segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Histórias de uma vida não vivida (69)


*Nem todo sonho expressa um desejo inconsciente ou reprimido. Seria loucura se desejássemos certas coisas que aparecem em nossos sonhos. Contudo quando um sonho dá vida, do seu jeito, a um sentimento verdadeiro e a um desejo puro do coração, não existe nada que possa superá-lo como origem de um sorriso bobo pela manhã.

Estava sentado no chão, olhando um pouco entediado para o marco da porta e pensando em como havia sido mal colocado, quando ouviu sua voz. 

- Vem para cima, senta aqui na cama. 

Era bom, pensava, estar em um lugar assim e ter a oportunidade de vê-la tão próximo. Sentia-Se um privilegiado por acreditar que ali encontrava em pedaço de céu, terreno. Na verdadé era difícil não imaginar que, se Deus permitisse, faria de tudo para alcançar o próprio Céu ao lado dela.

Esse raciocínio ocupou sua mente enquanto levantava o corpo, sentado no chão, e o colocava sobre o final da cama, ficando de frente para ela. 

- Oi! - disse ele ao vê-la, com um sorriso bobo nos lábios e as sobrancelhas erguidas,  como quem acaba de receber uma surpresa boa.

- Oi.  - respondeu ela em um tom tímido, olhando para baixo como se estivesse com vergonha de algo que fizera. 

- O que foi? - perguntou ele, tentando lembrar-se de alguma palavra dita que possa tê-la perturbado.

-Eu sei que você me pediu para não fazer mas...

Ele sentiu o coração quase parar, esfriar com a sensação de que uma hecatombe era iminente. Ainda assim tentou fingir tranquilidade, maturidade, evitando transparecer seus medos infantis. 

- ... eu li a dedicatória que você escreveu no livro que me deu de presente. 

Não conseguiu evitar o olhar irônico, daqueles que só um bom emoticon é capaz de representar. 'É sério? Só isso?' pensou enquanto tentava encontrar uma forma de conter o sorriso bobo, e aliviado, uma vez que havia concluído antes que a dedicatória era a melhor coisa que já havia escrito na vida. 

- O que foi? - agora ela parecia preocupada, ou um pouco perplexa com a reação dele. 

- Achei write fosse algo gigantesco, ou terrível, o que você havia feito. 

- Mas quantas coisas você me pediu para não fazer? 

Ficou em silêncio. Pensou. Viu-a sorrindo. Riu. 

- Você está certa. 

Ela manteve o sorriso, deixando ainda mais visível as covinhas nas bochechas. Então aproximou-se dele all arrastar o corpo pela cama, encostando o travesseiro na parede ao lado. Ele, por sua vez, parecia cada vez mais encantado com ela. 

- Não está chateado comigo? - agora seu tom era mais calmo, suave. 

- Não. Estaria se você tivesse rasgado e queimado a dedicatória. - a mudança no tom de voz dela parecia ter trazido a ele uma paz que nunca havia sentido.

- E quem disse que não fiz isso? 

Bingo.  Ela riu.  Ele sorriu, tentando manter o controle de seus impulsos e evitar perguntar o que ela havia achado da dedicatória. 

- E... - ela começou - achei incrível o que você escreveu. 

Ele não conseguiu conter o sorriso cada vez mais bobo. Ela percebeu dia alegria e continuou a falar,  aproximando-se um pouco mais, o que certamente trouxe a ele um caos interior que todos gostam de sentir. 

- Achei incrível o quite você escreveu. Mais do que isso, na verdade. Uma pena que não consiga encontrar uma palavra que represente o que quero dizer. 

Ele pensou por um momento. Olhou para ela e sentiu um imenso frio no estômago quando seus olhares se encontraram. 

- Você talvez goste de su...

Ela moveu-se par a frente, interrompendo-o, e encostou seu lábios nos dele. De olhos fechados, não viu que ele pareceu espantado, depois como se tivesse recebido uma doce surpresa para, então, também fechar os olhos. Aí pode sentir que todas as escolhas que fizera Até então haviam sido justificadas, embora nenhum deles tenha tido coragem para transformar aquele gesto singelo em um beijo.

Pareceram segundos intermináveis, ao menos para ele, até que inclinou um pouco a cabeça para trás, quando ela então trouxe de volta o corpo para junto do travesseiro encostado na parede. Ele, por sua vez, abriu os olhos e, olhando-a, apenas balbuciou, em um tom quase inaudível. 

-... blime.

Olharam-se por alguns segundos, surpresos, alegres e ao mesmo tempo preocupados. O silêncio desapareceu Quando ambos tentaram falar. 

- Eu...

Pararam. Trocaram sorrisos cada vez mais envergonhados. Ela ergueu a mão, fazendo um sinal para que ele a deixa-se falar. 

- Desculpa,  eu sei que...

- Tudo...

Ela ergueu a mão novamente. Ele parou de falar. 

- Desculpa. Eu não acho que seja bom para você...

Ele então repetiu o gesto com a mão, e falou após o silêncio dela. 

- Isso é complicado mas estou fazendo o possível para lidar bem com isso. Não vou me empolgar e achar que isso é um sim da sua parte...

Ela o interrompeu.

- Como também não foi um não. 

Perplexa, viu-o sorrir, tentando entender por que havia dito aquilo sem pensar. Baixou a cabeça, envergonhada.

- Que bom. Estou aprendendo a esperar porque sei que, se algo acontecer, terá valido cada esforço feito. 

Ela sorriu.

- Mas...

- O quê?

- Sublime

Ela sorriu. 

- Era sublime a palavra que eu estava tentando dizer. Se encaixa no que você quis descrever? 

Por um momento ela pensou em xingá-lo, achando que ele não estava tentando descrever e sim, apenas encontrar uma palavra... Não. Ele não estava rindo. Estava sorrindo. Como quem mostra algo que não quer evidenciar para não...

Então ela sorriu, percebendo que ele apenas estava procurando uma forma de dizer algo que ela tentou falar quando encostou seus lábios nos dele. 

- Sim, sublime é uma boa palavra - disse ela, sorrindo, enquanto fazia com que seus olhares se encontrassem mais uma vez.

sábado, 15 de agosto de 2015

Cartas do Billi J.

"Caro amigo Vinícius!

Há muito não escrevo-lhe pois há semelhante muito não consigo transcrever minhas notas mentais em palavras passíveis de leitura. A vida, como um todo, tem sido boa porém, é bem verdade, não há tranquilidade suficiente, sequer uma mínima intensidade para dizer que estou bem. Não estou mal, deprimido ou decepcionado, não, não é nada disto. Tampouco beiro a novidade, os sonhos e a alegria. Vivo um marasmo difícil de lidar e sei que você sabe bem do que estou falando.

