quinta-feira, 17 de março de 2011

Histórias do Bandiolo - Ah sim, você( Ato III )


( quando pensa-se entender, há imaginação, suposição. Quando não tenta-se entender, há a simples leitura. Muito mais do que os olhos, muito menos do que a boca. Simples assim. )

Ato III
(o menino de rua caminha pela calçada à beira mar)

Cena I

- Hoje são tantos jovens que reclamam que suas vidas não fazem sentido, que suas decepções não são superadas, que seus problemas são os maiores do mundo, e tudo por que? Ah sim, jovens como eu que, ao contrário de meu eu, reclamam pela falta de moedas para a bebedeira e a jogatina, para as mulheres e outros deleites carnais. Jovens que não importam-se em aprender mesmo com uma biblioteca particular em casa. Jovens que criticam a mãe e chegam a bater no pai. E tudo por que, jovens? Tudo por um sentimento tão sujo quanto esta barata que acabo de amassar com meu pé direito descalço. Olhem para mim, nada tenho diante do que vós tendes e não me vedes blasfemando contra Deus e contra meus falecidos pais. Tenho moedas? Não. Tenho oportunidades? Tampouco. Nada tenho e de nada do que sentis falta preciso. Minha única necessidade é, e por ventura passará anos sendo, descobrir onde ela foi parar.

( o vento sopra e as ondas do mar quebram violentamente. O menino senta, traz os joelhos para perto do peito e os envolve com os braços. )

- Reclamam de tantas injustiças, jovens, sem saber que as verdadeiras injustiças só são descobertas anos depois. Quem diria que a única vez em que pude ver aquele rosto sob o sol seria a última em que o veria? Ah sim, o amor. Os velhos o tratam como lenda utópica, os adultos o desprezam por não saberem dele viver. Os jovens, ah, jovens idiotas, prendem-se à rostos, tornozelos e mãos. Prendem-se à fortuna da família e ao encargo do patriarca. Fosse a vida justa, estaria eu feliz com a minha miséria, e ela ao meu lado, e vós estaríeis em uma miserável vida, mesmo com moedas, bens e roupas.

( entra Michelle, a vendedora da feira, carregando uma pequena cesta com morangos)

- Olá menino, se teu rosto não estivesse tão sujo, pelo tempo e pelo mundo, poderia tentar adivinhar quantas primaveras se passam desde teu nascimento.

- A sujeira de meu corpo concentra-se em meu rosto pois não encontro alegria neste presente para trazer à tona uma face sorridente e limpa. Não te importes com as primaveras de minha vida, não são tantas quanto minha máscara de poeira e sal aparenta.

- Tão só, tão sujo, tão rígido. Como consegues então, com tão pouca idade, desprezar as alegrias de um mundo cheio de vida?

- Da idade da alegria trago tristeza. Do nascimento, a solidão. Apenas meu chapéu e tudo que ele carrega trazem algum consolo às dores de minhas cicatrizes. Que queres tu, tão doce e amável, vindo ao encontro de um fardo pesado que força alguma no mundo é capaz de carregar?

- Insisto, não sejas duro com a vida do mundo e com tua própria. Se deixares de lado por um minuto todo este rancor, sei que perceberás que não precisará mais dele e quem sabe teu fardo fique um pouco menos pesado de carregar e a capa que esconde teu ser de todo o mundo, e de mim, passe a mostrar um pouco mais do que agora. Bom, apenas vim lhe entregar isto.(e entrega a ele a pequena cesta de morangos)

- Sou grato mas não posso lhe pagar sequer o minúsculo talo destes morangos.

- Não lhe cobro nada porém, se quiserdes mesmo recompensar-me, faça o que te disse, nem que seja com uma destas tantas e tão monstruosas cicatrizes que insistes em carregar para manter distante de ti todos que enviam para tua vida a fim de completá-la.

(Michelle sai, o menino fica segurando a caixa de morangos, perplexo. Segundos depois, volta a olhar para o mar, e sorri)

Cena II
 (Anabelle e seu pai estão em casa, arrumando as malas para viajarem)

- Sejas breve, Anabelle, nosso trem está na estação esperando nossa partida. Lembre-te que teremos uma vida nova agora que serei delegado em nossa nova terra.

- Peço vossa permissão meu pai para, provavelmente, pela última vez em minha vida ver meu amado.

- Jamais te daria tal permissão, contudo, como será a última vez que poderás vê-lo, serei compassivo. Fico feliz por saber que nunca mais verei-o diante dos olhos, aquele jovem não é digno de tua presença.

- Vos respeito meu pai e discordo de vossa opinião. O amo com todas as minhas forças mas não posso ir contra tua vontade, sabendo vós muito bem porque decidi ir consigo e não lutar contra todo amor que tenho por meu amado.

- Depressa, antes que eu mude de ideia.

Cena III

( Anabelle está na frente da casa do jovem, ela grita por seu nome )

- Meu amor, venha depressa!

( o jovem abre a porta e fica perplexo ao vê-la ali )

- Eu já lhe disse que não deves vir a minha casa, esta parte da cidade é muito perigosa e...

( subitamente, Anabelle o interrompe com um beijo )

- Nunca esqueças que te amo hoje, que te amei ontem e que te amarei amanhã e por todo sempre.

(ela vira-se e sai correndo. O jovem, desesperado e ainda sem assimilar o que acontece, começa a correr atrás dela)

- Bela Anabelle, dona de todos os sonhos que brotam em minha mente, espere, me diga o que está acontecendo.

- Pare de me seguir meu amor e fique com nossa última lembrança.

( um policial pensa ser o jovem um ladrão e, rapidamente, o derruba no chão. O jovem grita mas o policial tapa sua boca e o algema. Anabelle continua correndo sem olhar para trás, chorando)

(fim do Ato III)

Um comentário:

Rebeca Postigo disse...

Aguardando o Ato IV...

Bjs