quinta-feira, 29 de julho de 2010

Histórias de uma vida não vivida (23)


*Não são apenas casais que se complementam. Amigos, pai e filho, colegas de aula. Qualquer complemento verbal de um para o outro é possível quando há uma relação amigável, pessoal e voluntariosa. Com eles era assim. Essa amizade era uma grande loucura. Cada um com um gosto, uma área de atuação e interesse. Cada um muito diferente do outro. E ainda assim, completam-se nessa amizade que rompe as barreiras da distância, das diferenças, do passado e do futuro. Em um estranho e antigo sonho a homenagem atrasada e humorada, bem ou mal, àqueles que fazem parte também de histórias jamais vividas. Insisto ao dizer que a realidade, a ficção e a pura imaginação se confundem nessas linhas tortas.

O nome dele era C... C.H., só isso o que posso dizer. Ele era um cara legal, embora muitas pessoas não soubessem disso pois ele não gostava de ser legal para com todos. Tanto que no velório do amigo de um idiota, que não era seu amigo também, ele jantou e comeu carne de porco sem qualquer receio. E por que deveria ter receio de comer carne de porco? Ninguém deve saber, mas ele achou que tinha feito uma grande coisa, uma grande ofensa e, no dia seguinte, foi falar com um grande homem: o instrutor de judô, um cara de dois metros de altura e 134,66 kg. Não mudou nada, os dois mais riram do que conversaram.

Voltando ao C.H., que não conhece o Billi J. para os que tentaram associar, ele era daqueles que cortava linguicinha com foice. Ainda no espeto. Sério, ele era muito louco. O que não vem ao caso hoje. Sua vida não era algo digno de filme e sequer de coluna no jornal ou texto em blog. Mas ele era um cara legal. Impulsivo, cortava o churrasco no espeto, contava piadas dentro durante um jogo de futebol e mandava que todos parassem de caminhar na rua só para tirar um cisco do olhos.

Pois é, esse mesmo. Ele era um trabalhador injustiçado. Sua família não era das mais ricas e ele não ganhava o suficiente para comprar uma Lamborghini, o sonho de consumo de qualquer homem que gostaria de ter um carro para fazer todos os outros babar. Isso por causa da teoria do macho dominante, o que não vem ao caso. Essa Lamborghini não era seu objetivo principal. Ele só não queria que os vagabundos da cidade, bem dotados financeiramente, tivessem uma. Ou algum carro do tipo.

Porque era injusto que ele trabalhasse tanto e não conseguisse comprar seu sonho de consumo e aqueles vagabundos, traficantes de drogas em sua maioria, conseguissem sem fazer esforço. Ele desdenhava e dizia 'eles são traficantes e nem pagaram todas as prestações, de que adianta ter um carro assim?' e nós que o ouvíamos, ríamos como se fosse uma grande bobagem, uma grande piada. Mas não era.

É incrível como aquela coisa de sorte não existe. Existe competência. E ele teve de sobra para conseguir um cliente europeu. Ninguém soube como. E como clientes europeus pagam em euro, ele conseguiu ali dinheiro suficiente para um carro novo. Nada de Lamborghini, na revenda automotiva ele comprou um conversível, com capota de lona, porque afinal de contas, ele queria que o vento balançasse seus cabelos estilo John Lennon no começo dos Beatles.

Ah, que sonho era aquele conversível. Certa noite nos reunimos para jantar. Ele foi com seu conversível e não parou de falar das vantagens. O fato de aquele carro beber gasolina mais do que o próprio C.H. bebia qualquer líquido não importava. E olha que C.H. bebia qualquer líquido que não fosse veneno. Sim, ele era maluco, não burro. Janta foi, comida aqui, risos e truco acolá e ele decidiu ir embora. Aí começou a história, longos e vários parágrafos depois.

Ele sentou, como estava frio, apertou o botão e a capota subiu. Porém, notou um pequeno buraco nela. Se chovesse, molharia dentro do carro, mesmo que alguns raros pingos. Eu voltei até a casa para pegar uma fita, para tapar o buraco provisoriamente. Enquanto isso ele achou que poderia tapar com o dedo, e o que era um buraco mínimo ficou do tamanho de um dedo. Não contente, ficou balançando seu dedo dentro do buraco, aumentando-o. E depois foram dois dedos e o mesmo procedimento. Três, quatro e cinco, até que ele começou a sua mão no buraco e começou a aumentá-lo sem qualquer motivo.

Ele ria, nós ríamos junto, perplexos com a cena. Joguei a fita e acertei no buraco. Isso prova o quão grande estava aquele buraco. E o C.H. não parava de mexer naquele buraco, agora com as duas mãos, compulsivamente. Estava estragando a capota do carro conversível mas estava rindo, levando-nos a risos incontroláveis. O Miguel batia a cabeça no poste de tanto rir. Ricardo chorava e segurava a barriga de tanta dor. Eu olhava aquilo e não conseguia acreditar, ria como nunca havia rido na vida. E ele, C.H. também ria. De felicidade. Aquilo era loucura.

Quando ele parou, após ter destroçado a capota, alargando o buraco e rasgando-a quase na sua totalidade, ele encostou as costas e disse:

- Vocês acham que eu faria isso se esse conversível fosse mesmo meu?

- Sim. - responderam todos aos risos.

Ele ficou sem jeito. Sabia que faria aquilo mesmo que fosse seu carro e que uma capota nova custasse uns cinquenta mil reais. Porém, disse:

- Tá, mas esse carro não é meu. Eu peguei ele emprestado daquele europeu para quem eu fiz o serviço. Ele não tinha dinheiro para pagar então me emprestou o carro por uma semana.

- E você não vai ter de pagar o prejuízo? - disse-lhe eu.

- Coloca na conta do Abreu! - gritou um Ricardo ainda cansado de rir.

- Aaaaaaaaaaahahahahahahahaha - voltou a rir incontrolavelmente o Miguel, seguido pelo não citado irmão de C.H. o C.J. e pelo carequinha Vanderlei.

- Capaz teu - voltou a falar o C.H. - eu não vou pagar nada porque vou dizer que foi aquele pela saco lá.

- Qual deles? - voltei a perguntar.

Todos riram. Essa amizade nossa era, e é, muito estranha. No fim, ele não pagou nada mesmo, o europeu se separou e deu o carro para a agora ex-mulher. Ela que ficou com o problema da capota rasgada à partir do dedinho do C.H. .

4 comentários:

Mariana disse...

Continua, ficou mto legal. :D

Anônimo disse...

bati a cabeça no chão de tanto rir
e não tem continuação
porque é história quase real

Taw disse...

hauahuhaua

coitado do europeu...

:P

Rívia Petermann disse...

olá!

Super post!Interessante e tb engraçado...

Acho importante falar do afeto entre amigos,famílias,pessoas do cotidiano,pois atualmente fala-se uase exclusivamente do amor e afeto entre casais.
E,principaplmente,gosto da alusão a amizades estranhas,que nunca se perecem se comparando 2 ou mais,mas que é tão exclusivo que merece alegorias!

Beijos!