quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Histórias de uma vida não vivida (68)

*Enquanto estou aqui, onde estará você? Será que já não estou esperando-a a um tempo assumidamente suficiente? Ou o sublime que você experimentará ao meu lado faz com que toda espera seja mera formalidade insignificante? Onde você está que não aqui, ao meu lado? Quando, ao sentir a delicadeza de suas suaves mãos, perco a noção da própria existência, estou beirando um surto ou apenas experimentando o próprio Paraíso? Cada detalhe parece tão único, tão espetacular e tão intenso que me perco ao descrevê-los. Sou incapaz de transformar em palavras todas as sensações, e os sentimentos que existem simultaneamente, e, sendo assim, nada posso fazer além de esperar. Onde quer que você esteja, gostaria que estivesse aqui. Por qualquer que seja o motivo que não está, estou esperando. Aliás, aprendendo a esperar. Nunca pensei que o próprio Céu pudesse ser tocado com minhas humanas, e limitadas, mãos. Nunca pensei que almejaria com tamanha vontade a própria Eternidade em meus dias de tempo limitado. Ainda estou um pouco atordoado com todo este mundo que venho descobrindo e, não tendo experiência na espera pelo Tudo, sinto um forte e insaciável medo de concluir outra página com um ponto final vazio, seco e decepcionante. Não sei o que virá. Como será. Se será. Você. Quando. Onde. Por quanto tempo. Nada sei com relação ao que foge do meu próprio ser. Tudo que sei, por fim, é que há algo incrível que só alguém como você poderia ter sido capaz de produzir em alguém tão duro, e indiferente, quanto eu. Só a pureza de um coração repleto de Amor poderia ser capaz, ainda que não intencionalmente, de trazer de volta a sincera espontaneidade típica daqueles que são tocados por respingos de Céu, por feixes, mesmo que minúsculos, de Luz. A incerteza e a insegurança, o medo e a ansiedade, e todos os seus semelhantes, não são capazes de tirar a tranquilidade que é fruto da esperança de vivência de uma intensa, e sublime, Alegria.

Quando olhei para o relógio, após incansáveis minutos, ou horas, de leitura, não pude acreditar que o dia já havia acabado e eu continuava ali, parado, com um livro na mão. Enquanto as histórias, de outras pessoas, eram imaginadas enquanto as lia, a minha própria história, escrita com rabiscos tortos e inelegíveis, permanecia parada, intacta, imóvel e, possivelmente, inútil. Aproximava-se o novo dia da primeira hora e eu, ainda pasmo, tentava imaginar o que poderia, ou mesmo deveria, estar fazendo para que a minha vida ganhasse a intensidade própria da literatura na qual havia estado preso, por olhos e mente.

A beleza das formas, a perfeição das descrições e a complexidade das relações em nada assemelhavam-se ao que conseguia visualizar na minha própria história. Como alguém que não consegue listar sequer cinco pessoas importantes para si seria capaz de viver algo semelhante, ainda que minimamente, ao que absorvia da vida de outrem? Aquilo não fazia qualquer sentido para mim. Eram tantos detalhes que, quando tentava encontrar análogos em meu dia, não conseguia sequer terminar uma frase. Os tempos em minha vida perdiam-se tanto quanto se perdem aqui, nestas farsas supostas frases.

Nada em minha vida poderia ser relacionado, e comparado, sequer à mais simples das histórias lidas. A falta de detalhes, pessoas, situações, opções e intensidade me pareciam, e ainda parecem, prova de que há uma vida inteira sendo desperdiçada. Não consigo seguir muito adiante porque tornar-me-ei repetitivo por não ter condições de contar sequer uma história engraçada. Triste. Alegre. Curiosa. Decepcionante. Enfim. Sinto como se meu tempo estivesse sendo meramente jogado fora em uma rotina decepcionante de um ser humano deprimente. As horas passam e eu continuo aqui, ali, acolá e nada, mesmo, acontece. Mesmo um náufrago, sozinho em uma minúscula ilha, é capaz de ter uma vida com mais detalhes, acontecimentos e experiências do que a minha. Parte disto é fruto da depressão. Outra parte é da incompetência em sair dos meus limites, tão medíocres, e viver.

Queria poder encontrar uma razão para sair daqui, correr, bater, quem sabe morrer. Queria ser capaz de cortar as cordas invisíveis que eu mesmo enrolei, e apertei, sobre meus braços e pernas para poder ao menos cair. Sequer decepções pontuais consigo viver. A decepção é apenas uma: a falta de vida. Sinto-me despedaçado como um quebra-cabeças que não foi retirado da caixa. Ele está separado por nunca ter sido usado e é este tipo de fragmentação que pareço ser.

Indo além, não espero que alguém venha e transforme minha vida. Tire-me da minha melancólica morte diária. Não. Já disse que minha vida, medíocre, não permite a aproximação de alguém, por mais abençoada que a pessoa seja. Continuo intacto, imóvel, imerso em vidas que não são minhas, em histórias que nunca poderei contar, em decepções e alegrias que nunca serei capaz de experimentar, lamentar, reviver e agradecer.

Continuarei aqui, por algum tempo, morrendo lentamente por não conseguir sair do lugar. Por não conseguir ir para longe sequer em pensamento. Limitações, mediocridade, misérias, defeitos e covardia. Tudo isso e mais uma grande quantidade de coisas.

Já não faz sentido continuar. O relógio não para de caminhar e, ainda assim, é mais rápido do que eu e meu vão, inútil e patético esforço para correr.

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