É difícil, para quem não conhece a situação como um todo, entender o que se passa comigo e que, como bem sei, já se passou - será que ainda passa? - com você. As pessoas, meu amigo, não sabem mesmo o que é construir uma base, definir um caminho e beijar as portas do inferno que surge quando as metas decorrentes das escolhas não são alcançadas - quaisquer que tenham sido os motivos. Não é uma má fase, uma decepção ou uma frustração que pode ser comparada com um inferno - Deus nos livre daquela bobagem de inferno astral que nossos contemporâneos insistem em cuspir em nossos já fadados ouvidos.

Você sabe bem do que estou falando, mais uma vez. As pessoas, num todo, não entendem o que é, em si, o fundo do poço, a porta do inferno, o túnel sem luz ou o beco escuro, fétido e sem saída. As pessoas não entendem porque, para elas, qualquer situação que transcorre de forma diferente do que elas querem, ou por alguma expectativa criada, geralmente superficial, acaba sendo uma grande razão para julgarem suas vidas como alvo de conspiração cósmica - ai ai ai -, azar ou algo que provoque nelas lamentações ou decepções de qualquer espécie.

Quem almeja o raso acaba se decepcionando, e sofrendo, pelo que é raso e superficial, ainda que a dor sentida não o seja porém, é bom ressaltar, é injusto comparar a dor de quem vai muito além daquilo que é vago e passageiro com a dor daqueles que buscam a Plenitude e o Sublime. Seria injusto dizer que todos sofrem na mesma intensidade. Não é verdade. Quem recebe 100 reais e perde um sofre menos do que quem recebe mil e perde 100, mesmo que o segundo receba muito mais e, no fim, tenha muito mais. É injusto comparar as perdas neste exemplo superficial do mesmo modo que não pode ser aceitável comparar as dores de quem fica vivendo levianamente com as de quem realmente batalha por algum fruto da Verdade.

As pessoas, meu amigo, realmente não sabem como é se preparar uma vida inteira para chegar a um momento de intensa Alegria e não conseguir chegar até ele por diversos fatores. Não, não faltou luta, esforço ou sacrifício. Não falta nada disso, ainda. As quedas durante o caminho foram superadas embora nem todas possam ser relevadas como uma simples perda.

Quem se prepara para o Céu não pode ficar satisfeito por ter raspado, ainda que no passado, nas portas do Inferno. Não é fácil lidar com esta certeza, que sempre fará parte do passado (e algumas vezes insiste em tentar se fazer viva no presente, novamente), e que insiste em tirar a tranquilidade todas as vezes em que volta à mente - ainda que seja feita uma guerra para evitar que isto aconteça.

Não, Vinícius, as pessoas realmente não entendem que guerra é essa. Que vida é esta que queremos. Que sonhos insanos temos buscado. Não entendem que as nossas dores foram consequências de nossas falhas e limitações e não de um aproveitamento vago, e inútil de vida - como elas quase sempre fazem. Não são experiências dignas de felicidade ou calmaria. São destroços nossos que poderíamos ter evitado se tivéssemos conseguido ir além de nossas forças, com Alguma ajuda e uma humildade que nos faltou para reconhecer que éramos incapazes - e ainda o somos.

As pessoas não entendem que Sonhos, de verdade, exigem sacrifícios e não fazê-los comprova a falta de desejo, real e puro, por eles. Poucos conseguem entender todas as vezes senti um aperto gigante no meu coração, uma angústia absurda e uma vontade quase incontrolável de explodir para não sentir mais dor. Não conseguem entender porque não faz sentido o sofrimento por erros que para elas são rotina, aceitável e prazerosa rotina. É tudo normal, tudo cabível, tudo tranquilo para estas pessoas que não entendem que para ir além é preciso buscar um auto conhecimento próximo do total, uma humildade crua e uma sinceridade radical nos sonhos, no querer e na busca pelo que é Verdade.

Até mesmo meus anos de sofrimento pela ausência da Renata, Vini, e pelos anos de namoro com ela, volta e meia me trazem imagens de atitudes e escolhas que tenho vergonha de lembrar. Amei-a intensamente todos os dias em que estivemos juntos, todos os dias dos anos em que ela esteve na Inglaterra e durante alguns meses depois que terminamos também porém, hoje, anos depois, não posso dizer - como fazia tempos atrás - que ela é o grande amor que tive. Não construiremos uma história definitiva juntos e, então, não faz sentido continuar exaltando-a no lugar de alguém, que virá e completará o que há tempos percebo faltar.

Queria poder dizer que soube esperar até aqui. Que soube me proteger. Defender meus sonhos e os Sonhos que regem minha própria história mas falhei, meu amigo. E como falhei. Tantas e tantas vezes esqueci que momentos passam e sentimentos ficam. Minha tristeza era profunda toda vez que não conseguia evitar os erros que destruíram minhas chances de provar que o meu desejo estava muito longe daquilo que meus olhos conseguiam ver. Falhei miseravelmente todas as vezes em que decidi seguir os instintos meramente humanos.

As pessoas não entendem isso, meu amigo. Não entendem por qual motivo fiquei tão mal, e por tanto tempo, quando percebi o tamanho do mal que deixei crescer em mim. Habitar em mim. Sorrir em mim. Sorrisos estes que nunca mais quero ver.

Sei que você me entende. Que sabe do que estou falando. E que compreenderá por que é, para mim, tão difícil fazer de conta que o que passou foi pura, e simplesmente, vivência de uma vida normal. Não foi. Não é. Nunca será. Uma pena que apenas agora, depois de tanto tempo, eu consiga ter a firmeza suficiente para afirmar isso e a humildade para reconhecer que nunca conseguirei chegar, até onde os Sonhos querem me levar, sem um auxílio.

P.S. O olhar, o sorriso, o abraço e o simples fato de me fazer querer companhia para a Eternidade. Que incrível é isto mesmo que, ao menos por enquanto, seja apenas esporádico e não recíproco.

Quero, de verdade, de ter o direito de ouvir aquela voz, ser alvo daquele carinho e ter a obrigação de ser a melhor pessoa do mundo para ela.

Não sei se poderei viver isto mas... estou tentando ser o máximo possível paciente, de uma forma que nunca fui - o que, também, me levou a sempre cometer erros infantis.

