domingo, 25 de janeiro de 2015

Pedaços de um pensamento (93) - À sinceridade o que é sincero

Há anos não havia aquela sensação de inoperância, de incapacidade e, muito menos o sentimento de estar preso à algo. Por mais que a ideia fosse agir normalmente, até porque não havia certeza sobre qualquer coisa,  não houve a possibilidade de assim proceder, uma vez que fui pego de surpresa - em partes,  já que os embrulhos no estômago haviam reaparecido após anos - por algo que estava adormecido nos últimos anos. 

Que confusão.

Foram incontáveis as vezes em que me peguei batendo os pés como forma de evitar qualquer demonstração de um deslumbramento que não tem nada de novo,  embora não se fizesse presente, como todo o resto do momento, há dias que, ontem, pareceram ter sido uma eternidade.

Incrível, ele ainda existe. E parece que é o mesmo, sem tirar nem por nada. Estranho. Difícil. A alegria que inundou o coração ao ver e ouvir, o desejo de estar mais perto, de olhar no fundo dos olhos, de abraçar, tocar, sentir e deixar o coração inundar-se daquela mesma alegria de tempos idos. 

Como eu senti falta. Como sinto saudades. Como gostaria de ter por perto, de poder... dar plenitude ao que é, e sempre foi, sincero.

Não sei qual a situação, o contexto e nada do que está se passando do outro lado.

Só sei que gostaria de estar lá. E que gostaria que estivesses aqui. 

Pedaços de um pensamento (92)


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Histórias de uma vida não vivida (64)

*Eis que o futuro já não há. Que o passado apenas cresce. Que o presente é um mar de dúvidas, um oceano de desilusões porém, ao mesmo tempo, uma lagoa minúscula de realizações. A vida, triste como é, iludiu vários. Alguns afirmam verdades sobre o nada, porém se nada há como pode haver verdade em si? Outros afirmam que tudo é nada, que a vida é um nada entretanto, pensemos melhor, nada haveria se a vida e todo o resto fossem nada. A filosofia vã, tão vã quanto essas palavras, impede-nos de chegar onde queremos, se é que sabemos onde queremos chegar ou no que queremos estar. A tristeza pelos anos passados nada impede que os anos futuros sejam repletos de alegria. A perspectiva de um futuro, ainda que improbabilíssimo e muito distante, é triste e esse é o grande problema. A simples imaginação que embora faça rir também consegue, e por último, trazer ao refletir uma imagem sombria daquilo que, espera-se interiormente, nunca seja, de fato, um presente a ser vivido cheio de tristeza por um passado mal construido. Gênio foi o mestre C.S.L. que, perguntado sobre seus ensinamentos durante uma guerra passada, respondeu que 'aquele que não conhece, e não entende, o passado está fadado ao fracasso de repeti-lo'. Onde estaremos nós quando o nosso hoje for ontem?

- Realmente me pergunto como posso ter chegado até aqui e estar da mesma forma que estava há mais de vinte anos. Talvez fazer essa pergunta em voz alta, para meus próprios ouvidos receberem e levarem a meu cérebro cansado, e o fato de fazer uma conclusão dessas, explique por qual razão ainda estou assim. Ainda sou isso. Seja lá o que isso signifique.

A fila do mercado parecia inacabável. As pessoas estavam estressadas, tensas, menos uma. Quando olhou-a não conseguiu fazer outra coisa mais.

- Linda. Que pedaço absurdamente lindo de mulher. Pedaço não, corpo inteiro. Pena que ela tem olheiras gigantes. Estou há uns dez metros dela e consigo reparar nisso. Reparei nas olheiras daquele rosto esplêndido, sou um idiota mesmo. Olheiras surgem quando se dorme mal, por genética ou alguma outra razão que desconheço. Vai ver ficou estudando.... não. Não parece ter idade de quem estuda. No máximo um doutorado... Nossa, se for isso mesmo... terei encontrado a mulher perfeita.

Silenciou.

- Sim, chato. Fora as olheiras.

Silenciou novamente.

- Sim, asno, fora as olheiras e o péssimo gosto para suco. Caju? Quem em sã consciência bebe suco de caju? Saudável? Pode até ser mas... caju? Laranja também é saudável. Laranja, limão, uva, melancia com abacate.

Parou. Olhou para o nada procurando um espelho para olhar para o próprio rosto.

