- Olá, senhor Johansson, como está hoje?
- Não estou bem.
- Então acho que vamos começar a falar sobre você.
- Já era hora.
- O que aconteceu?
- Não sei.
- Então por que não está bem? O que está sentindo?
- Angústia, agonia, tristeza, alguma coisa assim.
- Me explique o que sente.
- Se soubesse explicar, saberia definir.
- O que levou a esse sentimento ou sensação?
- Se soubesse...
- Está bem. Já havia estado assim antes?
- Claro, muitas vezes.
- E em que situação você estava nessas outras vezes?
- Ãhn, longe da Renata. Com ciúmes de alguém se aproximando da Renata. Com saudades da Renata. Com raiva porque a Renata dava mais atenção a outras pessoas do que a mim. Triste porque a Renata não respondia minhas mensagens.
- Alguma vez sentiu isso por algum motivo que não tivesse relação com ela?
- Acho que sim.
- Acha que, dessa vez, tem relação com ela?
- Não sei, acho que não.
- Por que acha que não? Vocês terminaram um relacionamento há muito tempo. Tem conversado?
- Até que sim. Ela tem tido pouco tempo lá na Inglaterra.
- Ou ela diz que tem pouco tempo.
- O fuso horário não ajuda, também.
- Sente-se deixado de lado por ela?
- Não somos mais namorados, não espero que ela me trate com alguma prioridade. Somos apenas amigos.
- Melhores amigos?
- Depois de anos de namoro chegamos a uma intimidade tal que amizade, em si, é apenas a porta para um afastamento completo.
- Por que?
- Dificilmente teremos relacionamentos duradouros se estivermos, de alguma forma, unidos.
- Certo. Por que acha isso, no entanto?
- Porque completávamos um ao outro de maneira incomparável.
- E ainda assim terminaram.
- Sim.
- Não teme por esse afastamento?
- O passado jamais será apagado. O que estou sentindo não tem relação com ela.
- Você disse que achava isso.
- Por acaso desdisse-me?
- Não. Bom, quando tinha esse sentimento...
- ...sensação.
- Isso. Quando teve essa sensação, e não foi por causa dela, foi por qual motivo?
- Se soubesse, saberia o porquê de agora.
- Bem, o que tem feito, ultimamente?
- O de sempre: leitura, escrita, futebol, fotografias, vídeos, penso bastante...
- Em que?
- Na vida como um todo. Em todo o tempo presente que Deus permite-me viver.
- Acredita em Deus?
- Claro, como não acreditar se tudo o que há de belo vem dele?
- E o que há de feio?
- O homem, de alguma forma, desvirtuou ou, por algum motivo, Deus coloca à prova nossa fé.
- Por que Ele faria isso?
- Porque precisamos mostrar que somos merecedores de todo o Seu amor. É o mínimo que podemos fazer mas... é a minha vida e não a ação de Deus que está em jogo nesse momento.
- Tentou ocupar sua mente e deixar que essa sensação desapareça por conta?
- Não adianta, ela sempre volta.
- Como sabe?
- Já passei por isso, esqueceu?
- E o que acontecia quando essas sensações passavam?
- Sentia-me livre, novamente.
- Eu quis dizer... o que acontecia antes dessas sensações passarem?
- Ãhn, se soubesse não estaria tentando descobrir.
- É difícil conversar com você.
- Só porque entendo de análise comportamental tanto quanto você?
- Quem tem o diploma aqui?
- Continue.
- Acho que você deve procurar descobrir algo que gosta.
- Eu sei do que gosto de fazer, de ler, filmes, músicas, esportes. Eu sei disso, não estou com qualquer vestígio de crise existencial ou de personalidade.
- Já tentou descobrir um novo hobby?
- Leitura, escrita, fotografias, filmes e esporte. Preciso mesmo de mais um hobby?
- Coleciona algo?
- Livros, filmes, cd's, camisas de times de futebol e times de futebol de botão. Já disse que não tenho problemas com quem sou eu.
- Então me diga, quem é você?
- Uau, você tem mesmo um diploma.
- Exato.
