terça-feira, 3 de maio de 2011

Histórias de uma vida não vivida (34)


*Se escrevesse minha inútil autobiografia e colocasse-a em um roteiro de filme, seria uma comédia com tendências ao drama e com um amor no final das contas. Não cheguei ao fim, mas sonhar não custa nada. Agora, se fosse para escrever uma história e depois vivê-la, seria uma comédia mesmo o que escreveria, porque amor é uma coisa que, quando planejada, é superficial, tendenciosa e torna-se obrigação com o tempo. Amor é história escrita espontaneamente, ele deixando sua vida com felicidade ou tristeza, não importa, o importante é sentir. E ser sincero nisso.

- Vai lá, puxa conversa com ela.

- Mas e eu vou dizer o que?

Então eu tomei o teclado das mãos dele, e mandei um 'oi' bem simples via msn para ela. Ele a olhava com cara de bobo, sempre falava sobre ela, como era simpática, legal, divertida, como gostava de sair para dançar, tudo como ele. Era a versão feminina dele, só que bonita, muito mulher e sem timidez alguma. Sempre achei que os dois formariam um casal muito legal.

- Você é idiota, o que eu digo agora?

- Pergunta se ela tá bem. Seja você mesmo, não é tão difícil conversar por msn, você pode demorar bastante para responder e dizer, na cara dura, que estava na cozinha ou dizer a verdade que, no caso, não foge de um 'sou um bobalhão e estou com meu amigo tentando mostrar para você que sou muito além de um bobalhão com quem você ri ocasionalmente'.

- Desculpa, ela perguntou se eu estou bem então não ouvi o que você disse, repete.

- Não precisa. Não vai responder?

- 'Estou bem, e vc?' foi só o que eu consegui escrever.

Ele não era bom com português, nem com matemática, nem com história ou geografia. Mas era bom em outras coisas. Bom, eu sempre acho que as pessoas são boas em alguma coisa.

- Bom, tá evoluindo.

- E agora eu não sei mais o que dizer, ela vai pensar que eu sou um trouxa. Ou melhor, vai confirmar o que a minha cara diz ao mundo.

- Não se estresse, é só uma conversa.

- Ela é a louca mais legal que eu já conheci, não é só mais uma conversa e ah, que droga, queria ser que nem aqueles caras que levam as gurias na conversa sem pensar muito.

- Então não pensa, só escreve por impulso.

- Aí eu vou conseguir ser mais idiota do que eu sou.

- Tá, chega, o que ela perguntou agora?

- Tá cego?

- Tá escuro aqui, não consigo ler direito e não sou eu quem usa óculos.

- Ela disse que me viu esses dias contigo. Que merda, se eu estivesse sozinho poderia passar uma boa impressão.

- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.

Eu fui desaparecendo para ele. Aquela conversa realmente foi fluindo. Abri meu livro e comecei a ler. Ele falando com ela, eu tentando aprender alguma coisa sobre a teoria dos momentos fletores. Ele aproximava cada vez mais o rosto do monitor. Liguei a outra luz do quarto mas ele continuava aproximando a mente. Estava como um daqueles macacos primitivos de tão pendido para frente. Hahaha, ele sempre foi engraçado. Resolvi me intrometer e perguntei:

- A quantas anda?

- Pensei que tivesse morrido já que não tinha falado mais nada.

- Não queria atrapalhar. Tem um resto de churrasco na geladeira, tá com fome?

- É carne, estando com fome ou não, eu quero. Por que ainda não tá pronta?

Eu ri. Coloquei a carne no forno para esquentar e voltei à sala do computador. Estávamos sozinhos em casa e parecia que a minha presença, na minha casa, era indesejada. Parei e fiquei olhando, não o que ele digitava e sim o que gesticulava. Seguidamente ele escrevia uma frase, apagava, ajeitava os óculos com um dedo, escrevia outra frase, recostava-se na cadeira, apagava novamente a frase, ajeitava os óculos de novo, coçava a cabeça, escrevia uma frase e fazia um gesto com os ombros de quem diz 'ah, vai isso mesmo, tanto faz' e então batia com força na tecla para enviar a frase.

Certa hora virou-se para mim, com uma expressão muito séria.

- Vem aqui ler o que ela escreveu.

Me aproximei.

- '(tatata)... sempre achei você um cara legal mas também um pouco retraído quando estava por perto. Engraçado, quando ouço a sua irmã falando de você e mostrando vídeos de você e seus amigos, sempre vejo uma pessoa super descontraída. Por que quando eu estou com vocês, você fica quase como um morto vivo?'. Tá, qual o problema?

