domingo, 30 de setembro de 2012

Pedaços de um pensamento (57)

A maior parte dos pequenos erros, no fundo, nada mais são do que o disfarce de um grande defeito, problema ou pecado.

É como se o defeito, pecado ou, como dizem por aí, ponto fraco, jogasse pequenos pedaços de alguma coisa semelhante a si para disfarçar-se. Então nos preocupamos com esses pedaços - muitas vezes minúsculos - e acabamos deixando o principal, o verdadeiro motivo da tristeza, decepção, enfim, de lado. Quando nos livramos do que é pequeno, acabamos nos satisfazendo tanto - e isso, creio, seja instintivo do ser humano - que nos acomodamos, esquecendo de continuar a lutar contra aquilo que deve, de fato, ser eliminado por completo ou transformado em virtude.

A motivação inicial acaba sendo dissipada por tudo o que é detalhe a atrapalhar essa missão de ser mais do que se é, em essência. É como se você pedisse o prato principal mas não tivesse mais fome quando ele tivesse chegado por causa dos pãezinhos que o garçom serviu durante todo o tempo de espera. Uma distração que custa caro, independentemente do restaurante escolhido.

Há, além da evidente perda de tempo, algo negativo nessa questão. A mente é incitada, desde cedo, a avaliar por quantidades. Quando se é pequeno, prefere-se ter dez moedas de um centavo do que uma de um real. Esse pensamento segue durante toda a vida da maioria das pessoas que contenta-se com essa quantificação por ser muito mais fácil fazê-la do que pensar qualitativamente. As moedas, claro, são um exemplo infantil. Na idade adolescente, pensa-se que muitos amigos são melhores do que um. No começo da vida adulta, vários parceiros do sexo oposto parecem ser uma escolha melhor do que apenas um - esse exemplo, inclusive, vem de um pensamento quantitativo, aquele que diz ' isso vem da maioria das pessoas'.

Os exemplos são vários. A maioria os escolhe por haver mais número aqui do que ali. Escolher porque é melhor, e não por dar uma impressão melhor, é difícil. Exige pensamento. Exige vontade. Exige dedicação. E exige deixar de lado os números que, sim, impressionam muito mais quando no plural.

Pensar por qualidade leva a querer o prato principal. A lutar contra o ponto fraco. Não evita, de maneira alguma, a necessidade de lutar contra os disfarces - por assim dizer - que esse defeito, pecado, enfim, assumem. Pensar, raciocinar, querer qualidade exige pensar que o número de barreiras vencidas seja inútil e supérfluo se não tiver sido derrotado também o maior dos problemas.

Muitos param quando percebem que venceram várias coisas. Várias pequenas coisas. Contentam-se com pouco porque logo em seguida outras coisas pequenas virão e, enquanto elas os distraem, aquilo que é grande e, de fato, forte contra si, ganha espaço, vence, derruba, machuca... e isso sem ser notado.

São ataques invisíveis do ator principal e a culpa recai sobre os detalhes dos coadjuvantes.

Felizmente, sozinho não posso vencer. É estranho porém sinto-me bem ao pensar que sou fraco demais para vencer um problema que é "apenas meu".

Recebi o Amor. Peço a Sua coragem, sabedoria, ciência e fortaleza.

Sozinho, de verdade, não consigo. Desisti de tentar. Preciso de ajuda.

Preciso da Sua ajuda.

Estou cansado de ir contra as distrações, contra aquilo que é pequeno e, no fim, inofensivo num todo. Quero lutar, com Você, contra aquilo que realmente me faz mal. Deixei de estar só quando decidi lutar?

Não.

Só posso lutar quando decidi receber a Sua ajuda.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A espera, o tempo

O mais difícil é lembrar e pensar sem trazer para o presente.

Porque, trazendo para o presente, faz-se menção de possibilidade. E isso envolve futuro.

E o futuro... é distante.

Seja lá qual for esse futuro.

Não tenho receio de dizer que estou cansado do tempo. Da espera que traz mais ansiedade do que qualquer outra já trouxe, independentemente do que isso significa. O receio de que isso acabe, sem ao menos ter um início definitivo, aumenta - e muito - a sensação de injustiça. Deixando de lado - por causa da questão da maturidade - o que é alheio e, portanto, não interessa mais.

Eu tenho, sim, palavras guardadas. Belas e novas palavras. Simples porém sinceras palavras. Espontâneas palavras.