Abraço, amigo.
B. Johan"

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Histórias de uma vida não vivida (68)

*Enquanto estou aqui, onde estará você? Será que já não estou esperando-a a um tempo assumidamente suficiente? Ou o sublime que você experimentará ao meu lado faz com que toda espera seja mera formalidade insignificante? Onde você está que não aqui, ao meu lado? Quando, ao sentir a delicadeza de suas suaves mãos, perco a noção da própria existência, estou beirando um surto ou apenas experimentando o próprio Paraíso? Cada detalhe parece tão único, tão espetacular e tão intenso que me perco ao descrevê-los. Sou incapaz de transformar em palavras todas as sensações, e os sentimentos que existem simultaneamente, e, sendo assim, nada posso fazer além de esperar. Onde quer que você esteja, gostaria que estivesse aqui. Por qualquer que seja o motivo que não está, estou esperando. Aliás, aprendendo a esperar. Nunca pensei que o próprio Céu pudesse ser tocado com minhas humanas, e limitadas, mãos. Nunca pensei que almejaria com tamanha vontade a própria Eternidade em meus dias de tempo limitado. Ainda estou um pouco atordoado com todo este mundo que venho descobrindo e, não tendo experiência na espera pelo Tudo, sinto um forte e insaciável medo de concluir outra página com um ponto final vazio, seco e decepcionante. Não sei o que virá. Como será. Se será. Você. Quando. Onde. Por quanto tempo. Nada sei com relação ao que foge do meu próprio ser. Tudo que sei, por fim, é que há algo incrível que só alguém como você poderia ter sido capaz de produzir em alguém tão duro, e indiferente, quanto eu. Só a pureza de um coração repleto de Amor poderia ser capaz, ainda que não intencionalmente, de trazer de volta a sincera espontaneidade típica daqueles que são tocados por respingos de Céu, por feixes, mesmo que minúsculos, de Luz. A incerteza e a insegurança, o medo e a ansiedade, e todos os seus semelhantes, não são capazes de tirar a tranquilidade que é fruto da esperança de vivência de uma intensa, e sublime, Alegria.

Quando olhei para o relógio, após incansáveis minutos, ou horas, de leitura, não pude acreditar que o dia já havia acabado e eu continuava ali, parado, com um livro na mão. Enquanto as histórias, de outras pessoas, eram imaginadas enquanto as lia, a minha própria história, escrita com rabiscos tortos e inelegíveis, permanecia parada, intacta, imóvel e, possivelmente, inútil. Aproximava-se o novo dia da primeira hora e eu, ainda pasmo, tentava imaginar o que poderia, ou mesmo deveria, estar fazendo para que a minha vida ganhasse a intensidade própria da literatura na qual havia estado preso, por olhos e mente.

A beleza das formas, a perfeição das descrições e a complexidade das relações em nada assemelhavam-se ao que conseguia visualizar na minha própria história. Como alguém que não consegue listar sequer cinco pessoas importantes para si seria capaz de viver algo semelhante, ainda que minimamente, ao que absorvia da vida de outrem? Aquilo não fazia qualquer sentido para mim. Eram tantos detalhes que, quando tentava encontrar análogos em meu dia, não conseguia sequer terminar uma frase. Os tempos em minha vida perdiam-se tanto quanto se perdem aqui, nestas farsas supostas frases.

Nada em minha vida poderia ser relacionado, e comparado, sequer à mais simples das histórias lidas. A falta de detalhes, pessoas, situações, opções e intensidade me pareciam, e ainda parecem, prova de que há uma vida inteira sendo desperdiçada. Não consigo seguir muito adiante porque tornar-me-ei repetitivo por não ter condições de contar sequer uma história engraçada. Triste. Alegre. Curiosa. Decepcionante. Enfim. Sinto como se meu tempo estivesse sendo meramente jogado fora em uma rotina decepcionante de um ser humano deprimente. As horas passam e eu continuo aqui, ali, acolá e nada, mesmo, acontece. Mesmo um náufrago, sozinho em uma minúscula ilha, é capaz de ter uma vida com mais detalhes, acontecimentos e experiências do que a minha. Parte disto é fruto da depressão. Outra parte é da incompetência em sair dos meus limites, tão medíocres, e viver.

Queria poder encontrar uma razão para sair daqui, correr, bater, quem sabe morrer. Queria ser capaz de cortar as cordas invisíveis que eu mesmo enrolei, e apertei, sobre meus braços e pernas para poder ao menos cair. Sequer decepções pontuais consigo viver. A decepção é apenas uma: a falta de vida. Sinto-me despedaçado como um quebra-cabeças que não foi retirado da caixa. Ele está separado por nunca ter sido usado e é este tipo de fragmentação que pareço ser.

Indo além, não espero que alguém venha e transforme minha vida. Tire-me da minha melancólica morte diária. Não. Já disse que minha vida, medíocre, não permite a aproximação de alguém, por mais abençoada que a pessoa seja. Continuo intacto, imóvel, imerso em vidas que não são minhas, em histórias que nunca poderei contar, em decepções e alegrias que nunca serei capaz de experimentar, lamentar, reviver e agradecer.

Continuarei aqui, por algum tempo, morrendo lentamente por não conseguir sair do lugar. Por não conseguir ir para longe sequer em pensamento. Limitações, mediocridade, misérias, defeitos e covardia. Tudo isso e mais uma grande quantidade de coisas.

Já não faz sentido continuar. O relógio não para de caminhar e, ainda assim, é mais rápido do que eu e meu vão, inútil e patético esforço para correr.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Histórias de uma vida não vivida (67)

*Quando você passou, naquela noite, meus olhos vislumbraram o céu. Não um céu azul, distante, que existe por si só e em qualquer lugar do mundo é o mesmo céu. Não. Era um céu diferente, um paraíso único, a certeza de que a perfeição existe e não é por si só, é por algum motivo. É pelo seus lindos olhos. Pelo seu sorriso único. Pelo seu rosto desenhado com tanto carinho pelo Criador. Pelo seu jeito suave de caminhar e balançar levemente seus cabelos de comprimento médio. Cada detalhe que pude pegar, na sua rápida passagem diante de mim, foi suficiente para ter a certeza de que você é exceção em um mundo repleto de coisas, e principalmente pessoas, comuns, rotineiras, normais. Você não pode ser normal. Seu rosto não é normal. Seu jeito não é normal. Se seu coração for tão belo quanto o que meus olhos enxergam em você e se a sua mente está aberta a buscar a plenitude eu, sem qualquer dúvidas, investiria todo meu tempo para conquistá-la e fazê-la parte fundamental da minha vida. Quantas vezes pensei que a beleza, superficial, era desnecessária. Você me mostrou que não. Se não for apenas beleza visível, e tiver uma série de virtudes louváveis e dignas de reconhecimento silencioso - para não incitá-la a perder a humildade que também espero que tenhas - terei a alegria de reconhecer que errei. Que sua beleza excepcional vai além do visível. Se o que há de invisível em você for tão incrível quanto pode ser - para manter a coerência com o que há de belo na sua aparência - terei de pedir uma coragem que não tenho para lutar por alguém que desejo há tanto encontrar. E que, de alguma forma, torço de verdade para que possa ser você. Eu gostaria, tanto, de poder olhar nesses seus olhos mais do que os raros segundos que tenho quando você passa, eventualmente, por mim.

