quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Histórias do Billi J. - O fim em palavras ( I )

- Então, por que está aqui?

- Terminei um relacionamento há uma semana e não quero ficar pensando nesse fim.

- Porque isso machuca? Porque você está arrependido de algo que fez? Porque não quer lembrar do que ela lhe fez?

- Não. Porque não quero pensar no fim.

- Como acha que posso ajudar-lhe?

- Você é que deve saber.

- Conte-me então sobre esse relacionamento. Quem era ela, o que gostava, como se conheceram, quanto tempo de relacionamento, enfim, conte o que quiser contar sobre.

- A Renata era, e é, a mulher mais linda que já vi em minha vida. Até hoje, pelo menos. Ela é inteligente, simpática, sorri de maneira espontânea, está sempre tentando ajudar, ela é original, gosta de boas músicas, de arte, me ama muito. Nos conhecemos na infância, por anos fui apaixonado sem conseguir demonstrar. Começamos a namorar, ela ficou anos longe, quando voltou para cá voltamos a namorar... não sei, o final do relacionamento é estranho, não faz sentido algum.

- Por que?

- Porque amo ela da mesma forma que sempre amei. E ela também.

- Então por que terminaram?

- Escolhas. Ela decidiu voltar para Londres, eu decidi ficar. Foi um acordo, entre aspas, pacífico. Não brigamos, discutimos e nem existe aquela coisa de 'relacionamento desgastado', entende? Terminamos porque... sabe, jogadores de futebol não sabem a hora de parar porque em vez de pararem depois de conquistar um título importante, sempre querem mais e então... acabam se aposentando no ostracismo.

- Então vocês terminaram o namoro agora para evitar que um desgaste pudesse afastá-los para sempre?

- É por aí. Percebemos que, de alguma forma, tudo o que vivemos foi... tudo o que poderíamos ter vivido e, ao invés de repetir as coisas, uma por uma, preferimos uma nova história. Sozinhos.

- Ainda conversa com ela?

- Todos os dias, somos amigos.

- Amizade colorida?

- Ela está em Londres e eu aqui, que tipo de cor pode haver nessa amizade?

- Ouh, essa doeu. Espere um pouco.

- Por que?

- Preciso recolher meus dedos que acabou de cortar. Haha.

- Gostei do seu senso de humor, mas estamos perdendo tempo.

- Como era o relacionamento de vocês?

- Ótimo. Somos pessoas diferentes, bastante diferentes porém, levamos a sério que um devia completar o outro. Nossas diferenças mantinha-nos indivíduos porém sempre fizemos o possível para estar em unidade, como um casal deve estar.

- Pensaram em casamento?

- Claro, sempre. Meu sonho é ser pai. Inclusive nossos filhos chamar-se-iam  Carlos e Ana.

- E isso não seria novidade suficiente para o relacionamento?

- É uma boa pergunta... mas não.

- Por que?

- Porque percebemos que ela não nasceu para ser mãe.

- Perceberam?

- Ela percebeu e conversou comigo sobre. Pensei bem e vi que ela tinha razão.

- Por que acharam isso?

- Não há muitas explicações, ela nunca sentiu-se bem com crianças e... elas acabariam responsáveis pela nossa união. Chegaria um dia em que...

- ... a paternidade não seria forte o suficiente para segurar um casamento.

- É por aí.

- Como se sente com isso?

- Relacionamento, fim do mesmo, Renata ou filhos?

- Fim do relacionamento.

- Estou... não sei.

- Como?

- Não sei dizer o que sinto. Amo-a demais e isso embasa minha alegria por saber que ela está bem, que está correndo atrás de um dos seus sonhos, não consigo ficar triste com isso.

- Sente-se aliviado?

- Desde que tinha, sei lá, seis anos de idade, eu olho para ela e vejo... bom, não é o que eu vejo.

- É o que você sente?

- Não só. Eu poderia descrever como ela é, todas as nossas conversas, os momentos, poderia falar e, acredite, eu falaria sobre ela por semanas ininterruptas entretanto...

- Entretanto...?

- Nada disso vai conseguir dizer o que o amor que sinto por ela fez em mim. Não no que eu fiz, escolhi, enfim, mas no que eu sou.

Silêncio.

- Continue.

- Tudo o que eu poderia alcançar, como indivíduo, foi, de alguma maneira, por causa dela.

