domingo, 29 de maio de 2011

Histórias do Billi J. - Em resposta, adeus passado


"Amigo Manfio.

Li seu último e-mail e fiquei positivamente surpreso. Você está conseguindo se expressar com maior clareza e mostrando muito mais o que está acontecendo na sua vida, assim é muito mais fácil entender e tentar ajudá-lo embora, por exemplo próprio, saber que nesses casos a ajuda alheia acaba muitas vezes restringindo-se ao simples fato de demonstrar preocupação.

Tivemos uma adolescência parecida e depois de ter concluído uma das minhas metas para esse ano, sei que posso lhe mostrar um bom exemplo. Como você, enfrentei pessoas que de várias formas atrapalharam a normalidade do desenvolvimento da minha personalidade e me impuseram dificuldades que aos poucos precisei superar para conseguir ter uma paz com meu passado. Sei que com você também acontece isso e me alegra saber que você está conseguindo deixar tantas mágoas e outros maus sentimentos, dentre eles a preocupação com o que não foi feito, para trás. Transcreverei uma carta que escrevi há duas semanas para sete daquelas pessoas que tanto tentaram, e fizeram, para que não houvesse tranquilidade na minha vida. Não acho que seja o seu caso mas é uma boa maneira de ser direto e, com nobreza e serenidade, expurgar da vida o que tanto nos incomoda ou, no meu caso, incomodava.

Escrevi para eles assim: 
"Saudações, antigos colegas. Não escreverei muitas palavras pois sei que o tempo de vocês é tão escasso quanto o meu para coisas que não lhes importam. Não sabem o quanto tive de lutar para superar as provocações, as humilhações e tantas outras atitudes ridículas que tiveram para comigo nos muitos anos em que dividimos a mesma sala. Lembro de cada uma e por muito tempo alimentei um sentimento de raiva para com todos vocês. Nunca fez diferença para vocês, mas para mim foi sempre um fardo pesado que tantas forças tirava de mim. Com o passar do tempo, trabalhei em cima disso e hoje posso dizer que sou livre de todas as mágoas e de toda a raiva que por tanto tempo guardei. Vocês não são mais nada e suas lembranças me preocupam tanto quanto um gato morto preocupa um rato. Demorou algum tempo mas consegui me desprender de todas aquelas lembranças de momentos, terríveis para um adolescente em formação, que passei próximo a vocês. Pela Renata, por meus pais e pelo bom Deus consegui ter forças para sobreviver e nunca chegar ao mesmo nível de vocês. Hoje, ao lado dela, deles e Dele, sou feliz e tenho liberdade para dizer que a parte da minha história que vocês escreveram, por um motivo que não compreendo bem, não tem relação alguma com o presente. Que suas vidas sejam boas e seus filhos não sigam seus exemplos. No mais, tenham saúde e felicidade. Sendo insignificantes ou não para vocês, são sinceras minhas palavras. De alguma forma, agradeço por terem me fortalecido tanto, apesar de tudo. Adeus, passado."

Talvez nem cheguem a ler, mas escrever e mandar para os endereços certos me fez bem. De verdade, muito bem. Acho que ao tocar nisso e não sentir-se mais preso, você consegue uma liberdade muito grande do que tanto lhe prejudica. E isso é tão bom meu amigo. Você está quase lá, pelo que percebo em suas palavras, isso me alegra. 

Quanto ao mais importante do que você escreveu-me, tenho que lhe dizer que você, como eu por algum tempo, e como a maioria das pessoas, errava ao generalizar um problema como o problema, uma dificuldade como a dificuldade. O pior disso é perceber, depois, que apenas atrapalhamos o andar natural das situações. Colocamos mais peso nos problemas e perdemos força para reconstruirmos nosso caminho. Não, não estou falando de otimismo e todas aquelas baboseiras afins. Estou falando de uma responsabilidade que, inconscientemente, carregamos por querermos sempre acertar, por buscarmos sempre a melhor das pessoas e por entender que não merecemos o ruim. Fica a pergunta, se não merecemos o que é problema e dificuldade, o que invariavelmente se tornará aprendizado, merecemos de verdade o que temos de bom em nossas vidas?

Sem tentar ser quem não se é e conseguindo entender que ninguém é perfeito, e você nunca o será, tem-se mais tranquilidade para ser pontual em possíveis mudanças e, com uma grande dose daquela loucura sincera, esperar pelo que há de vir. Só nunca deixe de lado aquilo que é verdadeiro em sua vida e muito menos aquelas pessoas que você sabe que são indispensáveis para você, mesmo que às vezes você se sinta um tanto esquecido. No fundo você sabe, e deve tirar essa ideia da mente e fazê-la superar o desânimo da solidão, que há pessoas que se importam e querem saber de você.

Parece que você me escreveu depois dos piores dias dessa fase, o que indica que ela já passou, isso é bom. Como também é bom ver que há algumas mudanças em andamento. Buscar a verdade, a justiça e a sinceridade no dia-a-dia deve ser uma luta incansável para nós. Sim, também estou tentando evoluir mais, deixar para trás hábitos que nada acrescentam na minha vida. Algumas pessoas não entendem essa vontade de melhorar, de crescer e de deixar para trás o que não é bom. Nunca chegaremos à perfeição mas felizmente, e sei que falo por você, nunca nos conformaremos com o que de errado há conosco.

Torço para que os condicionais alheios dos quais depende grande parte da sua felicidade venham cada vez mais para perto de você, dando-lhe a oportunidade de começar a escrever, de uma vez por todas, uma história tão espontânea, conturbada e, claro, engraçada, quanto a minha.
Grande abraço. Continue escrevendo." 
Ass. Billi J.

"...let the wind blow through your hair, be nice to the big blue sea..."

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