Só não posso usá-las.

O melhor verbo não é o poder, é o dever. A possibilidade existe sempre entretanto, não resta dúvidas, ela deve ser ignorada à medida em que não há mais escolha - se é que algum dia houve -, restando apenas uma opção.

Dentro de uma escolha anterior, claro.

Há preocupações diversas. Próximas e distantes disso. Quem sou eu para classificá-las? Apesar de serem minhas - nem todas com exclusividade - discordo quando dizem ser necessário definir prioridades.

Tudo o que importa é prioridade. E sempre será.

Porque, de não-prioridades, o mundo, a vida e, claro, o tempo, estão cheios.

E não há lista que comporte todas essas coisas que, desnecessárias, nem merecem citação.

Indiferente a elas estou.

Assim como tento ser indiferente - para não ir direto para um saco sem fundo - a essa coisa relativa ao tempo.

Essa coisa chamada... espera.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Histórias do Billi J. - O fim em palavras (IV)

- Olá, senhor Johansson, como está hoje?

- Não estou bem.

- Então acho que vamos começar a falar sobre você.

- Já era hora.

- O que aconteceu?

- Não sei.

- Então por que não está bem? O que está sentindo?

- Angústia, agonia, tristeza, alguma coisa assim.

- Me explique o que sente.

- Se soubesse explicar, saberia definir.

- O que levou a esse sentimento ou sensação?

- Se soubesse...

- Está bem. Já havia estado assim antes?

- Claro, muitas vezes.

- E em que situação você estava nessas outras vezes?

- Ãhn, longe da Renata. Com ciúmes de alguém se aproximando da Renata. Com saudades da Renata. Com raiva porque a Renata dava mais atenção a outras pessoas do que a mim. Triste porque a Renata não respondia minhas mensagens.

- Alguma vez sentiu isso por algum motivo que não tivesse relação com ela?

- Acho que sim.

- Acha que, dessa vez, tem relação com ela?

- Não sei, acho que não.

- Por que acha que não? Vocês terminaram um relacionamento há muito tempo. Tem conversado?

- Até que sim. Ela tem tido pouco tempo lá na Inglaterra.

- Ou ela diz que tem pouco tempo.

- O fuso horário não ajuda, também.

- Sente-se deixado de lado por ela?

- Não somos mais namorados, não espero que ela me trate com alguma prioridade. Somos apenas amigos.

- Melhores amigos?

- Depois de anos de namoro chegamos a uma intimidade tal que amizade, em si, é apenas a porta para um afastamento completo.

- Por que?

- Dificilmente teremos relacionamentos duradouros se estivermos, de alguma forma, unidos.

- Certo. Por que acha isso, no entanto?

- Porque completávamos um ao outro de maneira incomparável.

- E ainda assim terminaram.

- Sim.

- Não teme por esse afastamento?

- O passado jamais será apagado. O que estou sentindo não tem relação com ela.

- Você disse que achava isso.

- Por acaso desdisse-me?

- Não. Bom, quando tinha esse sentimento...

- ...sensação.

- Isso. Quando teve essa sensação, e não foi por causa dela, foi por qual motivo?

- Se soubesse, saberia o porquê de agora.

- Bem, o que tem feito, ultimamente?

- O de sempre: leitura, escrita, futebol, fotografias, vídeos, penso bastante...

- Em que?

- Na vida como um todo. Em todo o tempo presente que Deus permite-me viver.

- Acredita em Deus?

- Claro, como não acreditar se tudo o que há de belo vem dele?

- E o que há de feio?

- O homem, de alguma forma, desvirtuou ou, por algum motivo, Deus coloca à prova nossa fé.

- Por que Ele faria isso?

- Porque precisamos mostrar que somos merecedores de todo o Seu amor. É o mínimo que podemos fazer mas... é a minha vida e não a ação de Deus que está em jogo nesse momento.

- Tentou ocupar sua mente e deixar que essa sensação desapareça por conta?

- Não adianta, ela sempre volta.

- Como sabe?

- Já passei por isso, esqueceu?

- E o que acontecia quando essas sensações passavam?

- Sentia-me livre, novamente.

- Eu quis dizer... o que acontecia antes dessas sensações passarem?

- Ãhn, se soubesse não estaria tentando descobrir.

- É difícil conversar com você.

