domingo, 1 de maio de 2011

Histórias de uma vida não vivida(33)


*Certa magia há no que se imagina e, em verdade, está tão longe. É mágico como um piscar de olhos mas menos do que a magnitude que um olhar pode alcançar. É incrível e um tanto paranoico pensar em tudo que se vê e à partir disso criar alguma magia. Há a criatividade, a inspiração, a espontaneidade. Nada disso me pertence há tempos e tempos. Só me restam as palavras e alguma teoria mental, baseada livremente em ideologias, valores e desvalores. O que uso ou deixo de usar é problema meu mas, para quem não conhece, quem aqui escreve cria, sem magia, uma guerra a cada desvalor potencial. Tanto faz aqui, tanto faz agora, estou tão longe que nem mesmo um olhar, frio e parado, de lembrança ou imagem projetada,  pode fazer com que perceba em olhar tudo aquilo que nunca deixou de ser mágico.

- E por que não?

- Está chovendo, não temos carro e muito menos roupas que ao menos iludam que somos ricos.

- Só?

- Imagina chegar em um lugar onde muita gente vai para fazer festa. Todos e todas bem vestidos, aparentemente muito belos, chegando de carro e nós, do jeito que somos, desarrumados e... onde deixaríamos os guarda-chuvas?

- São muitas perguntas para uma coisa tão boba. O importante é escrever uma história.

- Você tem problemas. Escrever história tudo bem, fazer fiasco é o problema.

- Sabia que você iria.

E foram. A chuva caía incessante, em ritmo alucinante e era impiedosa com eles. E daí?

- Chegamos, então. O que fazemos com os guarda-chuvas, gênio?

- Fecha ele, sacode um pouco e coloca o cabo dele no bolso.

- E andar com ele para fora da calça???

- Você é esperto! Hahaha

Prenderam os guarda-chuvas nos bolsos e, com eles à mostra, entraram na festa.

- Estão olhando para nós, somos ridículos.

- Agora mais do que nunca... hahaha

- Não gosto quando você me faz ser ridículo. Já é difícil ser feio, pobre e gordo, por que ser mais ridículo ainda?

- Pare de reclamar, vamos nos divertir, aposto.

Andaram por aqui e por ali, passaram no bar, não compraram nada para beber por falta de dinheiro, voltaram ao centro, ou o que imaginavam ser o centro do ambiente.

- Que tal aquelas?

- As ruivas?

- Não tinha percebido que eram ruivas... ah não, não são aquelas. Um pouco mais para a direita, conversando uma de frente para a outra.

- Morena e castanho claro, bochechas rosadas e maquiagem azul?

- É.

- E como você acha que conseguiremos nos aproximar delas?

- Vem comigo.

- Não, você não tem noção do que pode acontecer.

- Mais do que ouvir um 'saiam daqui seus idiotas', ser atingido por um copo daquela bebida que elas estão tomando e depois ter que fugir de dois copos voando na direção de nossas cabeças, bom, mais do que isso não vai acontecer.

- E namorados grandes, fortes e que podem arrancar nossas cabeças?

- Você pensa que elas, conversando sozinhas, tem namorados fortões?

- E por que não?

- É mais fácil que estejam uma com a outra.

- Uma com a outra... ah, acha que elas podem ser...

- Vamos descobrir.

Passos dados, alguns com confiança e outros sem, com medo do ridículo. É incrível o que o medo de ter um vontade negada pode fazer com uma pessoa.

- Boa noite meninas.

Elas não responderam.

- Desiste, elas não vão querer nada conosco.
- Fica gelo. Bom, eu e meu amigo estávamos olhando e... querem saber, não sou bom com as palavras. Somos pobres, feios, não temos carro, estamos com um guarda-chuva molhado preso ao bolso da calça e ainda assim achamos que podemos oferecer-lhes algo.

- Você tem problemas? Elas vão nos ridicularizar!

As duas trocaram um olhar.

- Você tem problemas, mas gostei da abordagem. Vamos conversar um pouco então.

(cochicho) - Você é um gênio cara, eu te amo!

- Hahaha, seja você mesmo ein...

E foram.

Conversa daqui e dali, as duas não se desgrudaram. Nada acontecia. Um ria, o outro, apreensivo, tentava mudar o rumo da conversa sempre para algo mais íntimo, mais pessoal, menos conversa, mais ação. Tentava em vão. O primeiro, mais confiante, não falava nada com nada, não tentava agradar, ria muito mas pouco sorria.

Quase quatro horas da manhã.
- Meninos, precisamos ir.

- Mas por que?

- Elas precisam ir.

- Você está louco? É a primeira mulher bonita que conversa comigo sem se preocupar com a idade dos meus tênis, com o meu porte físico fora dos padrões sociais, com as minhas histórias egocêntricas. Não posso deixar ela ir assim, sem nada mais.

- Boa noite meninas.

Elas saíram.

- Você é idiota, estragou a minha noite, eu estava quase chegando lá.

- Não, você não estava. E, se você parar para pensar, vai ver que quando chegamos aqui eu disse uma coisa. E, ou elas estão agora rindo muito da nossa cara ou elas... bom, elas estão rindo de nós de qualquer jeito. Pelo menos uma delas, já que eu não tentei me aproximar com aquela conversinha nerd de 'posso me transformar no Brad Pitt com meus conhecimentos de Photoshop' hahaha

- Vocês estavam prestando atenção em mim?

- Você é ilário, cara, muito ilário. Elas riram, nós vamos rir. História para contar, entende?

- Elas eram?

- Bom, sendo ou não, você também tinha razão. Elas nunca iriam querer nada conosco. Principalmente depois que eu ri muito quando ela disse que acreditava em fada do dente e você disse para a outra que a sua avó tem seis dedos no pé direito.

- Eu nem lembro de ter dito isso.

- Sinto em dizer mas, você disse. Cara, você é ilário.

"...and nobody knows like me.."

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