez esteja assim por temer o futuro, aquele que penso muitas vezes não querer. Ou, ainda nesse futuro, perceber que, faltando tão pouco, não há qualquer direcionamento que dê uma clareada nas ideias e tranquilizada nos pensamentos.

Tudo tão vago, tudo tão vazio mas, ao contrário de outras vezes, tudo tão ansioso por querer algo mais, algo além, algo que seja realmente inspirador.

Inspiração. Espontaneidade. Voltei ao blá blá blá de sempre.

Acho que comer feito porco magro e engordar como se tivesse alguma tendência genética a tal, como fruto da ansiedade, é menos duro do que querer e não conseguir, sequer, dar vazão a um mundo de ideias que insiste em sumir com ruídos silenciosos e, ainda assim, musicais.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O nada que persiste

Quem, em sã consciência e sem a banalidade técnica, conseguiria explicar a ausência de sequenciamento em todo e qualquer pensamento. Todos viram pó, mental, após surgirem porque... eis a grande interrogação. Talvez fosse capaz de escrever um livro se não houvesse esse problema. Romance, tragédia, crônica ou uma bobagem sem igual. Tanto faz. Escrever seria a vitória da persistência sobre a incapacidade, da vontade sobre a dificuldade e do sonhar sobre o desistir.

Eis uma vitória que não vem. E talvez nunca venha.

Explicações inúmeras existem e nenhuma satisfaz. Não há explicação, como mostram todas essas negações, que dê um conselho claro e efetivo para que haja um retorno a uma normalidade esquecida, perdida ou inconscientemente largada há anos. Anos e anos. Que não são décadas - embora não falte muito para isso.

Todo esse tango, em ritmo de rock, pop ou qualquer outra bobagem ouvida nas ruas da cidade, não deixa brecha para que haja um respiro mental capaz de produzir o que a vontade quer, o sonho almeja e o desejo impulsiona.

Tudo que poderia existir, ao começar, é barrado por algo semelhante a uma areia movediça, a um terreno coberto por 3 metros de neve fofa, a um... até as analogias deixam de surgir.

O que sobra é...

Caramba, até essa conclusão se perdeu.