- Só porque entendo de análise comportamental tanto quanto você?

- Quem tem o diploma aqui?

- Continue.

- Acho que você deve procurar descobrir algo que gosta.

- Eu sei do que gosto de fazer, de ler, filmes, músicas, esportes. Eu sei disso, não estou com qualquer vestígio de crise existencial ou de personalidade.

- Já tentou descobrir um novo hobby?

- Leitura, escrita, fotografias, filmes e esporte. Preciso mesmo de mais um hobby?

- Coleciona algo?

- Livros, filmes, cd's, camisas de times de futebol e times de futebol de botão. Já disse que não tenho problemas com quem sou eu.

- Então me diga, quem é você?

- Uau, você tem mesmo um diploma.

- Exato.

- Sou Bilionárico Johansson, Billi J., tenho 25 anos, formado em engenharia química. Gosto de escrever, de ler crônicas, a Bíblia e livros que me ensinem algo que não sei. Detesto ficções. Gosto de filmes de comédia porque não tem nada a ver com a realidade e me distraem. Gosto de futebol e de hóquei no gelo. Até de basquete. Minha estação do ano favorita é o inverno, apesar de ter descoberto o quanto ele deixa evidente a solidão. Gosto de estar sozinho, de pensar. Tenho a simplicidade como aliada pois pequenos detalhes me alegram. Sou paciente e sei esperar pela vontade de Deus. Gosto de sorrisos, de risadas, de olhares, de abraços. Sou feliz profissionalmente e pessoalmente estou tentando encontrar o amor para toda vida. O amor me fascina. A paixão me fascina. A saudade me entristece. Ser deixado de lado me entristece. A pessoa certa não me dar atenção tira a minha paz. Mesmo quando namorava a Renata, era inseguro quando ela estava longe, embora nunca tenha demonstrado ciúmes. Minha afetividade sempre foi perturbada por traumas passados, de infância e adolescência. Não consigo manter muitas amizades porque minha personalidade quase completa impede que alguém acrescente coisas básicas como gosto por filmes de gênero A ou músicas do gênero B.

- Muito me disse sobre o que gosta mas pouco sobre quem é.

- Admiti ser inseguro, isso não é o suficiente?

- Por que acha que é inseguro?

- Porque por anos admirei a Renata sem saber que ela sentia o mesmo por mim e me arrependi por não ter dito-lhe nada antes depois que descobri que o sentimento era recíproco.

- É um bom motivo para insegurança. Algo mais?

- Talvez o fato de ter reprimido muitas coisas que gostava, para agradar meus pais e os raros amigos de infância. Para não afastarem-se de mim ou trocarem-me por outros.

- Você me disse que são poucos os amigos de infância.

- Sim, reprimi minhas vontades e meus gostos, perturbei minha afetividade e fiquei, no final, sem os amigos do mesmo jeito.

- Entende que uma coisa tem relação com outra?

- Sim, deixei de ser quem era para ser quem queriam que eu fosse.

- Inclusive seus pais?

- São exemplos para mim, jamais os culparei por algo que escolhi fazer.

- É justo, eles não percebiam que você sorria pouco quando criança.

- Como sabe?

- É a sua quarta consulta. Toda criança que é reprimida, ou reprime-se por algum motivo como você fez, não é feliz num todo.

- Minha mãe disse que gostava dos meus sorrisos quando era criança.

- À partir de que idade acha que começou a abrir mão de si pelas outras pessoas?

- Não sei, sete anos talvez.

- Lembra de algo dessa época?

- Eu não tinha video game mas dizia que tinha para não ser excluído pelos meus colegas que tinham e conversavam sobre jogos de corrida. Então eu inventava que jogava jogos de corridas muito mais avançados mas nunca os convidei para irem jogar comigo.

- Isso os afastou de você?

- Não, sempre disse que era culpa dos meus pais, que eles não queriam.

- Nunca descobriram a verdade?

- Quem se importa com uma verdade que não faz diferença para si? Só muda para mim, certo?

- Provavelmente. Ou eles estão precisando de terapia por sentirem-se inferiores desde sempre.

- Ou estão mortos.

- Não gostei da piada.

- Desculpa.

- Alguma outra lembrança?

- Odiava jogar futebol de pé descalço porém o fazia para que não pensassem que eu era um riquinho esnobe.

- E você era um?

