sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Histórias do Billi J. - O fim em palavras (III)

- Acho que hoje podemos falar da sua família.

- Nunca tive problemas em casa, não acho que falar sobre eles ajudará.

- Quem tem o diploma aqui?

- Tudo bem, pode perguntar.

- Como é composta a sua família?

- Pai e mãe, eu e um irmão mais velho.

- Seus pais moram juntos?

- Sim.

- E como é a sua relação com seu pai?

- Não tenho do que reclamar, meu pai sempre trabalhou para que eu pudesse ter tudo o que precisasse. Depois, quando meu irmão nasceu, trabalhou ainda mais... o admiro por esse amor que tem por nós.

- Acha que trabalhar para sustentar os filhos é amor?

- Ele se preocupa, sempre conversou comigo sobre a escola, sobre o que eu pensava a respeito do mundo, das outras pessoas, não tenho mesmo do que reclamar do meu pai.

- Lembra de algum momento em que ele possa ter exercido algum tipo de pressão?

- Não, ele sempre me disse que poderia conseguir o que quisesse e que, se pudesse, ajudar-me-ia o quanto fosse preciso.

- Você me disse outro dia que sempre colocou pressão sobre si para acertar, uma vez que não queria decepcioná-los, é difícil que em nenhum momento tenha sentido-se pressionado por eles.

- Meus pais nunca disseram para fazer isso ou aquilo, sempre permitiram-me escolher, apenas diziam que algumas coisas estavam fora de cogitação... por vários motivos.

- E você queria muito essas coisas?

- Talvez, mas não acho que isso seja importante porque criança sempre quer o que não pode ter.

- E você não podia ter, por que?

- Limitações financeiras, talvez. Ou porque eu era feliz sem aquilo e eles concluíram que a minha felicidade não dependia daquilo.

- E eles estavam certos?

- Sim, aprendi a gostar de coisas simples e hoje não gosto de ganhar presentes porque, de alguma forma, sinto que é um incômodo para quem os dá.

- Há algo que possa ter originado essa coisa de você não ganhar presentes?

- Não sei.

- Pense, na infância, você ganhou algum presente de que não gostava?

- Presentes em brincadeiras de amigo secreto conta?

- Claro.

- Então sim. Uma vez dei um carrinho de controle remoto, bem legal, e ganhei um par de meias.

- O...

- Espera! As meias não serviram. Nem cheguei a usá-las. Lembro que minha mãe disse que era normal darmos presentes bons e recebermos presentes ruins então acho que, à partir disso, decidi não esperar muitos presentes para não me decepcionar.

- Se eu fosse lhe dar um presente, hoje, o que você gostaria de ganhar?

- Não sei, acho que nada.

- O que você gostaria de ganhar, Billi?

- É sério, eu não sei. Como estou trabalhando, posso comprar as pequenas coisas que quero mas... não gosto muito de presentes generalistas.

- Como são presentes generalistas?

- Aqueles que você pode dar para mim ou para um mendigo ou para uma madame. Sabe, coisas que se compram em lojas e tal, que qualquer pessoa pode ter um igual.

- Você gosta de coisas personalizadas, então?

- Um cartão escrito à mão tem muito mais valor do que, sei lá, um vídeo game ou um celular, se é que você me entende.

- A sua ex-namorada dava presentes assim?

- Ela me conhecia bem. Acho que só ganhei um cartão dela porém foram muitos, muitos mesmo, os recadinhos escritos na agenda, em papeis que guardava na carteira, enfim, pequenas coisas.

- E isso lhe deixa feliz?

- Só de pensar coloco um sorriso no rosto.

- Acha que esse gosto por coisas pessoais vem só daquelas meias que não serviram?

- Quem aqui tem o diploma?

- Haha, muito bem. Mas o que você acha? Tem algum outro presente que você não gostou?

- Ãhn... eu não sei.

- Do que você gostava de brincar?

- Eu gostava de futebol de botão.

- E você ganhou dos seus pais isso?

- Não, eu comprei uma caixa com seis times, uma vez, com o dinheiro de trocos que eu ganhava por ir ao mercado para a mãe.

- Quantas vezes você se lembra de ter pedido algum presente para seus pais?

- Eu não lembro. Não sei. É difícil dizer.

- Pense ao menos quando foi a última vez que você pediu um presente para seus pais.

- Ãhn... talvez aos seis anos.

- Sério? E depois disso nunca mais pediu?

- Acho que não, eu gostava do que ganhava.

- Mesmo?

- Claro. Carrinhos em miniatura, caminhões de madeira, bolas de futebol, bonecos de luta, livros. Eu sempre gostei do que ganhava da mãe.

- Seu pai não lhe dava presentes?

- Ele pagava eles, mas a minha mãe escolhia.

- Por que?

- Porque mães fazem isso. Meu pai não tem muito jeito com as pessoas, ele é bastante reservado, assim como o meu avô.

- Você está justificando as atitudes dele.

- Tenho razão, compreendo e, insisto, isso não faz diferença. Meu pai é um exemplo para mim, sempre foi.

- Então voltemos aos presentes. Qual foi o último presente que você escolheu?

- Um posto de gasolina para brincar com carrinhos, não era como o da propaganda mas brinquei muito, mas muito mesmo, com ele.

- Não era como o da propaganda?

- É. Não esguichava água nem tinha lugar para sabão mas era bem legal fazer os carrinhos subirem e descerem por ele, estacionar.

- Já pensou que você não gosta de presentes por ter pedido um brinquedo que mostraram na televisão e ter comprado um presente semelhante, mas sem tantas... opções... ?

- Já pensou que você pode ter passado anos na faculdade estudando teorias mas a vida prática de uma família é impossível de ser transformada em regra geral?

- Hum.

- Algo mais?

- E o seu irmão?

- Revoltado com a vida.

- E o que você pensa dele?

- É meu irmão, eu tenho de amá-lo mas discordo de quase tudo o que ele faz e de quem ele escolheu ser.

- Você é favorável à liberdade?

- Nunca tentei mudá-lo, por isso minha discordância é somente opinião pessoal. Jamais tentei influenciá-lo, embora tenha tentado aconselhá-lo várias e várias vezes.

- Sente-se decepcionado por seu irmão ser quem é hoje?

- Sinto-me decepcionado com as escolhas que ele fez. Ele não é alguém, é alguma coisa porque deixou-se manipular por pessoas ruins.

- Como sabe?

- Você tem o diploma mas não conhece ele.

- Você não tem diploma e o conhece, e daí?

- Chega.

- Você ainda tem dez minutos.

- Tome um café, não quero mais falar sobre as escolhas de uma pessoa que não está aqui e que, ainda, não tem relação com os meus problemas.

- Está irritado?

- Não, só não quero falar para não desviar do foco: os meus problemas.

- Está bem.

- Da próxima vez, voltamos para a minha afetividade ou será a última vez.

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