segunda-feira, 21 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato VI )


( não sei até onde posso chegar, não sei até onde vou chegar. Nada sei, sinceramente. )

Ato VI

Cena I

( o velho senhor está sentado em um banco na praça, uma folha seca cai sobre seu colo, ele a segura, olha com atenção )

- Não sei porque ainda espero. Não passo de um completo idiota por esperar. São tantos anos, número inferior à minha idade real porém infinitamente superior a idade que sinto ter, por esperar e por não mais acreditar no rumo de minha juventude, na vivacidade de minhas longínquas ações, o amor. Por que te espero ainda? Nada queres me oferecer, nada pode te fazer querer. Nada pode algum dia te fazer olhar-me com um desejo maior, com uma busca incansável como fora a minha por tanto tempo. Não passaria de um triste hipócrita se dissesse ser passado. Se o fosse, estaria vivo, ativo, com vontade de apreciar as folhas antes de secarem e caírem das árvores. Meu passado é presente, aquilo que chamam de amor, que sentia e, como sou tolo, ainda sinto por ti é a minha tristeza, a minha mágoa, o meu amargo motivo para vir até aqui esperar por ti, sabendo que nunca mais verei-te, aqui ou em qualquer lugar, neste ou no mundo dos anjos. Não deves lembrar-te de mim, era tão pequeno perante tua presença perceptível à distância. Era apenas um detalhe na tua rica e indescritível existência. Tua companhia me deu os melhores dias e teus olhares, os melhores sonhos. Que amor estúpido pude alimentar, durante tanto tempo, por alguém que nunca se importou com isso, com minha atenção, com minha voluntariosa presença, com minhas palavras puras. Ou será que algum dia percebeste-me ou tiveste por mim algum movimento acelerado em teu coração? Mais uma vez, velho asno, por alimentar essa possibilidade irreal é que estás aqui, segurando uma folha seca no mesmo lugar. Anos, décadas neste banco para chegar à triste velhice e ainda assim continuar alimentando a esperança dos jovens tolos, apaixonados e, não menos, utópicos.


Cena II

( jovem rapaz encontra com o menino de rua)

- Tão sujo e tão mal vestido rapaz, se tua face fosse limpa, teu semblante de menino prevaleceria.

- Não vejo tanta felicidade em teu rosto, bem vestido, limpo e antes extasiado jovem. Que acontece em tua história?

- O que era sorriso hoje é lágrima, o que era vontade hoje é desânimo. Minha vida perdeu todas as cores pois meu amor partiu para longe de meus olhos e braços. E tu, por que carregas este papel na mão, por acaso há alguma criada com a presença tão suja quanto a tua que quer de ti um sentimento que, por hoje e todo o tempo que te vejo vagando por aí, não podes oferecer?

- Não há maldade em tuas palavras, do contrário faria-te engoli-las. É só um pedaço de papel com algumas letras, nada além disso. É boa educação convidar-te para uma refeição mas, como bem sabes, sou um jovem das ruas e nada posso oferecer-te como consolo senão minha inteira e sincera atenção.

- És sujo e mal vestido, porém com um coração mais valioso do que a maioria daqueles semelhantes a ti em idade e vida humana. Muito me agrada entregar-te palavras mas não sei o que dizer-te, meu coração quase não bate, meus olhos quase não se abrem e minhas pernas se arrastam por este chão manchado como teus pés. Abrindo os olhos não vejo vontade de ver e fechando-os, não vejo vontade de viver pois a lembrança de minha amada e a impossibilidade de tê-la comigo novamente fazem de mim um humano sombrio e vazio.

- Eu entendo.

- O que, como podes entender o que sinto? Por acaso já amaste, maltrapilho?

- Amor é o mais puro e incontável dos sentimentos. A dor também não pode ser comparada pois só conhece sua dimensão quem a carrega. Contudo posso afirmar-te que meu coração bateu tanto quanto o teu, que minha dor foi tão grande quanto a tua e que meus olhos, passados anos, ainda lembram a perfeição do rosto daquela por quem meu coração ainda espera, mas minha mente tenta esquecer para conseguir começar uma nova vida.

- Pois se houvesse motivação em mim, estaria espantado com tamanha descoberta. Preciso procurar um velho senhor para pedir um conselho, tamanha segurança em suas palavras. Venha comigo, acho que também podes ouvir boas palavras e ainda contar-me algo sobre tua vida que hoje não passa de remendo nessas ruas tão mal cuidadas quanto tua vida e meu coração.

( saem )

(fim do Ato VI)

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