Estava voltando do supermercado e, ao abrir o portão do edifício onde moro, me deparei com elas. Duas. Mulheres. Jovens. Estudantes. Que moravam junto. No mesmo edifício que eu. No mesmo bloco. Sim, minhas vizinhas. As minhas vizinhas lindas. Maravilhosas. Espetaculares. E ainda por cima simpáticas. Estavam as duas paradas. Cumprimentei-as e, ao passar por elas ouvi uma delas dizendo:

- Foi você que deixou esse convite para nós na caixa de correio?

Parei. Olhei para os lados, para frente, para trás.

- É comigo?

Não deveria ser mas como não havia mais ninguém achei que aqueles monumentos poderiam estar falando comigo, sim.

- Sim. Foi você que deixou esse convite na nossa caixa de correio?

Elas me mostraram um papel pequeno, bem recortado, que convidava para um... não sei, parecia um convite conhecido mas como estava meio escuro e sou meio...

- Alô? Você está aí?

Tinha mergulhado em pensamentos tentando ver o convite nas mãos dela e parei prestando atenção naquelas mãos de princesa.

- Ah, desculpe, estou um pouco cansado.

- Então? - disse a outra, igualmente linda, só que loira (a outra tem cabelo castanho) de olhos azuis - Foi ou não você que deixou esse convite?

- É um convite para quê? - tentei alongar a conversa para ter uma boa razão para olhar de perto para elas já que, nas poucas vezes em que elas passam por mim são rápidas, ágeis e simpáticas ao ponto de me hipnotizar com seus sorrisos que dizem tudo e exigem toda minha atenção.

- Para um grupo de...

- Ufa.

- Ufa?

Eu havia suspirado alto.

- Não era para ter sido ouvido mas, sim, ufa.

- Por que?

- Porque achei que eu poderia ter surtado durante a madrugada e sem perceber escrito um convite e deixado na caixa de correio.

- E por que você escreveria um convite e largaria na nossa caixa de correio? - perguntou a loira.

- E por que você surtaria? - perguntou a de cabelo castanho.

Eu não sabia para quem olhar. Só que aquela situação sempre pode piorar.

- Eu poderia ter criado coragem e escrito no papel um convite para ela - falei olhando para a de cabelo castanho enquanto apontava, com a cabeça, para a loira - ir no cinema comigo.

Elas fizeram menção de dizer algo entretanto continuei.

- Ou ir comer uma pizza. Ou tomar um chopp. Ou um mate no calçadão. Ou um xis gigante do...

Sem merchandising.

Elas entreolharam-se. Depois olharam para mim, percebendo minha expressão que indicava um claro 'opa, escapou'.

A de cabelo castanho então olhou para mim, para sua amiga loira linda espetacular e virou-se, não sem antes dizer:

- Preciso ir estudar.

A loira me olhava. Eu intercalava olhares longos para os seus olhos azuis e muito breves para os cabelos castanhos ondulados que balançavam delicadamente a cada paço da outra obra-prima do Criador.

- Por que você iria me convidar?

'Pergunta retórica' pensei em responder. Ou algo do tipo:

- Porque você é um espetáculo, um pedaço de perfeição que tenho o azar de não poder ver, e muito menos tocar, todos os instantes da minha vida miserável.

Provavelmente ela entenderia o porque da minha hipótese do surto e procuraria outro lugar para morar. Respondi ser simples, e breve.

- Porque acho você incrivelmente linda e porque o seu sorriso me encanta, mesmo que eu não tenha a felicidade de vê-lo todos os dias.

Meu coração palpitava violentamente. Achei que se não infartasse naquele momento nunca mais correria o risco. Parado, com uma vergonha do tamanho de Júpiter, fiquei olhando para as mãos delicadas dela enquanto percebia que o seu olhar vinha de encontro aos meus caídos olhos.

Ela, parada, sem saber o que dizer, resmungou:

- Eu só aceito com uma condição.

Caso fosse realmente sincero, e um pouco muito impulsivo diria algo como "te dou o Sol, a Lua, a Terra, busco Vênus e transformo Plutão de novo em planeta se você quiser" porém, mais uma vez, pensei que isso a espantaria.

- Qual? - perguntei, com um medo monstro da resposta.

- Que você me explique o que acontece quando surta.

Fiquei olhando para ela com um olhar cético. Ela completou:

- Vai que você surte enquanto sai comigo e... vai saber o que pode acontecer.

Até para se proteger ela era meiga. Doce. Um sorvete de chocolate misturado com ovomaltine (desculpem o merchandising, foi inevitável) e chocolate granulado. Uma simpatia sem...

- Não se preocupe, eu não vou surtar perto de você.

- Promete?

- Prometo?

- De mindinho?

sábado, 2 de maio de 2015

Histórias de uma vida não vivida (66)

"...My minds made up..."

*Se todos soubessem estaria eu, há dias, internado em uma casa de repouso psiquiátrico, ou qualquer que seja o nome atual dado para hospícios. Se soubessem do anseio pela sua descoberta, pela chance de poder olhá-la e tê-la comigo, de poder ouvi-la e falar-lhe sobre a vida que virá, de poder abraçar-lhe e dizer que tudo está bem... ah, se soubessem. Louco não sou eu, que sonho com alguém que talvez não conheça. Louco é quem pensa superficialmente, não sabe esperar e sequer sabe o que esperar. Louco é quem não sabe o que quer, o que precisa, o que planeja, é quem não tem sonhos dignos de serem sonhados e pelos quais vale à pena lutar. Confio que um dia virá e tomará o lugar que é seu, por direito a ser conquistado. Não, você ainda não merece o lugar que sei que preencherá no entanto tenho certeza de que fará por merecer. Hoje, mais uma vez, sonhei com você, com seu abraço, com a calma, a coragem e a confiança que você trará para a minha vida. Sonhei sem ver seu rosto porém senti algum conforto só por ter a certeza de que você virá. Que estará. Que ficará. Que será. Louco seria eu se não sonhasse com o dia em que você chegará e tomar para si meu pequeno tesouro: meu coração.

terça-feira, 17 de março de 2015

Pedaços de um pensamento (96)

Não estou procurando, estou esperando. É preciso dizer que, apesar disso, nada me impede de tentar conhecer, aprender, descobrir algo que possa indicar o caminho a seguir em breve. Gostaria, de verdade, de poder dizer que encontrei o que procurava e que todo o resto vem agora em consequência de escolhas corretas e sacrifícios que hoje demonstram que valeram à pena.

Não é esse o caso.

Vejo fotos e as lembranças vêm. Vejo fotos e os sonhos surgem. Vejo fotos e imagino, penso, vou longe com uma mente inquieta, um coração ansioso e um desejo sincero de começar, desde já, a escrever a maior das histórias terrestres que um ser humano pode escrever.