- Concordo. Caju até é aceitável perto desse péssimo gosto por suco de melancia com abacate. Concordo, ninguém no mundo, além de mim, gosta disso. Está bem, ela é perfeita se estiver fazendo doutorado. Apesar das olheiras.

Olhava fixamente para a mulher. Loira...

- Loira falsa. Falsa loira. Enfim, ela não é loira de nascença. Outro defeito. Deve ser vaidosa demais para ter feito luzes, clareamento, mechas ou o que quer que seja isso. Talvez tenha usado papel crepom.

Parou procurando novamente o espelho que não existia.

- Você é velho mesmo, asno. Ninguém mais pinta o cabelo com papel crepom para representar o grupo da gincana do colégio. Colégio é nome que só velho usa também. Por isso você continua aqui na fila do mercado, sozinho. Mas se ela me olhasse ao menos...

Percebeu que a fila andara bastante. Sorte que não havia ninguém atrás. Caminhou e sorriu ao perceber que poderia continuar olhando para ela. ELA.

- Loira falsa... está bem, talvez ela só quisesse mudar o visual. Parecer mais jovem, diferente. Tentar algo novo.

Cadê o espelho?!

- Estou falando como a minha irmã. Como a amiga da minha irmã. Como alguém que vive dentro de um salão de beleza. Deve ser outro termo velho. Hoje em dia se usa algo como 'Me escove bem beauty'. Ou algo do tipo.

Olhava encantado para seu corpo até que ela virou para o outro lado.

- Pernas tortas. Droga. Sabia que não poderia ser tão perfeita. Ela tem pernas tortas e que droga que ao invés de olhar para a bunda, que parece ser espetacular, estou reparando e comentando sobre as pernas tortas que a coitada... coitada?.... tem. É que pernas tortas pode ser genético, ou ela pode nunca ter brincado na areia. Criança de apartamento! Deve ficar doente com facilidade e como eu posso ter chegado a isso? Ela tem as pernas tortas, e daí? As minhas também são mas não como dois arcos usados para atirar flechas.

Chato, muito chato.

- Se bem que pernas tortas não importam quando se vê que ela não tem um defeito nas pernas, nada de varizes, estrias ou celulite. Que pernas lisas! Ou fez tratamento, o que confirma o fato de ser fútil, ou não bebe refrigerante. O que indica que ela não é sociável. O porco falando do leitão, que desgraça. Eu sou muito sociável. Bebo refrigerante cinco vezes por semana e em nenhuma delas tenho companhia humana. Ainda bem que não cheguei ao ponto de comprar uma boneca inflável... as pernas, sim, as pernas. São perfeitas. Lisinhas. Tortas, mas perfeitas. Do seu jeito. É até meigo mas... e se ela caminhar desengonçadamente? Alô pinguim, quer falar alguma coisa sobre caminhar estranho?

Estava enfeitiçado por ela. Pelas pernas tortas lisinhas e perfeitas de uma antissocial. Até que sentiu um dedo cutucar suas costas. Virou-se com espanto, como se fosse um sonâmbulo sendo acordado durante o lanche da madrugada.

- Anda cara, temos pressa. A fila andou. Segue logo ante que eu passe na sua frente.

Andou. Quando pôde parar tentou achar a mulher, que estava em outro caixa, porém sem sucesso. A decepção bateu violentamente no seu ego. Caso fosse menos chato teria largado tudo e ido declarar seu amor, ainda inexistente, antes que outro alguém pudesse roubar seu coração da sua vida.

- Isso pareceu um pouco desesperado, não?

Concordo, mas continue.

- Ah, eu queria tanto ter uma chance de... não. Ela tem pernas tortas. É falsa loira. Tem olheiras gigantes e... o resto é resto.

Pagou com moedas de cinco e dez centavos os dezessete reais da lasanha de açaí, novidade intragável que só ele e meia dúzia de vegetarianos comiam. A diferença é que, ao contrário dos vegetarianos, ele comia a lasanha acompanhada de um carreteiro de charque. Saiu do caixa e esbarrou em alguém. Várias sacolas caíram no chão. Ajuntou-as rapidamente e entregou para... ela.

(Que clichê essa história, não?)

-Obrigado - disse ela -, muito obrigado. E desculpe por esbarrar em você.

Ele ficou imóvel.

- O senhor pode me entregar as sacolas agora?

