"Amigo, saudações!
Escrevo-lhe agora por não ter com
quem compartilhar esse sentimento. Ao menos não alguém que entenda, compreenda
e não me dê qualquer conselho banal e trivial, sendo, então, apenas um monte de
palavras inúteis. Estou um tanto incomodado. Mentira. Estou muito incomodado
com o que aconteceu porque, até onde julgava saber, nada disso existia, ainda.
Pelo menos dessa forma.
O itálico é proposital porque é
uma coisa difícil de comentar, impossível de descrever e incrivelmente complexa
para ser explicada. Na real, não sei o que dizer porque não consegui entender
sequer uma vírgula de todos esses acontecimentos.
Para começar, é bom dizer que
isso tudo é interno. Que não há nada explicitamente demonstrado e que nem mesmo
o meu espanto, com a origem e o final disso
foram transparecidos, para quem quer que estivesse comigo naqueles instantes ou
em todos os momentos posteriores nos quais aquilo
voltou à minha mente. Não sei o que fazer, amigo, acho que você pode me ajudar,
como sempre fez. Ninguém mais é capaz de entender isso. Ao menos não conheço
outro alguém.
Para que entenda, preciso narrar
o fato, claro.
Estava sentado, em um banco da
praça, olhando as pessoas que passavam pela rua e olhavam as vitrines. Verão,
calor, mulheres com roupas curtas e eu ali, acompanhado por uma mulher, moça,
enfim, que tem tentado insanamente aproximar-se de mim. Sério, é difícil não
olhar para aquelas pernas desnudas (estou lendo muito David Coimbra, eu sei) e
rijas. Eu tentei ao máximo, acho que ela, a que estava me acompanhando, não reparou.
O que é bom.
E não faz qualquer diferença.
Então, em algum momento, olhei
para o outro lado, digamos que para dentro da praça onde estava sentado, e ao
vê-la meu coração palpitou.
Desgraçado coração.
Ela era a Renata. Vini, sério, eu
não sei explicar o que aconteceu. Parecia que nunca tinha visto-a e, naquele
instante, estava sendo flechado pelo cupido. Ok, péssima frase. Senti-me, de
alguma forma, como na primeira vez em que a vi, há uns vinte anos atrás, quando
eu tinha seis ou sete e, já lá, sabia que amava-a mesmo sem saber ao certo o
que era amor. Ao menos pensava que se amor fosse aquilo que eu senti, seria
muito bom.
Eu a vi andando, caminhando com
fones nos ouvidos, cantarolando. Como a vi fazendo diversas outras vezes. Meu
coração parecia querer sair pela boca. Ou parecia que eu havia engolido um
iceberg. Ou andado a cento e noventa quilômetros por hora em um carro
conversível com a boca aberta – ou algo do tipo. Eu não entendi nada. Fiquei
paralisado, com medo, ansioso, receoso, não sei, não sei, não sei. Ah, não sei.
Ela, a Renata, não olhou para o
lado onde eu estava, ou seja, não me viu. A pessoa que estava comigo estava
falando alguma coisa sobre quantos abdominais ela fazia enquanto assistia ao
House, ou algo próximo disso, e também não notou. Congelei naquele momento, por
dentro e por fora. Incrível a capacidade que o ser humano tem de ser um
emaranhado de claras de ovos prontas para serem batidas e transformadas em
claras em neve.
Certo, acho que estou vendo muito
o canal culinário. Ao menos aprendi a fazer um Francesc’are la Tottê.
Enfim.
Entendeu o que quero dizer? Se
não entendeu, estou ferrado pois não saberei desenhar. Por que senti-me daquela
maneira, e tenho pensado tanto nisso,
que tem tudo a ver com ela, a Renata? Por que? Terminamos há quase dois anos,
decidimos que seríamos amigos como havíamos sido antes de namorarmos e, claro,
sabíamos que não daria certo isso. Estamos afastados há tempos embora, eventualmente,
nos encontremos no supermercado – onde sempre a vejo comprando Danette de
sensação, meu favorito. E isso não acontece há pelo menos cinco meses. Apesar
disso, não há contato, não há profundidade no diálogo ou qualquer tipo de
relação formada. Nada.
Nada, Vini, nada.
Por que então vê-la remexeu meu
interior, meus sentimentos, voltou a manifestar uma ansiedade, umas sensações
estranhas, uma... paixão? Não!
Não pode ser isso. Não é isso. Essa coisa não pode ser paixão pois acho
que é impossível alguém apaixonar-se pela mesma pessoa duas vezes. Eu apenas a
vi, não alimentamos qualquer tipo de vínculo. Não é paixão. Nego-me a pensar
que possa ser um sentimento. Não, não.
Também não estou querendo negar
isso por conta da presença de outra pessoa. Não. Não vai dar certo. Ela é muito
diferente, gostos diferentes, atividades diferentes, cultura diferente... como
a Renata era. E ainda deve ser.
Certo, não é porque ela é
diferente. Talvez seja porque ela estava comigo naquele dia que não estou
pensando nela... porque seria errado, injusto, uma canalhice, certo?
Não penso na Renata, Vini, como
pensava antes de namorarmos, com aquele ar de impossível, aquele sonho irreal,
aquele desejo intenso e sincero. Não.
Só não consigo entender como ela
pode (seria pôde, mas acho que a nova ortografia retirou esse acento) ter
mexido tanto com meus sentimentos e sensações se nem sequer faz parte da minha
vida. Ao que parece ela, representando meu passado, veio e jogou todos os
papeis da minha organizada escrivaninha mental para o ar, e não se deu ao
trabalho de organizar ou, pelo menos, explicar porque o fez.
Tenho medo do que foi isso. Medo
de que ainda esteja preso a ela de alguma forma. Ligado a ela de um modo único,
diferente. E tenho medo de que a pessoa que estava comigo tenha, naquela tarde,
pensado que a minha relativa indiferença, à partir do momento em que vi a
Renata, seja diretamente para ela.
Tenho medo de que ela
distancie-se de mim? Ou tenho medo de... estar apaixonado por ela e não querer
que ela descubra tudo o que a Renata foi para mim e, então, retorne à retórica
da primeira pergunta.
Eu não sei, Vini. Estou cansado
de dizer isso mas, não sei, amigo.
Não sei de onde veio isso. Não sei o porquê disso. E tenho medo do que isso possa significar
Forte abraço.
B. Johansson"
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