- Qual o problema? Se eu digo a verdade ela não vai mais falar comigo porque vai achar que eu só conversava com ela porque queria me aproximar. Se eu digo que é mentira, que só ela acha isso, pode se ofender e não falar mais comigo ou ficar estranha. Quer mesmo me perguntar qual o problema?

- Olha, diz para ela que é impressão dela, assim você fala a verdade e omite a verdade ao mesmo tempo.

- O que é omitir?

- Esconder.

- Ah, mas isso também é mentir.

- Em partes. Quer começar uma discussão semântica?

- Só se você me explicar o que é sem... seman... como é?

- Semântica.

- Isso, semântica.

- Então?

- Então deixa para lá a semântica, diga para ela o que você acha certo dizer. Só não vai se declarar via msn né?!

- Seria mais fácil, pelo menos não ficaria com cara de idiota e com uma vontade de cagar uma bigorna por ter de falar o que eu penso dela e o que acontece comigo quando ela está por perto com tudo aquilo que ela é.

- Isso é bonito. Você é um cara com sentimentos.

- Cadê o churrasco?

- Espera mais um pouco. Vai dizer o que então?

- Não sei. Espera. Ela tá dizendo que vai sair mas que vai me cobrar a resposta. É a solução para os meus problemas.

- Não!

- Não?

- Diz para ela esperar.

- Tá.

Ele escreveu e mandou. Como quem se arrepende, me olhou com cara de peixe morto e perguntou:

- Por que eu fiz isso seu idiota? Agora ela respondeu que vai esperar então eu dizer por que eu sou um idiota e...
- Chega de drama.

- Drama? Você vai ver o que é drama quando a porcaria de impossível chance que eu poderia ter de me aproximar dela vai ir para o fundo do poço junto com o coração que eu vou atar na outra ponta da corda.

- Dramático.

- O que eu digo, gênio e profundo conhecedor das mulheres?

- Hahaha.

- Esqueceu que você tá em situação pior do que a minha, galã?

- Se eu fosse galã talvez tudo estivesse resolvido. 

- Hahahahahaha.

Ele riu mesmo.
- No final das contas, convida ela para ir comer alguma coisa agora.

- Eu disse que estava aqui conversando com você.

- Me leva junto, eu arrumo uma desculpa e saio bem logo.

- Desculpa?

- Por que?

- Desculpa?

- Desculpo... mas por que?

- Você é gênio.

Ele escreveu e com uma felicidade imensa mandou. Sorriso de criança. Que bom vê-lo assim.

- Tá, só tem um problema.

- Qual?

- Se você vai ir jantar com ela...

- ... e você vai junto...

- Sim. ... o que faremos com o churrasco?

- Isso é o de menos, pegamos um garfo, um guardanapo e vamos comendo no caminho.

- E jantar depois?

- Eu digo que estou de dieta.

- Afeminado.

- Eu digo que já jantei.

- E para que convidá-la para ir jantar então?

- Eu sou uma topeira mesmo.

- Tá, pegamos o churrasco e vamos comendo. Depois dividimos alguma coisa.

- Ah, a amiga dela vai junto.

- Amiga?

- É, aquela amiga dela que você conhece bem, a...

- ...a ...?

-É, se ferrou.

- Espera, vou tomar um banho.

- Mas vai rápido seu idiota que eu não quero deixá-la esperando. Por falar nisso, já desligou o forno?


"...Because the life I think I'm trying to find is probably all in my mind..."

3 comentários:

Maria disse...

Hahahahahaahahahahaha
eu ri aqui
Só de imaginar tu e o Ricardo na frente do teu computador falando essas coisas.

Tá, não precisa ser o Ricardo, nem o teu computador, pode ser o Fão ou o Miguel, mas o fato é que texto ficou divertido ^^
hahahahaahaha

Mulher na Polícia disse...

A história tá muito divertida, Vini... Teus textos prendem a atenção do leitor, e a gente sempre lamenta quando acaba...

Sempre muito bom passar por agui.
Um beijo!

Anônimo disse...

adorei teu site
por conhecidencia ou nao
sou do rio grande do sul,bem proxima da tua regiao,me divirto muito com teu blog,se tu for assim,como e´virtualmente,transmite muita alegria,e expontaniedade ..gostaria muito de te conhece-lo...
tem namorada?
konrad.isadora@gmail.com