- Capaz, mas eu tinha tênis e sabia que, se por acaso um deles estragasse, ganharia outro de uma forma ou outra.

- Sempre teve tudo o que quis?

- Não, mas tênis é necessidade. Eu só ganhava um quando não podia mais usar o outro.

- E sobre o futebol descalço?

- Doía os pés demais. Eu não conseguia jogar direito então ficava no gol, defendendo.

- E como se saía?

- Mal. Eu uso óculos desde cedo, não tinha como defender muito usando óculos. Era perigoso.

- E seus amigos não lhe chamavam de riquinho esnobe mas reclamavam porque você era um péssimo goleiro.

- É fácil dizer isso agora, né?

- Claro, gosto de casos fáceis como o seu.

- Você tem o diploma.

- Exato.

- Então me diga, por que continuo angustiado, ansioso, nervoso ou triste?

- Talvez exista alguém que libere essa insegurança dentro de você e, com medo de que não dê certo por todas as vezes em que você dedicou-se aos outros e acabou, entre aspas, perdendo-os da mesma maneira, sinta-se angustiado por não saber o que fazer, o que dizer, algo assim.

- Hum.

- Estou certa?

- Talvez, preciso pensar a respeito.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pedaços de um pensamento (56)

Eu não soube responder.

Era como se qualquer tentativa de explicação fosse tão insignificante diante da verdade, sendo essa algo muito difícil de descrever, agora. Tanto tempo esperei para escrever e muito mais tempo pensei para definir entretanto, não resta dúvida, não fracassei nessa e, salvo algumas palavras comuns, naquela.

Mesmo com poucas e simples palavras, disse mais do que nas outras poucas vezes que quis expressar alguma coisa guardada, porém impossível de ser escondida.

A sinceridade esteve ali. Falou, olhou, tentou demonstrar.

Sinceridade. Pura.

E modesta, como qualquer desejo de um sonhador que não sonha mais.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Histórias do Billi J. - O fim em palavras (III)

- Acho que hoje podemos falar da sua família.

- Nunca tive problemas em casa, não acho que falar sobre eles ajudará.

- Quem tem o diploma aqui?

- Tudo bem, pode perguntar.

- Como é composta a sua família?

- Pai e mãe, eu e um irmão mais velho.

- Seus pais moram juntos?

- Sim.

- E como é a sua relação com seu pai?

- Não tenho do que reclamar, meu pai sempre trabalhou para que eu pudesse ter tudo o que precisasse. Depois, quando meu irmão nasceu, trabalhou ainda mais... o admiro por esse amor que tem por nós.

- Acha que trabalhar para sustentar os filhos é amor?

- Ele se preocupa, sempre conversou comigo sobre a escola, sobre o que eu pensava a respeito do mundo, das outras pessoas, não tenho mesmo do que reclamar do meu pai.

- Lembra de algum momento em que ele possa ter exercido algum tipo de pressão?

- Não, ele sempre me disse que poderia conseguir o que quisesse e que, se pudesse, ajudar-me-ia o quanto fosse preciso.

- Você me disse outro dia que sempre colocou pressão sobre si para acertar, uma vez que não queria decepcioná-los, é difícil que em nenhum momento tenha sentido-se pressionado por eles.

- Meus pais nunca disseram para fazer isso ou aquilo, sempre permitiram-me escolher, apenas diziam que algumas coisas estavam fora de cogitação... por vários motivos.

- E você queria muito essas coisas?

- Talvez, mas não acho que isso seja importante porque criança sempre quer o que não pode ter.

- E você não podia ter, por que?

- Limitações financeiras, talvez. Ou porque eu era feliz sem aquilo e eles concluíram que a minha felicidade não dependia daquilo.

- E eles estavam certos?

- Sim, aprendi a gostar de coisas simples e hoje não gosto de ganhar presentes porque, de alguma forma, sinto que é um incômodo para quem os dá.

- Há algo que possa ter originado essa coisa de você não ganhar presentes?

- Não sei.

- Pense, na infância, você ganhou algum presente de que não gostava?

- Presentes em brincadeiras de amigo secreto conta?

- Claro.

- Então sim. Uma vez dei um carrinho de controle remoto, bem legal, e ganhei um par de meias.

- O...

- Espera! As meias não serviram. Nem cheguei a usá-las. Lembro que minha mãe disse que era normal darmos presentes bons e recebermos presentes ruins então acho que, à partir disso, decidi não esperar muitos presentes para não me decepcionar.

