quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Histórias de uma vida não vivida (51)


*Quando, além da finalização de uma transitoriedade reflexiva, há uma novidade, tão semelhante e ao mesmo tempo tão diferente de antigas novidades, chega-se a um ponto onde pouca coisa pode ser dita, quase nada consegue ser expresso e nada tem o poder de tirar essa mistura íntima, de sensações e sentimentos, do lugar onde está. Como se fossem abelhas que saíssem de suas colmeias em busca de alimento para o bem comum e voltassem para outras colmeias, levando, portanto, o que encontraram para outro lugar. Mas jamais trabalham por si. Da mesma forma que abelhas não trocam de lugar e, mesmo se o fizessem, estariam cumprindo seu papel caridoso, o que hoje se manifesta surge no mesmo lugar onde algo semelhante surgiu, algumas outras vezes – não importando terem sido muitas ou poucas -, é bom, naturalmente bom. Puramente bom. Em essência, em verdade. Parecido, sim, porém jamais igual. O que é novo, além de estar no tempo presente, é ainda mais intenso e difícil de ser explicado e traz consigo consequências, ao menos por enquanto, maiores e facilmente visíveis. Pouco se deve dizer do que passou pois, por obra de uma novidade estranha e familiar, simultaneamente, as palavras parecem fugir... por medo de não conseguirem cumprir o seu papel da mesma maneira que abelhas cumprem os seus.

Tarde de inverno, o Sol recém escondera-se atrás da colina e eu estava lá, olhando para aquelas pessoas que caminhavam, reclamando do frio. Ora, por que reclamar de algo que não se pode evitar ou mesmo controlar? Meios artificiais agem em locais específicos e, de uma forma ou outra, não modificam o todo. Pouco importam-me essas reclamações, apesar de estar sentindo o meu calor fugir de mim levado por um vento fraco, porém impiedoso e decidido.

Vem-me à mente tantas coisas, todas sem muito nexo e desconexas entre si. Redundante? Talvez. E tanto faz. As minhas memórias confundem-se com sonhos, uma vez que poucas vezes algo que não pudesse ser realizado existiu em minha mente. Sendo sincero, apenas uma vez o que eu queria do futuro não veio para o presente e, mesmo isso, acabou ficando no passado. Entenderam agora o porquê da confusão?

Então.

Era uma novidade ter 17 anos. Caramba, como tudo era diferente, como qualquer olhar parecia manifestar uma sensação intensa e... como tudo vinha abaixo segundos após, por qualquer motivo tão infantil quanto a sensação que, sem exceção, era seguida de imaginação. Meus pensamentos não eram transitórios em locais, datas, climas ou roupas. Eram transitórios apenas em pessoas. Quem estava comigo e o que estávamos fazendo.

Certa feita sonhei que estava com um amigo jogando... que vergonha dizer mas... sonhei que estávamos jogando  dominó. Está perguntando-se por que é vergonha jogar dominó? Caramba, você não sabe nada da vida mesmo, ein?! Haha.

Bom, voltando aos sonhos num geral.

Todas as vezes em que, nos meus 17 anos, por motivos diversos, sentia falta de pessoas, mesmo estando cercado delas, procurava olhar para uma guria e imaginar como seria, sabe, se ela e eu... bom, você entendeu. Não lembro qual era o lugar, o clima, a roupa, a data ou quanto dinheiro havia na minha conta do banco. Só lembro que estava de frente para a pessoa, ela sussurrava algo, eu respondia da mesma forma e... durante o beijo, a imaginação cessava. Era como se perdesse a graça, a vontade de que aquilo acontecesse e, você chamando-me agora de retardado ou não, sim, minha carência era satisfeita com imaginações... que você pode chamar de sonhos. Bobos, repetitivos e sem graça porém, não negarei, era divertidamente estranho.

Tanto tempo passei nessa transição de criança para adulto, as sensações foram rareando e os sentimentos passaram a ter um valor inestimável, entretanto, as luzes da praça começam a se acender e lembro que, hoje, anos depois daquela infantilidade imaginativa, eu...

Estou aqui, imaginando. Certo, você sabe que estou, de fato, sonhando.

E ela é... Difícil dizer.

É até engraçado dizer que a maturidade modificou os lugares, os climas, as roupas, os contextos e até o dinheiro no banco, e os modifica a cada instante desse sonho que parece ser o mesmo porque... a pessoa é a mesma. São semanas assim, pensando, lembrando, imaginando, verdadeiramente sonhando com a mesma pessoa. Com o mesmo sorriso. O mesmo olhar. A mesma voz em palavras diferentes após frases diferentes minhas. Às vezes tenho a impressão de que posso tocá-la lá nos meus pensamentos.

Há tempos não sonhava. Com qualquer coisa. Há mais tempo ainda não sonhava com alguém porque já faz muito tempo que...

... ninguém tem o poder, a capacidade de liberar em mim doses maciças de espontaneidade.

As luzes estão acesas, o inverno começa a mostrar-se em um vento que, cada vez mais, carrega o meu calor consigo. Já não há ninguém reclamando, caminhando...

... só há alguém aqui, nessa praça, pensando.

Ou melhor, sonhando.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vc me inspirou a algumas reflexões necessárias... obrigada!
Lia