- Para agradá-la? Para conquistá-la? Para mantê-la por perto?

- Não.

- Então?

- Ela sempre provocou sentimentos bons em mim. Sede de conhecimento, vontade de amar a todos, enfim, só bons sentimentos, só boas coisas. Ela despertou o que de melhor poderia haver em mim.

- Durante todo esse tempo?

- Sim.

- Estamos falando de quantos anos?

- Eu a conheci quando tínhamos... sei lá, seis anos. Então são uns... 20 anos, por aí.

- Contando uma pausa...

- Que não interferiu no que eu sentia.

- Se o seu sentimento não muda, se não está decepcionado... por que veio até mim?

- Queria que me ajudasse a entender isso.

- Isso?

- Por que estou insosso diante de tudo isso.

- Defina: insosso, nesse caso.

- Faço o que preciso fazer no trabalho, saio com meus amigos, assisto futebol, minha rotina não se alterou à exceção do tempo que passava com ela.

- Onde entra o insosso?

- Em tudo. Nada do que tenho feito gera algum tipo de satisfação.

- Nem mesmo hobbys?

- De certa forma.

- O que você fazia que lhe dava maior satisfação?

- Sempre gostei de esportes. De escrever. De desenhar. A Renata me ensinou a gostar de dobraduras e pintura. Gosto de teatro, cinema, enfim, artes num geral.

- Tem feito isso com frequência?

- Sim, mas nada com muita vontade. Faço porque sei que é bom, que sou bom nisso, que gosto... e não porque isso está me satisfazendo ou completando, de alguma forma.

- Já pensou que pode ser só uma fase?

- Eu sei que é só uma fase.

- Por que não espera ela passar, então?

- Seria uma boa opção...

- Se...?

- ...se eu não tivesse vontade de me redescobrir.

- Por que acha que precisa fazer isso?

- Eu não preciso, mas tenho vontade.

- Agora entendi onde entro nesse seu... "problema".

- Talvez. Há algumas coisas do passado também que ainda incomodam-me.

- Como por exemplo?

- Raiva guardada por anos.

- Isso, de algum modo, ainda o incomoda?

- Eu disse que está guardada, não que está à flor da pele.

- Por que não a deixa guardada, então?

- Não é um bom conselho. Sinto como se estivesse à beira de explodir.

- Por que?

- Porque é muita raiva guardada, reprimida.

- Por que reprimiu tanta raiva assim?

- Eu disse antes, a Renata despertava o que havia de bom em mim e a tolerância, por causa dela, era algo necessário uma vez que ela não merecia, sob qualquer hipótese, ouvir qualquer tipo de reclamação minha.

- Ela reclamava de alguma coisa com você?

- Sim. Várias vezes por semana até.

- E ainda assim você não sentia vontade de fazer o mesmo?

- Estamos falando de períodos de tempo diferentes. A minha raiva fora guardada antes de namorarmos.

- Não entendo.

- Nunca quis que ela me visse com raiva. Até porque, não levaria a nada além de risos...

- Rir é bom para liberar raiva.

- Não no meu caso. Eu era magrelo, seco, fraco. De que adiantava ficar com raiva e, na tentativa de extravasar, acabar apanhando mais ainda?

- Você apanhou quando era criança?

- Mais subjetivamente do que literalmente. Hoje chamam isso de bullyng.

- Por que acha que haverá um momento em que não conseguirá mais controlar toda essa raiva que diz ter?

- Porque não há mais a Renata por perto para que eu tenha motivos para controlar.

- O que irrita você?

- Se soubesse, não estaria tão preocupado pois poderia facilmente preparar-me para determinada situação de raiva em potencial.

- Do que você não gosta?

- Eu disse antes que estou tentando me redescobrir. Coisas ruins não faziam parte da minha vida enquanto a Renata estava comigo. Eu relevava tudo.

- Agora não sabe como lidar com isso.

- Entendeu o que estou fazendo aqui, mesmo, não é?

- É o meu trabalho mas...

-... o que?

- Bom, pelo que você havia me dito, no começo da consulta, parecia ter a ver, diretamente, com o fim do relacionamento com a Renata.

- E tem mesmo. De um jeito diferente.

- Entendi, mas...

- O que?

- Sua hora acabou.

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