terça-feira, 19 de maio de 2015

Histórias de uma vida não vivida (67)

*Quando você passou, naquela noite, meus olhos vislumbraram o céu. Não um céu azul, distante, que existe por si só e em qualquer lugar do mundo é o mesmo céu. Não. Era um céu diferente, um paraíso único, a certeza de que a perfeição existe e não é por si só, é por algum motivo. É pelo seus lindos olhos. Pelo seu sorriso único. Pelo seu rosto desenhado com tanto carinho pelo Criador. Pelo seu jeito suave de caminhar e balançar levemente seus cabelos de comprimento médio. Cada detalhe que pude pegar, na sua rápida passagem diante de mim, foi suficiente para ter a certeza de que você é exceção em um mundo repleto de coisas, e principalmente pessoas, comuns, rotineiras, normais. Você não pode ser normal. Seu rosto não é normal. Seu jeito não é normal. Se seu coração for tão belo quanto o que meus olhos enxergam em você e se a sua mente está aberta a buscar a plenitude eu, sem qualquer dúvidas, investiria todo meu tempo para conquistá-la e fazê-la parte fundamental da minha vida. Quantas vezes pensei que a beleza, superficial, era desnecessária. Você me mostrou que não. Se não for apenas beleza visível, e tiver uma série de virtudes louváveis e dignas de reconhecimento silencioso - para não incitá-la a perder a humildade que também espero que tenhas - terei a alegria de reconhecer que errei. Que sua beleza excepcional vai além do visível. Se o que há de invisível em você for tão incrível quanto pode ser - para manter a coerência com o que há de belo na sua aparência - terei de pedir uma coragem que não tenho para lutar por alguém que desejo há tanto encontrar. E que, de alguma forma, torço de verdade para que possa ser você. Eu gostaria, tanto, de poder olhar nesses seus olhos mais do que os raros segundos que tenho quando você passa, eventualmente, por mim.

Estava voltando do supermercado e, ao abrir o portão do edifício onde moro, me deparei com elas. Duas. Mulheres. Jovens. Estudantes. Que moravam junto. No mesmo edifício que eu. No mesmo bloco. Sim, minhas vizinhas. As minhas vizinhas lindas. Maravilhosas. Espetaculares. E ainda por cima simpáticas. Estavam as duas paradas. Cumprimentei-as e, ao passar por elas ouvi uma delas dizendo:

- Foi você que deixou esse convite para nós na caixa de correio?

Parei. Olhei para os lados, para frente, para trás.

- É comigo?

Não deveria ser mas como não havia mais ninguém achei que aqueles monumentos poderiam estar falando comigo, sim.

- Sim. Foi você que deixou esse convite na nossa caixa de correio?

Elas me mostraram um papel pequeno, bem recortado, que convidava para um... não sei, parecia um convite conhecido mas como estava meio escuro e sou meio...

- Alô? Você está aí?

Tinha mergulhado em pensamentos tentando ver o convite nas mãos dela e parei prestando atenção naquelas mãos de princesa.

- Ah, desculpe, estou um pouco cansado.

- Então? - disse a outra, igualmente linda, só que loira (a outra tem cabelo castanho) de olhos azuis - Foi ou não você que deixou esse convite?

- É um convite para quê? - tentei alongar a conversa para ter uma boa razão para olhar de perto para elas já que, nas poucas vezes em que elas passam por mim são rápidas, ágeis e simpáticas ao ponto de me hipnotizar com seus sorrisos que dizem tudo e exigem toda minha atenção.

- Para um grupo de...

- Ufa.

- Ufa?

Eu havia suspirado alto.

- Não era para ter sido ouvido mas, sim, ufa.

- Por que?

- Porque achei que eu poderia ter surtado durante a madrugada e sem perceber escrito um convite e deixado na caixa de correio.

- E por que você escreveria um convite e largaria na nossa caixa de correio? - perguntou a loira.

- E por que você surtaria? - perguntou a de cabelo castanho.

Eu não sabia para quem olhar. Só que aquela situação sempre pode piorar.

- Eu poderia ter criado coragem e escrito no papel um convite para ela - falei olhando para a de cabelo castanho enquanto apontava, com a cabeça, para a loira - ir no cinema comigo.

Elas fizeram menção de dizer algo entretanto continuei.

- Ou ir comer uma pizza. Ou tomar um chopp. Ou um mate no calçadão. Ou um xis gigante do...

Sem merchandising.

Elas entreolharam-se. Depois olharam para mim, percebendo minha expressão que indicava um claro 'opa, escapou'.

A de cabelo castanho então olhou para mim, para sua amiga loira linda espetacular e virou-se, não sem antes dizer:

- Preciso ir estudar.

A loira me olhava. Eu intercalava olhares longos para os seus olhos azuis e muito breves para os cabelos castanhos ondulados que balançavam delicadamente a cada paço da outra obra-prima do Criador.

- Por que você iria me convidar?

'Pergunta retórica' pensei em responder. Ou algo do tipo:

- Porque você é um espetáculo, um pedaço de perfeição que tenho o azar de não poder ver, e muito menos tocar, todos os instantes da minha vida miserável.

Provavelmente ela entenderia o porque da minha hipótese do surto e procuraria outro lugar para morar. Respondi ser simples, e breve.

- Porque acho você incrivelmente linda e porque o seu sorriso me encanta, mesmo que eu não tenha a felicidade de vê-lo todos os dias.

Meu coração palpitava violentamente. Achei que se não infartasse naquele momento nunca mais correria o risco. Parado, com uma vergonha do tamanho de Júpiter, fiquei olhando para as mãos delicadas dela enquanto percebia que o seu olhar vinha de encontro aos meus caídos olhos.

Ela, parada, sem saber o que dizer, resmungou:

- Eu só aceito com uma condição.

Caso fosse realmente sincero, e um pouco muito impulsivo diria algo como "te dou o Sol, a Lua, a Terra, busco Vênus e transformo Plutão de novo em planeta se você quiser" porém, mais uma vez, pensei que isso a espantaria.

- Qual? - perguntei, com um medo monstro da resposta.

- Que você me explique o que acontece quando surta.

Fiquei olhando para ela com um olhar cético. Ela completou:

- Vai que você surte enquanto sai comigo e... vai saber o que pode acontecer.

Até para se proteger ela era meiga. Doce. Um sorvete de chocolate misturado com ovomaltine (desculpem o merchandising, foi inevitável) e chocolate granulado. Uma simpatia sem...

- Não se preocupe, eu não vou surtar perto de você.

- Promete?

- Prometo?

- De mindinho?

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