- Se eu fosse lhe dar um presente, hoje, o que você gostaria de ganhar?

- Não sei, acho que nada.

- O que você gostaria de ganhar, Billi?

- É sério, eu não sei. Como estou trabalhando, posso comprar as pequenas coisas que quero mas... não gosto muito de presentes generalistas.

- Como são presentes generalistas?

- Aqueles que você pode dar para mim ou para um mendigo ou para uma madame. Sabe, coisas que se compram em lojas e tal, que qualquer pessoa pode ter um igual.

- Você gosta de coisas personalizadas, então?

- Um cartão escrito à mão tem muito mais valor do que, sei lá, um vídeo game ou um celular, se é que você me entende.

- A sua ex-namorada dava presentes assim?

- Ela me conhecia bem. Acho que só ganhei um cartão dela porém foram muitos, muitos mesmo, os recadinhos escritos na agenda, em papeis que guardava na carteira, enfim, pequenas coisas.

- E isso lhe deixa feliz?

- Só de pensar coloco um sorriso no rosto.

- Acha que esse gosto por coisas pessoais vem só daquelas meias que não serviram?

- Quem aqui tem o diploma?

- Haha, muito bem. Mas o que você acha? Tem algum outro presente que você não gostou?

- Ãhn... eu não sei.

- Do que você gostava de brincar?

- Eu gostava de futebol de botão.

- E você ganhou dos seus pais isso?

- Não, eu comprei uma caixa com seis times, uma vez, com o dinheiro de trocos que eu ganhava por ir ao mercado para a mãe.

- Quantas vezes você se lembra de ter pedido algum presente para seus pais?

- Eu não lembro. Não sei. É difícil dizer.

- Pense ao menos quando foi a última vez que você pediu um presente para seus pais.

- Ãhn... talvez aos seis anos.

- Sério? E depois disso nunca mais pediu?

- Acho que não, eu gostava do que ganhava.

- Mesmo?

- Claro. Carrinhos em miniatura, caminhões de madeira, bolas de futebol, bonecos de luta, livros. Eu sempre gostei do que ganhava da mãe.

- Seu pai não lhe dava presentes?

- Ele pagava eles, mas a minha mãe escolhia.

- Por que?

- Porque mães fazem isso. Meu pai não tem muito jeito com as pessoas, ele é bastante reservado, assim como o meu avô.

- Você está justificando as atitudes dele.

- Tenho razão, compreendo e, insisto, isso não faz diferença. Meu pai é um exemplo para mim, sempre foi.

- Então voltemos aos presentes. Qual foi o último presente que você escolheu?

- Um posto de gasolina para brincar com carrinhos, não era como o da propaganda mas brinquei muito, mas muito mesmo, com ele.

- Não era como o da propaganda?

- É. Não esguichava água nem tinha lugar para sabão mas era bem legal fazer os carrinhos subirem e descerem por ele, estacionar.

- Já pensou que você não gosta de presentes por ter pedido um brinquedo que mostraram na televisão e ter comprado um presente semelhante, mas sem tantas... opções... ?

- Já pensou que você pode ter passado anos na faculdade estudando teorias mas a vida prática de uma família é impossível de ser transformada em regra geral?

- Hum.

- Algo mais?

- E o seu irmão?

- Revoltado com a vida.

- E o que você pensa dele?

- É meu irmão, eu tenho de amá-lo mas discordo de quase tudo o que ele faz e de quem ele escolheu ser.

- Você é favorável à liberdade?

- Nunca tentei mudá-lo, por isso minha discordância é somente opinião pessoal. Jamais tentei influenciá-lo, embora tenha tentado aconselhá-lo várias e várias vezes.

- Sente-se decepcionado por seu irmão ser quem é hoje?

- Sinto-me decepcionado com as escolhas que ele fez. Ele não é alguém, é alguma coisa porque deixou-se manipular por pessoas ruins.

- Como sabe?

- Você tem o diploma mas não conhece ele.

- Você não tem diploma e o conhece, e daí?

- Chega.

- Você ainda tem dez minutos.

- Tome um café, não quero mais falar sobre as escolhas de uma pessoa que não está aqui e que, ainda, não tem relação com os meus problemas.

- Está irritado?

- Não, só não quero falar para não desviar do foco: os meus problemas.