O que meus olhos miram não é apenas a beleza que o Criador colocou no mundo e que tenho o privilégio de ter como imagem diante de mim. Meus olhos miram longe, com um coração que anseia sinceramente ter consigo um outro, que com igual sinceridade busque o mesmo caminho, da mesma forma, pelo mesmo motivo mas, evidentemente, do seu jeito - que a mente espera que seja único, especial.

Não paro e penso à partir de imagens que remetem a vidas que não quero ter. Mais do que o rosto, muito mais do que o sorriso, infinitamente mais do que o corpo, quero um coração, uma mente e uma alma, não para chamar de meus mas para ter ao meu lado, para ajudar e ser ajudado em crescimento, experiência, busca pela Alegria, pelo Amor, pela Verdade e pelo sublime em cada uma delas.

As indefinições do presente me fizeram querer deixar para depois da minha formatura a possibilidade real de iniciar, enfim, aquilo que desejo - insisto, de coração - há tanto tempo. Também pesa contra o presente a busca por controlar a ansiedade e o término recente de uma relação com uma pessoa incrível e, de alguma forma, perfeita - mas não para mim.

Só o amor não basta. Só a paixão não serve. Só o prazer não satisfaz. O corpo é um detalhe importante entretanto não deixa de ser apenas um detalhe. Não quero alguém que seja igual, quero alguém que deseje a Verdade, o Amor, a Alegria e a plenitude da mesma forma que eu. Que esteja disposta a fazer sacrifícios, quaisquer, para conseguir chegar a um nível de onde não se pode mais voltar, de onde não se pode mais regredir.

É preciso coragem para aceitar-me. Minhas limitações, defeitos, pecados, peculiaridades e excentricidades. É preciso coragem para aceitar os sacrifícios que desejo que ela, seja quem for, possa ter de fazer, juntamente comigo. É difícil, mas não impossível.

Porque eu prometo: valerá à pena.

Não quero o passageiro. Não busco o momentâneo. Desprezo o superficial.

Quero o Eterno. A plenitude. O sublime. Uma companheira para a vida, que queira oferecer-me o que ofereço em troca. Um relacionamento mútuo, um amor de verdade, sincero, não utópico ou fantasioso.

Verdade. Para o resto da vida.

sábado, 14 de março de 2015

Nada

Muito pior do que não estar bem é estar perdido.

Talvez essa fosse a conclusão se estivesse falando sobre nada com ninguém. Ou, em outra possibilidade remotíssima, se fosse um escritor de coluna, como qualquer asno hoje em dia consegue ser.

Frases soltas escreverei, sem muita preocupação com o que virá pela frente aqui porque estou perdido. Sim, a frase inicial é para mim. De mim. Por mim.

Ao contrário das minhas muitas reflexões, várias delas fracassadas, a de hoje é rápida, despretensiosa e, até certo ponto, inocente.

Quero de volta algo que não sei o que era mas que, isso sei, se perdeu. E fez com que me perdesse também.

Não estou procurando respostas. Não estou em busca de uma mudança revolucionária. Tampouco coloco algum por quê vadio no início das frases como se tentasse encontrar uma sensata explicação. Não. Nada disso quero hoje. Agora. Por enquanto.

Estou perdido, só quero reencontrar o lugar tranquilo onde habitava minha mente até alguns dias atrás.

Não é só ansiedade, não é só angústia, não é só o isso que escrevi no texto abaixo. Tampouco é carência ou depressão. Não. Nada. Disso. Nada. Disso. Repito. Nada. Disso.

É crime querer que determinadas situações se resolvam rapidamente? Não. É crime querer entender alguém para conseguir se aproximar? Não. É um erro estar fazendo o que não sei fazer para tentar fugir da inércia deprimente que me cerca? Não.

Palavras. Vazias. Palavras. Inúteis. Palavras. Palavras. Palavras.

E isso continua aqui.

sexta-feira, 13 de março de 2015

O vazio de viver e só (57)



Algum dia sairá, tenho certeza. Isso, seja o que for, algum dia sairá. Seja por não haver mais espaço para onde expandir sua existência inconstante, ocasional e incompreensível ou seja por não conseguir mais sustento para suas voltas, esteja ele nas recaídas no mal ou na própria lei da ondulação.

Já tentei entender, abafar, desconstruir, amenizar e tudo o que mais possa ter vindo à mente para que isso, seja o que for, não se faça mais presente um momento duradouro sequer. Momento duradouro que pode ser, com probabilidade considerável, fruto de uma omissão com os momentos iniciais do mesmo, instantâneos e até imperceptíveis.

Não sei quando foi a primeira vez que isso fez-se em mim. Não sei quando havia sido a última. Não há memória clara para isso e, se houvesse, acredito que seria mais fácil de explicar possíveis razões porém o problema do entendimento continuaria o mesmo.

Difícil dizer por onde começar a explicar porque é possível, e muito, que não haja explicação sensata. Pegue um pouco de angústia - quantos textos já escrevi dizendo estar angustiado? -, misture com alguma parcela de atordoamento pelo condicional - quantas vezes já demonstrei imensa raiva, ou sentimento semelhante, pelos efeitos do condicional em meu dia? - e acrescente ansiedade abondamment.

Acho que, mesmo misturando isso em doses cavalares e irresponsáveis, não é possível chegar a compreender meu estado. A menos que você esteja sentindo o mesmo e, portanto, saiba exatamente do que estou falando.

O nome disso é incerto. As causas idem. Ainda assim consigo misturar algumas palavras na tentativa falha - com sobras - de definir o que há anos fracasso apenas em explicar, que dirá definir. Que dirá qualquer coisa. Fracasso no mesmo lugar e, então, é hora de parar de tentar explicar ou resolver. Apenas sentir, aguentar, suportar e tentar não cair em uma, ao menos momentânea, insanidade. Passa, isso passa. Um dia entenderei de onde e por quê vinha. 

Um dia.

