sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Histórias do Bandiolo - E o que te importa?

Estavam aqueles senhores conversando. Senhores e senhoras de idade, diga-se de passagem. A vida, o tempo, a política, o mundo e histórias antigas. Conversavam sobre qualquer coisa. Afinal de contas, o tempo para eles não era mais nada, não tinham pressa nem afazeres. Aposentados, aproveitando as companhias uns dos outros, e mais nada.

Quando uma das senhoras presentes desmaiou, indo ao chão como se esse fosse um macio cobertor, todos ficaram apavorados, principalmente seu marido, um senhor muito estranho, o que agora não vem ao caso. Logo tentaram levantá-la, abanaram, sopraram e tentaram reanimá-la, reacordá-la ou qualquer coisa que pudesse dar-lhes a certeza de que estava viva.

Mas nada.

Até que alguém teve a brilhante ideia de jogar um pouquinho de água em seu rosto, o que deveria trazer alguma consequência positiva. Foi então a outra senhora presente até a cozinha da casa, que era do casal cuja mulher havia desmaiado, mas logo foi seguida pelo dono da casa, o estranho homem já citado, que disse:
-Deixa que eu pego a água, se não você acaba enchendo o copo e isso não é preciso, porque a água é cara, temos que economizar.

Sem entender direito, mas preocupada com sua vizinha, amiga, ou o que quer que seja, deixou que o homem pingasse algumas gotas em um copo e atirasse no rosto da mulher.

Ela abriu os olhos. Alívio geral. Mas quando disse 'me levem para o hospital porque estou mal', todos voltaram a ficar preocupados. Então carregaram-na até o carro dos visitantes, já que ele estava supostamente mais próximo da rua, ou seja, demoraria menos tempo para sair dali. Os visitantes sabiam que ele era mão de vaca e não queria gastar gasolina, mas nada disseram, pois eram generosos e achavam aquilo engraçado.

Antes de saírem, o dono da casa voltou até ela e pegou uma grande quantidade de folhas, que pareciam ser documentos, jogando-na dentro da bolsa da sua mulher, que iria no banco da frente. Sem saber o que eram aqueles papeis, o visitante ligou o carro e partiram.

Era uma subida longa, mas mesmo assim a mulher que havia passado mal estava com a cabeça inclinada para frente, como se estivesse vomitando. Então sua amiga, do banco de trás, tentava, em vão, manter o pescoço, a cabeça da mulher reta, para que não piorasse.

Seguiram o caminho até que, curiosamente no fim da subida, a mulher ergueu a cabeça, encheu o peito e disse:
-Achei o cartão do plano de saúde.

Seu marido quase soltou foguetes de tanta alegria. Seus amigos ficaram olhando, sem entender muito, até que o marido da doente disse:
-Vocês acham que eu ia gastar dinheiro com uma bobagenzinha dessas? Ela tem essa porcaria de cartão de plano de saúde, então que use já que está passando mal, eu não vou gastar um centavo com um desmaio dessa mulher que tá só carne e osso.

Parecia que ele havia enchido a sua mulher de glórias* mas não, ele era assim, o tempo inteiro. Depois daquilo, nenhuma outra palavra foi dita, nem depois que saíram do hospital.

*por mais que não pareça, a gíria 'encher alguém de glórias' significa destratar, ofender

3 comentários:

Jééh disse...

uma coisa eu digo, "quero distância de pessoas asssim"
Meu Cristo não querer gastar nem com a saúde da propria mulher, é o fim.

mas ainda assim uma otia história Vinícius

Anônimo disse...

Com um marido assim essa senhora não precisa nem de inimigos!!!
Mas existem muitas pessoas assim por ai...
História triste mais com um grande fundo de verdade...

Bjs

Érica Ferro disse...

E, um dia, talvez, ele se arrependa de ter guardado tanto dinheiro e ter perdido quem tanto gostava dele, e ele não valorizou.
Mas isso me parece uma possibilidade remota, o que é uma pena, pena mesmo.

:*