- Está bem.

- Da próxima vez, voltamos para a minha afetividade ou será a última vez.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Pedaços de um pensamento (55)

As coisas parecem ter piorado. Bom, é quase certo que pioraram.

A transformação de algo estranho em algo mais estranho ainda, sem contar a intensidade do que pode ser chamado de 'ansiedade' - sim, entre aspas - torna um final tranquilo e normal uma utopia sem igual. Por mais que essa alteração não piore as coisas, ela possibilita - e mais, ela potencializa exponencialmente - um final repetido.

E vocês já devem saber que a repetição de finais, na minha história, nunca deixa um sorriso no rosto. Se não nunca como um todo, ao menos na esmagadora maior parte.

Entra-se então, na questão do porquê. Bem, é difícil explicar. Novidades que não parecem novas como um todo porém, não me resta dúvida, com intensidade maior - e igualmente maior inconstância.

Querer dizer, portanto, não é uma possibilidade viável na medida em que dizer, por si só, não é uma tarefa das mais casuais. Evidentemente que isso torna aquilo - o estranho - ainda mais estranho. Porque... será que preciso mesmo justificar tudo?

Em círculos ou coisa pior. Parece algo assim ou não parece com nada. Embora haja semelhança essa é... de desnecessária conclusão.

Preocupa-me que seja sempre a mesma coisa. 

A vontade de um final - e um começo na sequência - diferente acaba sendo sempre um bom motivo para apagar o que precisa ficar para trás e, assim, conseguir escrever algo novo. A repetência em ter de fazer isso cansa e isso tira, cada vez mais, aquela vontade.

Por mais que, enfim, acho que ficou claro.

Estou cansado de histórias curtas. De histórias novas.

E de histórias velhas? As que o eram, encerraram-se há tempos, nada mais de velho sobrou.

Então, conclua alguma coisa. Ou não.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

O vazio de viver e só (31)

Torna-se fácil entender por que não consigo levar adiante nada a que me proponho. Sim, fácil porque já passei por isso antes e, com algum ar de experiência, foram várias as vezes em que passei por esse estado de existência. Por isso acaba sendo bem tranquilo lidar com isso.

Mentira.

Parece tudo novo, mesmo que grande parte dos motivos que levem a isso ou que mantenham-me assim, sejam semelhantes, mudando coisa ou outra. Conversas não são agradáveis, não ajudam e tampouco amenizam. Aquela história de que um bom desabafo - ainda mais quando faz lágrimas caírem após as palavras - ajuda e, como dizem os entusiastas, lava a alma, é uma grande mentira nesse caso.

Ninguém sabe o que é isso. Nem mesmo eu sei e, por essa razão, não sei explicar.

O que está acontecendo, e que já aconteceu de maneira semelhante, tira-me o sono, a concentração, a paciência, a vontade de contato e... bom, algo alimenta o meu orgulho. Maldito orgulho. Detestável orgulho. Princípio das minhas limitações, orgulho silencioso e temível.

Quando isso parece não ter solução, algo aparece e então, por alguns instantes, tudo desaparece. Como um olhar, um sorriso e um abraço podem modificar tanto sem ao menos saber que o fazem, levando para um lugar inacessível tudo o que parece, e de fato consegue, perturbar.

Instantes.

Depois volta, a inquietação, a ansiedade e todo o resto que diz que nada daquilo virá. Que isso, e não aquilo, é a realidade, o que tenho para todos os momentos.

Nego-me a concordar com isso porém é inevitável pensar que essa constante leva de nada seja, de fato, o tudo que tende a parecer ser.

Onde você está, Luz?

domingo, 9 de setembro de 2012

Isso tudo

Houve um tempo em que quis não ter palavra alguma para dizer, para pensar e escrever. Quis, mesmo, chegar a uma completa falta do que escrever se, em contrapartida, pudesse ter ao menos um pouco daquilo que sonhava.

Sem contar a transitoriedade temporal da básica existência - e todas as outras frases que perdem o sentido apenas por si - é conveniente e, também, fácil de avaliar que tudo que não é tudo torna-se nada por não ser nada, justamente por que do excesso vem à falta.

É um delírio, só pode ser um delírio.