Por fim, eu queria um oi pela manhã e um abraço antes de dormir. Talvez a falta disso seja a explicação - ou parte dela.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Histórias de uma vida não vivida (65)

*Estava andando sozinho quando encontrei alguém que poderia me acompanhar. Parado ali, ao seu lado, comecei a conversar mas, por algum motivo, o que era para ser uma conversa virou um interrogatório. As poucas coisas sobre mim que consegui falar, sem que ela fizesse alguma pergunta - tentando manter algo parecido, ao menos, com uma conversa - não recebiam seguimento, expressões ou comentários. Nada. Enquanto eu falava ela ouvia, parecia desinteressada. Enquanto perguntava, e ouvia respostas secas e curtas, ela insistia em olhar para os lados como se não quisesse estar ali. Ela estava ali quando cheguei então deveria ter alguma razão para tal. Não havia. Ela apenas estava ali, em um trecho do caminho em que eu jamais imaginei encontrar alguém. Ela era linda, como todas as solitárias que cruzaram meu caminho até hoje - na verdade foi apenas ela mas cem por cento de um é, ainda assim, a totalidade - porém não parecia estar feliz por estar ali. Não pedi que Alguém colocasse-a no meu caminho. Estava sozinho e assim poderia continuar. Estava caminhando sozinho, em silêncio, e poderia fazê-lo pelo resto da vida, embora não quisesse que assim fosse. Não havia desânimo na solidão mas a conversa, que virou interrogatório, deixou-me desanimado em algum momento. Não pela falta de interesse, pela indiferença ou pelo desdém e sim porque, e somente porque, ela estava ali, cruzando (ou melhor, parada no) meu caminho e isso não significava nada pois ela não queria ali estar. Senti uma pequena decepção, breve entretanto intensa, e entendi que era melhor seguir em frente, sozinho, em silêncio, como estava antes de encontrá-la. Ela ficou ali e duvido que, ao ver-me partir, sentiu algo. Talvez sequer tenha olhado para mim enquanto dela ganhava distância. Eu quis conhecer, quis deixar a solidão mas ela não. Talvez não estivesse só porém, se estava no meu caminho, o mais provável é que estivesse ali o tempo todo, desde o início dos tempos, esperando enfim que eu cruzasse por ali e a levasse para algum lugar. Qualquer lugar. No meu caminho. Qual seria a história dela, você me pergunta e respondo que não sei. De forma alguma e não há como saber. Ela nada quis falar. Quanto a mim, segui meu tortuoso e silencioso caminho, solitário como sempre estive. O entusiasmo que gerou decepção em algum momento desapareceu. Ainda penso nela, se está parada, ainda, naquele lugar. Se estava esperando alguém que não eu. Se ainda consegue lembrar que algum dia por seus olhos cruzei. Porém, é necessário dizer, já não significa nada. Andando ou parada ela perdeu a chance de seguir comigo, de escrever comigo uma história. Ou preferiu escolher a estagnação, se é que ainda está lá. Para onde quer que tenha ido, adeus, lembrança, não a quero mais comigo. Embora, sinceramente, gostaria de saber que está bem.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Pedaços de um pensamento (95)

"Há dez anos eu planejava conquistar o mundo,
Dez anos se passaram e eu não conquistei
Eu só não imaginava ser alguém sem ninguém
E tão sozinho
Tão só, tão só..."

Em um piscar de olhos parte lamentável do meu passado pareceu ter o esclarecimento que há anos vinha tentando encontrar, em todos os lugares do passado, nas lembranças, nas palavras, nos sentimentos e sensações. Nada disso levou-me a uma resposta clara, objetiva, que me trouxesse a tranquilidade para voltar a caminhar, ver e sorrir.

Gostaria muito de ter visto isso, de ter dado essa piscada de olhos, com uma inspiração única, anos antes, muitos anos antes, para poder ter sido capaz de começar a escrever novas páginas, novas histórias, sem receio, medo, falsas ilusões ou omissões que me custaram um tempo que teria sido excepcional se não o tivesse desperdiçado com sofrimentos e apegos desnecessários.

Eu tentei, tantas e tantas vezes, com uma inocência digna de pena, tentar reescrever as minhas histórias, alterando falas, gestos, escolhas. Tentei transformar o passado em um novo presente e - aplaudam, com vigor, minha estupidez - fracassei. Evidentemente fracassei. Tentando mudar o que já havia sido, refazer o que não poderia, nunca, ser refeito, consertar as peças quebradas em migalhas, perdi tempo que poderia ter sido usado para que eu, então, estivesse hoje em um patamar ainda mais elevado - em todos os âmbitos da minha vida - sem contar na não opção por atitudes infantis e vergonhosas.

Tentei reescrever o passado quando deveria ter escrito um novo presente, preparando um futuro diferente. Errei em cima de erros dos quais não quis sair. Persisti no erro como um cachorro insiste em tentar morder o próprio rabo - ao menos nos desenhos animados. Quis continuar a moldar a argila que havia secado e, lógico, a quebrei em pedaços e destruí o pouco que não havia de ridículo no que havia feito.

Perdi para minha lógica errônea e miseravelmente caí centenas de vezes após tropeçar nos meus cadarços desatados.

Que venham as novas histórias, aquelas páginas tristes e doentias ficaram - e hoje isso é ratificado - para trás, quietas, mudas, inofensivas.

Obrigado.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Pedaços de um pensamento (94)

Já não sei precisar quando essa bagunça toda começou. Minha busca pelo silêncio ganhou um aliado forte, e caro, mas parece que vai levar um bom tempo ainda para que o ambiente esteja apaziguado e o silêncio passe a imperar. Vivendo em uma outra realidade, tento encontrar conexões interiores que permitam à minha existência ser dona de uma felicidade ainda desconhecida, plena, capaz de mudar um mundo, mesmo que seja apenas o meu.

Não encontro silêncio algum, nos pensamentos, nas palavras não ditas, nos olhares não trocados ou nos inúmeros passos que, em determinado ponto, cruzam a linha invisível do prazer e se esborracham no solo do cansaço. As noites mal dormidas, sempre com muito barulho em meio ao silêncio das madrugadas quentes, e de céu azul-escuro-quase-preto, tornam ainda mais difícil a busca, a procura e, por consequência, o encontro daquele estado definitivo e decisivo em que o silêncio que propicia a reflexão e a serenidade que a levam para dentro de mim, permitindo-me, por fim, chegar onde tenho esperado nesses últimos, vai lá, cinco anos.

A rotina de dias que começam na sexta hora e não tem momento específico para terminar é cansativa, evidentemente, mas permite que o silêncio exterior seja possível, mesmo que por pouco tempo e, por não haver correspondência interna, inútil num todo.

O olhar alheio, daqueles que, como eu, caminham por alguma necessidade em horário tão precoce do dia longo que haverá de ser é diferente quando há um silêncio exterior no entorno. Parece que as pessoas são mais gentis, mais alegres, mais educadas e receptivas logo que o dia começa, antes do dia propriamente dito começar ou, no caso de alguns específicos, ao final de um dia monótono ou extremamente agitado. Parece, e acaba sendo, uma verdade curiosa esse contato humano com desconhecidos. A educação que leva ao cumprimento é suficiente para que rostos sérios e fechados abram um sorriso simples e intenso, mesmo que de curtíssima duração.

O silêncio que procuro conscientemente é o mesmo que as pessoas, que abrem suas bocas para retribuir meu cumprimento matinal, procuram, mesmo que não saibam ao certo o quê estão procurando. Como uma Verdade em meio ao nosso lamaçal de mentiras vazias, procuram a oportunidade para olhar para dentro e encontrar um alívio para tudo o que há de fardo sendo carregado por corpo e mente cansados da rotina, aquela mesma que dá a oportunidade de, a cada manhã, deparar-se com o silêncio de uma caminhada longa por entre um resquício verde no meio do cinza poluído das ruas.