- Sou Bilionárico Johansson, Billi J., tenho 25 anos, formado em engenharia química. Gosto de escrever, de ler crônicas, a Bíblia e livros que me ensinem algo que não sei. Detesto ficções. Gosto de filmes de comédia porque não tem nada a ver com a realidade e me distraem. Gosto de futebol e de hóquei no gelo. Até de basquete. Minha estação do ano favorita é o inverno, apesar de ter descoberto o quanto ele deixa evidente a solidão. Gosto de estar sozinho, de pensar. Tenho a simplicidade como aliada pois pequenos detalhes me alegram. Sou paciente e sei esperar pela vontade de Deus. Gosto de sorrisos, de risadas, de olhares, de abraços. Sou feliz profissionalmente e pessoalmente estou tentando encontrar o amor para toda vida. O amor me fascina. A paixão me fascina. A saudade me entristece. Ser deixado de lado me entristece. A pessoa certa não me dar atenção tira a minha paz. Mesmo quando namorava a Renata, era inseguro quando ela estava longe, embora nunca tenha demonstrado ciúmes. Minha afetividade sempre foi perturbada por traumas passados, de infância e adolescência. Não consigo manter muitas amizades porque minha personalidade quase completa impede que alguém acrescente coisas básicas como gosto por filmes de gênero A ou músicas do gênero B.
- Muito me disse sobre o que gosta mas pouco sobre quem é.
- Admiti ser inseguro, isso não é o suficiente?
- Por que acha que é inseguro?
- Porque por anos admirei a Renata sem saber que ela sentia o mesmo por mim e me arrependi por não ter dito-lhe nada antes depois que descobri que o sentimento era recíproco.
- É um bom motivo para insegurança. Algo mais?
- Talvez o fato de ter reprimido muitas coisas que gostava, para agradar meus pais e os raros amigos de infância. Para não afastarem-se de mim ou trocarem-me por outros.
- Você me disse que são poucos os amigos de infância.
- Sim, reprimi minhas vontades e meus gostos, perturbei minha afetividade e fiquei, no final, sem os amigos do mesmo jeito.
- Entende que uma coisa tem relação com outra?
- Sim, deixei de ser quem era para ser quem queriam que eu fosse.
- Inclusive seus pais?
- São exemplos para mim, jamais os culparei por algo que escolhi fazer.
- É justo, eles não percebiam que você sorria pouco quando criança.
- Como sabe?
- É a sua quarta consulta. Toda criança que é reprimida, ou reprime-se por algum motivo como você fez, não é feliz num todo.
- Minha mãe disse que gostava dos meus sorrisos quando era criança.
- À partir de que idade acha que começou a abrir mão de si pelas outras pessoas?
- Não sei, sete anos talvez.
- Lembra de algo dessa época?
- Eu não tinha video game mas dizia que tinha para não ser excluído pelos meus colegas que tinham e conversavam sobre jogos de corrida. Então eu inventava que jogava jogos de corridas muito mais avançados mas nunca os convidei para irem jogar comigo.
- Isso os afastou de você?
- Não, sempre disse que era culpa dos meus pais, que eles não queriam.
- Nunca descobriram a verdade?
- Quem se importa com uma verdade que não faz diferença para si? Só muda para mim, certo?
- Provavelmente. Ou eles estão precisando de terapia por sentirem-se inferiores desde sempre.
- Ou estão mortos.
- Não gostei da piada.
- Desculpa.
- Alguma outra lembrança?
- Odiava jogar futebol de pé descalço porém o fazia para que não pensassem que eu era um riquinho esnobe.
- E você era um?
- Capaz, mas eu tinha tênis e sabia que, se por acaso um deles estragasse, ganharia outro de uma forma ou outra.
- Sempre teve tudo o que quis?
- Não, mas tênis é necessidade. Eu só ganhava um quando não podia mais usar o outro.
- E sobre o futebol descalço?
- Doía os pés demais. Eu não conseguia jogar direito então ficava no gol, defendendo.
- E como se saía?
- Mal. Eu uso óculos desde cedo, não tinha como defender muito usando óculos. Era perigoso.
- E seus amigos não lhe chamavam de riquinho esnobe mas reclamavam porque você era um péssimo goleiro.
- É fácil dizer isso agora, né?
- Claro, gosto de casos fáceis como o seu.
- Você tem o diploma.
- Exato.
- Então me diga, por que continuo angustiado, ansioso, nervoso ou triste?
- Talvez exista alguém que libere essa insegurança dentro de você e, com medo de que não dê certo por todas as vezes em que você dedicou-se aos outros e acabou, entre aspas, perdendo-os da mesma maneira, sinta-se angustiado por não saber o que fazer, o que dizer, algo assim.
- Hum.
- Estou certa?
- Talvez, preciso pensar a respeito.
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