Jamais pensei que pudesse ter qualquer preocupação com o que meus olhos vem somente em reflexo. Eu duvidava da possibilidade disso um dia acontecer embora, admito, tivesse medo de que, quem sabe por algum acaso do que uns chamam de destino, pudesse fazer parte de um grupo que preocupa-se com aquilo que os outros podem ver.

Os outros, em si, não fazem parte da minha preocupação e isso ameniza a minha decepção para comigo, uma vez que nada do que, veja bem, tento fazer é por causa deles. Quanto menos importar-me-ia se qualquer avaliação negativa fizessem.

Quão antigo é usar esse -me-ia. Estou velho sim entretanto, devo admitir, sentindo-me mais jovem do que em muitos dos meus dias. Contando o tudo que, nesse caso, é parcial por ser parte, e não todo.

Que diferença faz. Nada disso passa de um emaranhado de nada. Incrível como posso superar-me ao ponto de, em momento algum, conseguir transformar isso tudo em alguma coisa passiva de leitura.

Isso tudo como um todo, sem fragmentação.

Sem palavras.

No meio de um tudo, muito importante, isso tudo fez uma falta como se fosse o próprio todo.

Eu não sei, mesmo, o que dizer.

domingo, 2 de setembro de 2012

Histórias do Billi J. - O fim em palavras (II)

- Você de volta aqui, Billi, por que?

- Ah, então se lembra da minha última consulta.

- Foi há uma semana, seria estranho se esquecesse de alguém que... acha que pode ter algum problema psiquiátrico mas não sabe bem o que.

- Raiva.

- De mim?

- Não, alguém me disse, algum dia, que em algum momento não conseguirei controlar-me e acabarei... bem, machucando alguém.

- Alguém disse que você não será capaz de lidar com ira.

- Mais ou menos isso.

- Então conte por que você acha que essa pessoa pode estar certa.

- Bem, desde cedo, fui ensinado por meus pais a respeitar todas as pessoas. Ser educado, atencioso, amigo. Sempre agi dessa maneira, pacífica, gentil, agradável. As pessoas sempre diziam aos meus pais que estavam criando-me muito bem, pois eu era o que todo pai sonha para um filho. Não sei, isso, de alguma forma, sempre pressionou-me a buscar acertar sempre.

- E seus erros nunca foram bem aceitos por...

- ... mim.

- E quais podem ter sido seus erros na infância?

- Na infância... não sei, não lembro de coisas significativas.

- Tente.

- Uma vez fui chamado na diretoria por ter ido buscar um amigo que não tinha voltado à aula.

- Foi repreendido por isso? Quantos anos tinha?

- Acho que cinco. Eles me disseram que eu era novo demais para sair na rua.

- Algo mais?

- Uma vez briguei com um menino, na segunda série.

- Por que?

- Não sei. Acho que eu tinha expulsado ele em um jogo na educação física e ele quis tirar satisfação depois.

- Quantos anos você tinha?

- Sete.

- E você bateu muito nele?

- Eu apanhei feio. Fui para casa com uma camisa branca, com estampa de 'Tom e Jerry' ensopada de sangue.

- Quantos anos ele tinha?

- Não sei, uns 12.

- Os pais dele foram chamados na escola junto com os seus, suponho.

- Que eu me lembre, só meus pais foram chamados, logo eu levei uma bronca imensa por ter brigado, ainda mais com um menino mais velho.

- Por que os pais dele não foram chamados?

- Ele tinha, pelo menos, cinco anos a mais do que os outros alunos daquela turma, os pais dele não estavam nem aí para ele, coitado, não consigo imaginar onde ele esteja hoje.

- Você sente raiva quando lembra disso?

- Não.

- O que você sente?

- Fico triste por ter decepcionado meus pais.

- O que você sente com relação a essa sua briga, esquecendo seus pais.

- Ãhn... não sei, acho que nada. Eu não lembro quantos socos levei nem nada disso, só sei que voltei para casa com a camisa ensopada de sangue e o nariz inchado.

- Alguma outra lembrança?

- De brigas na escola?

- Pode ser, você que sabe.

- Tem mais uma mas... ela é meio controversa.

- Por que?

- Porque, no final das contas, eu não briguei.

- Ele fugiu?

- Eu me recusei a brigar... está bem, eu fugi, mas não foi correndo, só me recusei a brigar com ele.

- Ele era mais velho também?

- Ele morava na mesma rua que eu, considerava-o um dos meus melhores amigos.

- Por que queria brigar com ele?