Elas procuram sem saber. E talvez encontrem. Eu procuro desesperada e objetivamente, sem nada encontrar.

O silêncio, que permite uma educação singela, é o mesmo que poderia dar-me a condição de fazer as últimas escolhas que ainda restam para a formação definitiva pela qual preciso passar.

Falta um pouco de quase tudo. Falta muito do nada que é o silêncio.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Pedaços de um pensamento (93) - À sinceridade o que é sincero

Há anos não havia aquela sensação de inoperância, de incapacidade e, muito menos o sentimento de estar preso à algo. Por mais que a ideia fosse agir normalmente, até porque não havia certeza sobre qualquer coisa,  não houve a possibilidade de assim proceder, uma vez que fui pego de surpresa - em partes,  já que os embrulhos no estômago haviam reaparecido após anos - por algo que estava adormecido nos últimos anos. 

Que confusão.

Foram incontáveis as vezes em que me peguei batendo os pés como forma de evitar qualquer demonstração de um deslumbramento que não tem nada de novo,  embora não se fizesse presente, como todo o resto do momento, há dias que, ontem, pareceram ter sido uma eternidade.

Incrível, ele ainda existe. E parece que é o mesmo, sem tirar nem por nada. Estranho. Difícil. A alegria que inundou o coração ao ver e ouvir, o desejo de estar mais perto, de olhar no fundo dos olhos, de abraçar, tocar, sentir e deixar o coração inundar-se daquela mesma alegria de tempos idos. 

Como eu senti falta. Como sinto saudades. Como gostaria de ter por perto, de poder... dar plenitude ao que é, e sempre foi, sincero.

Não sei qual a situação, o contexto e nada do que está se passando do outro lado.

Só sei que gostaria de estar lá. E que gostaria que estivesses aqui. 

Pedaços de um pensamento (92)


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Histórias de uma vida não vivida (64)

*Eis que o futuro já não há. Que o passado apenas cresce. Que o presente é um mar de dúvidas, um oceano de desilusões porém, ao mesmo tempo, uma lagoa minúscula de realizações. A vida, triste como é, iludiu vários. Alguns afirmam verdades sobre o nada, porém se nada há como pode haver verdade em si? Outros afirmam que tudo é nada, que a vida é um nada entretanto, pensemos melhor, nada haveria se a vida e todo o resto fossem nada. A filosofia vã, tão vã quanto essas palavras, impede-nos de chegar onde queremos, se é que sabemos onde queremos chegar ou no que queremos estar. A tristeza pelos anos passados nada impede que os anos futuros sejam repletos de alegria. A perspectiva de um futuro, ainda que improbabilíssimo e muito distante, é triste e esse é o grande problema. A simples imaginação que embora faça rir também consegue, e por último, trazer ao refletir uma imagem sombria daquilo que, espera-se interiormente, nunca seja, de fato, um presente a ser vivido cheio de tristeza por um passado mal construido. Gênio foi o mestre C.S.L. que, perguntado sobre seus ensinamentos durante uma guerra passada, respondeu que 'aquele que não conhece, e não entende, o passado está fadado ao fracasso de repeti-lo'. Onde estaremos nós quando o nosso hoje for ontem?

- Realmente me pergunto como posso ter chegado até aqui e estar da mesma forma que estava há mais de vinte anos. Talvez fazer essa pergunta em voz alta, para meus próprios ouvidos receberem e levarem a meu cérebro cansado, e o fato de fazer uma conclusão dessas, explique por qual razão ainda estou assim. Ainda sou isso. Seja lá o que isso signifique.

A fila do mercado parecia inacabável. As pessoas estavam estressadas, tensas, menos uma. Quando olhou-a não conseguiu fazer outra coisa mais.

- Linda. Que pedaço absurdamente lindo de mulher. Pedaço não, corpo inteiro. Pena que ela tem olheiras gigantes. Estou há uns dez metros dela e consigo reparar nisso. Reparei nas olheiras daquele rosto esplêndido, sou um idiota mesmo. Olheiras surgem quando se dorme mal, por genética ou alguma outra razão que desconheço. Vai ver ficou estudando.... não. Não parece ter idade de quem estuda. No máximo um doutorado... Nossa, se for isso mesmo... terei encontrado a mulher perfeita.

Silenciou.

- Sim, chato. Fora as olheiras.

Silenciou novamente.

- Sim, asno, fora as olheiras e o péssimo gosto para suco. Caju? Quem em sã consciência bebe suco de caju? Saudável? Pode até ser mas... caju? Laranja também é saudável. Laranja, limão, uva, melancia com abacate.

Parou. Olhou para o nada procurando um espelho para olhar para o próprio rosto.

- Concordo. Caju até é aceitável perto desse péssimo gosto por suco de melancia com abacate. Concordo, ninguém no mundo, além de mim, gosta disso. Está bem, ela é perfeita se estiver fazendo doutorado. Apesar das olheiras.

Olhava fixamente para a mulher. Loira...

- Loira falsa. Falsa loira. Enfim, ela não é loira de nascença. Outro defeito. Deve ser vaidosa demais para ter feito luzes, clareamento, mechas ou o que quer que seja isso. Talvez tenha usado papel crepom.

Parou procurando novamente o espelho que não existia.

- Você é velho mesmo, asno. Ninguém mais pinta o cabelo com papel crepom para representar o grupo da gincana do colégio. Colégio é nome que só velho usa também. Por isso você continua aqui na fila do mercado, sozinho. Mas se ela me olhasse ao menos...

Percebeu que a fila andara bastante. Sorte que não havia ninguém atrás. Caminhou e sorriu ao perceber que poderia continuar olhando para ela. ELA.

- Loira falsa... está bem, talvez ela só quisesse mudar o visual. Parecer mais jovem, diferente. Tentar algo novo.

Cadê o espelho?!

- Estou falando como a minha irmã. Como a amiga da minha irmã. Como alguém que vive dentro de um salão de beleza. Deve ser outro termo velho. Hoje em dia se usa algo como 'Me escove bem beauty'. Ou algo do tipo.

Olhava encantado para seu corpo até que ela virou para o outro lado.

- Pernas tortas. Droga. Sabia que não poderia ser tão perfeita. Ela tem pernas tortas e que droga que ao invés de olhar para a bunda, que parece ser espetacular, estou reparando e comentando sobre as pernas tortas que a coitada... coitada?.... tem. É que pernas tortas pode ser genético, ou ela pode nunca ter brincado na areia. Criança de apartamento! Deve ficar doente com facilidade e como eu posso ter chegado a isso? Ela tem as pernas tortas, e daí? As minhas também são mas não como dois arcos usados para atirar flechas.

Chato, muito chato.