Ele continuava imóvel. Olhou para seus olhos, lindos olhos negros. Olhou para as olheiras, que agora não pareciam tão grandes. Foi passando o olhar por todo o seu corpo - sem mais detalhes porque essa é uma história sem apelos populares, ou seja, sem pornografia direta ou indireta - e, ao passar pelas pernas tortas, percebeu que não eram tão tortas assim. E, sim, não havia celulite.

- Você está bem? - ela perguntou.

Se ela tivesse usado o termo 'senhor', ele teria batido nela com a lasanha de açaí, congelada. Ela disse você. Devia ter uns trinta e cinco anos, ou mais. Ou menos. Não sabia estimar a idade de uma mulher porque preferia ler livros sobre a história do Panamá do que ver programas de fofoca. Linda. Espetáculo...

- Amor da minha vida! - ele gritou.

Todo o mercado parou. Olharam para ele. Ela, surpresa, nada respondeu. O mundo parou por uns cinco minutos até que ouviu-se uma criança gritar aos prantos.

- Paiêeeeeeeeeeeeee, me dá o chocolate que eu to com fomeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeuáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa'.

"Malditas crianças" pensou ele.

Ela, ainda perplexa, perguntou:

- O que o senhor disse?

- Esqueci as batatas fritas.

- Por um instante pensei que...

- Pensou errado - disse ele, envergonhado e grosso feito dedo destroncado.

Ela o olhou. Foi saindo a passos curtos e demorados até que virou-se e, vendo que ele a acompanhava com os olhos, perguntou:

- Você não quer dividir uma porção de batatas fritas comigo? Eu tenho comprei um pacote. Acho que é suficiente para nós dois.

Imóvel. Parado. Tapado, digo, espantado.

- Eu...

- Não precisa agradecer, somos mais parecidos do que você imagina, docinho.

'Ah, aquelas pernas tortas sem celulite, por onde andaram enquanto eu vivia uma vida medíocre?' - pensou, não sem antes desligar a mente de tudo o mais que havia pensado.

Ah, aquelas lindas pernas.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Pedaços de um pensamento (91)

Como assim 'ainda não estou pronto para escrever'?

A vida continua sendo passageira, Santa Maria continua quente (às vezes parece que estou sendo cozinhado, ou cozido, em banho-maria), a faculdade ainda não foi deixada para trás, ainda não consigo ouvir uma música e dizer 'nossa, que troço legal', os cabelos continuam a cair, as músicas continuam a tocar aqui dentro e eu continuo a não escrever.

Todos os rascunhos, rabiscos, diálogos e ideias de textos que tenho aqui ao lado do computador, ou mesmo no OneNote me dariam a chance de escrever, ao menos, três livros. Os textos iniciados, possivelmente geniais - mesmo que para um retardado mental -, escritos e não publicados (a maioria por não ter sido finalizado) também renderiam um livro. De pelo menos oitenta páginas.

Ou, no mínimo, uma crônica melhor do que as do bagulho que é o Carpinejar.

Das 11 ou 23 coisas que me propus fazer neste final de semana está escrever. Como veem, cá estou. Realizei outras duas, três ou cinco e as outras 6 ou 20 - viva a margem de erro do Ibope - não foram realizadas sabe, apenas, Deus por qual razão ou quais as justificativas para tal procrastinação, desânimo, incompetência ou todas as anteriores.

Tudo que tenho feito visa tirar de foco o que me leva à angústia e ao medo. Tremei, terra, parece que nunca senti isso antes - mentira! - ou, pelo menos, não com tanta dúvida. Escolher entre o certo e o errado, mesmo sem saber qual é qual, é moleza. Escolher entre sim e não, idem. Agora escolha entre duas coisas infinitamente diferentes mas ao mesmo tempo muito parecidas. As decisões, não as consequências das mesmas. Escolha entre uma bergamota comum e uma pocan. Escolha entre um suco de limão comum e um de limão taiti.

Parece igual mas não é. É infinitamente diferente mas tão igual da mesma forma. Droga.

As coisas continuam as mesmas, com os mesmos gostos - e eu sem sentir gosto algum.

O remédio continua e as músicas continuam. Um deveria bloquear o outro mas o outro continua mesmo com o um. Ei, doutor, quero meu prometido silêncio!

Por fim, e não menos desimportante, é bom que existe mais uma prateleira, presa por parafusos maiores que o meu dedo mínimo. Não sei quando vou começar meu plano de comprar dez livros por semana então, em todo o caso, já estou preparado.

Obrigado por ter chegado até o fim. Mesmo que a ausência, também, continue a ditar as regras por aqui.

De ambos os lados.