- Ele queria brigar comigo.

- Por que?

- Não sei. Estávamos sempre juntos, era o último dia de aula, ele quis brigar por algum motivo e... eu não quis.

- Por que não quis?

- Porque... não sei, acho que fiquei com medo.

- De apanhar mais uma vez?

- Do que os poucos amigos que eu tinha iriam pensar se eu apanhasse de alguém que sempre ficou atrás de mim.

- Em que sentido ele ficava atrás de você?

- Minhas notas eram melhores, eu jogava futebol melhor, todas as pessoas da escola me conheciam, mesmo aquelas que já estavam séries a frente. Não sei, quando precisavam de um representante da turma, era eu... mas éramos amigos.

- Talvez ele tivesse inveja e por isso quisesse mostrar, brigando com você, que ele era melhor em alguma coisa.

- Provavelmente mas... não gosto de pensar assim.

- Por que?

- Porque não me sinto bem nessas listas, não gosto de pensar que sou melhor que alguém.

- Seus pais diziam que você não devia se achar melhor do que ninguém?

- Acho que sim, sempre me ensinaram a ser humilde e nunca passar por cima dos outros para conseguir o que eu queria.

- Então... o que sente a respeito dessa briga que você não brigou?

- É estranho, me arrependo.

- De não ter brigado?

- Isso mesmo. Eu era um pouco maior do que ele, era mais rápido, eu tinha chances de ganhar essa briga.

- Você não teve medo de apanhar, teve medo de ser novamente repreendido por professores e pelos seus pais.

- Humm...

- O que eles falaram sobre isso?

- Eles não souberam. Eu disse que ele morava perto da minha casa, nossas mães conversavam bastante, nem eu nem ele contamos porque... não aconteceu nada.

- E a amizade de vocês?

- Ficamos sem nos falar por anos e, bom, hoje nos cumprimentamos mas nada demais.

- Acha que tem alguma relação?

- Não muito. Esqueci de contar que eu me tornei o melhor amigo do melhor amigo dele.

- Mais um motivo para ele querer ser melhor em alguma coisa.

- Insisto que me sinto mal com isso, apesar de ter usado esse 'melhor' para representar o contexto.

- Há pessoas com melhores notas do que outras. Elas são melhores do que as outras por tirarem mais notas, não há demérito nisso.

- Eu sei que não porém... não gosto, só isso.

- Há outra situação, de outro tipo agora, que você lembre que originou algum tipo de repressão?

- É difícil lembrar assim, do nada.

- Há alguma outra lembrança marcante da sua infância?

- Ãhn... um dia tivemos um... jogo, na escola, de perguntas e respostas. Um representante de cada turma respondia a perguntas junto com o professor responsável pela turma.

- Você foi o representante?

- Eu não quis.

- Por que?

- É difícil dizer, os colegas votaram em mim para ir mas... eu não quis.

- Por que você não quis?

- Não sei... eu tinha uma autoestima baixa.

- Ou tinha medo de errar uma pergunta e ser motivo de chacota.

- Eu estudava mais, lia mais, tinha mais facilidade com matemática. Minhas notas eram melhores, não fazia muito sentido eles rirem de mim.

- Fazia muito sentido você temer que eles rissem de você. Você tinha muito a perder, sua reputação de, eu acho, melhor aluno da turma. Eles não teriam nada a perder.

- Eram meus amigos.

- Com quantos você fala até hoje?

- Com um.

- Eles não eram seus amigos, eram seus colegas. Acha que esse rapaz, que é seu amigo até hoje, riria de você?

- Não.

- Ele é seu amigo, então. Eles não eram. Billi, você teve medo de errar e ser alvo de brincadeiras, de ironias.

- Também estou arrependido por não ter ido.

- Isso incomoda, não é mesmo?

- Muito.

- Você não tinha uma relação muito boa com seus colegas, natural que tivesse medo que eles pensassem que você não era bom, afinal, a maioria absoluta das crianças que tiram as melhores notas da turma são crianças tímidas e sem muitos amigos. Você era tímido, não era?

- Sim.

- Como se sente, lembrando disso?

- Além do arrependimento?

- Sim, o arrependimento é o menos importante.

- Sinto-me tranquilo porque... não sei, acho que lembrar disso diminui minha sensação de fracasso.

- Bom, continuamos na próxima semana, se você quiser.

- Sim.