- Se bem que pernas tortas não importam quando se vê que ela não tem um defeito nas pernas, nada de varizes, estrias ou celulite. Que pernas lisas! Ou fez tratamento, o que confirma o fato de ser fútil, ou não bebe refrigerante. O que indica que ela não é sociável. O porco falando do leitão, que desgraça. Eu sou muito sociável. Bebo refrigerante cinco vezes por semana e em nenhuma delas tenho companhia humana. Ainda bem que não cheguei ao ponto de comprar uma boneca inflável... as pernas, sim, as pernas. São perfeitas. Lisinhas. Tortas, mas perfeitas. Do seu jeito. É até meigo mas... e se ela caminhar desengonçadamente? Alô pinguim, quer falar alguma coisa sobre caminhar estranho?

Estava enfeitiçado por ela. Pelas pernas tortas lisinhas e perfeitas de uma antissocial. Até que sentiu um dedo cutucar suas costas. Virou-se com espanto, como se fosse um sonâmbulo sendo acordado durante o lanche da madrugada.

- Anda cara, temos pressa. A fila andou. Segue logo ante que eu passe na sua frente.

Andou. Quando pôde parar tentou achar a mulher, que estava em outro caixa, porém sem sucesso. A decepção bateu violentamente no seu ego. Caso fosse menos chato teria largado tudo e ido declarar seu amor, ainda inexistente, antes que outro alguém pudesse roubar seu coração da sua vida.

- Isso pareceu um pouco desesperado, não?

Concordo, mas continue.

- Ah, eu queria tanto ter uma chance de... não. Ela tem pernas tortas. É falsa loira. Tem olheiras gigantes e... o resto é resto.

Pagou com moedas de cinco e dez centavos os dezessete reais da lasanha de açaí, novidade intragável que só ele e meia dúzia de vegetarianos comiam. A diferença é que, ao contrário dos vegetarianos, ele comia a lasanha acompanhada de um carreteiro de charque. Saiu do caixa e esbarrou em alguém. Várias sacolas caíram no chão. Ajuntou-as rapidamente e entregou para... ela.

(Que clichê essa história, não?)

-Obrigado - disse ela -, muito obrigado. E desculpe por esbarrar em você.

Ele ficou imóvel.

- O senhor pode me entregar as sacolas agora?

Ele continuava imóvel. Olhou para seus olhos, lindos olhos negros. Olhou para as olheiras, que agora não pareciam tão grandes. Foi passando o olhar por todo o seu corpo - sem mais detalhes porque essa é uma história sem apelos populares, ou seja, sem pornografia direta ou indireta - e, ao passar pelas pernas tortas, percebeu que não eram tão tortas assim. E, sim, não havia celulite.

- Você está bem? - ela perguntou.

Se ela tivesse usado o termo 'senhor', ele teria batido nela com a lasanha de açaí, congelada. Ela disse você. Devia ter uns trinta e cinco anos, ou mais. Ou menos. Não sabia estimar a idade de uma mulher porque preferia ler livros sobre a história do Panamá do que ver programas de fofoca. Linda. Espetáculo...

- Amor da minha vida! - ele gritou.

Todo o mercado parou. Olharam para ele. Ela, surpresa, nada respondeu. O mundo parou por uns cinco minutos até que ouviu-se uma criança gritar aos prantos.

- Paiêeeeeeeeeeeeee, me dá o chocolate que eu to com fomeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeuáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa'.

"Malditas crianças" pensou ele.

Ela, ainda perplexa, perguntou:

- O que o senhor disse?

- Esqueci as batatas fritas.

- Por um instante pensei que...

- Pensou errado - disse ele, envergonhado e grosso feito dedo destroncado.

Ela o olhou. Foi saindo a passos curtos e demorados até que virou-se e, vendo que ele a acompanhava com os olhos, perguntou:

- Você não quer dividir uma porção de batatas fritas comigo? Eu tenho comprei um pacote. Acho que é suficiente para nós dois.

Imóvel. Parado. Tapado, digo, espantado.

- Eu...

- Não precisa agradecer, somos mais parecidos do que você imagina, docinho.

'Ah, aquelas pernas tortas sem celulite, por onde andaram enquanto eu vivia uma vida medíocre?' - pensou, não sem antes desligar a mente de tudo o mais que havia pensado.

Ah, aquelas lindas pernas.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Pedaços de um pensamento (91)

Como assim 'ainda não estou pronto para escrever'?

A vida continua sendo passageira, Santa Maria continua quente (às vezes parece que estou sendo cozinhado, ou cozido, em banho-maria), a faculdade ainda não foi deixada para trás, ainda não consigo ouvir uma música e dizer 'nossa, que troço legal', os cabelos continuam a cair, as músicas continuam a tocar aqui dentro e eu continuo a não escrever.

Todos os rascunhos, rabiscos, diálogos e ideias de textos que tenho aqui ao lado do computador, ou mesmo no OneNote me dariam a chance de escrever, ao menos, três livros. Os textos iniciados, possivelmente geniais - mesmo que para um retardado mental -, escritos e não publicados (a maioria por não ter sido finalizado) também renderiam um livro. De pelo menos oitenta páginas.

Ou, no mínimo, uma crônica melhor do que as do bagulho que é o Carpinejar.

Das 11 ou 23 coisas que me propus fazer neste final de semana está escrever. Como veem, cá estou. Realizei outras duas, três ou cinco e as outras 6 ou 20 - viva a margem de erro do Ibope - não foram realizadas sabe, apenas, Deus por qual razão ou quais as justificativas para tal procrastinação, desânimo, incompetência ou todas as anteriores.

Tudo que tenho feito visa tirar de foco o que me leva à angústia e ao medo. Tremei, terra, parece que nunca senti isso antes - mentira! - ou, pelo menos, não com tanta dúvida. Escolher entre o certo e o errado, mesmo sem saber qual é qual, é moleza. Escolher entre sim e não, idem. Agora escolha entre duas coisas infinitamente diferentes mas ao mesmo tempo muito parecidas. As decisões, não as consequências das mesmas. Escolha entre uma bergamota comum e uma pocan. Escolha entre um suco de limão comum e um de limão taiti.

Parece igual mas não é. É infinitamente diferente mas tão igual da mesma forma. Droga.

As coisas continuam as mesmas, com os mesmos gostos - e eu sem sentir gosto algum.

O remédio continua e as músicas continuam. Um deveria bloquear o outro mas o outro continua mesmo com o um. Ei, doutor, quero meu prometido silêncio!

Por fim, e não menos desimportante, é bom que existe mais uma prateleira, presa por parafusos maiores que o meu dedo mínimo. Não sei quando vou começar meu plano de comprar dez livros por semana então, em todo o caso, já estou preparado.

Obrigado por ter chegado até o fim. Mesmo que a ausência, também, continue a ditar as regras por aqui.

De ambos os lados.