sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Histórias do Billi J. - Quando se conhece uma dor


Eram passados alguns anos da vida do Billi J. . Poucos anos, uma vez que o Billi tinha apenas 7, 8 anos quem sabe. Já era, injustamente, motivo de chacota pelos colegas, que não perdoavam seus óculos, seu jeito simples de falar e sua sede por conhecimento. Mas eles, os colegas, tiveram uma importância ainda menor naquele sábado de maio, ou junho.

O Billi estava na cozinha, vendo sua mãe fazendo bolachas, e colocando em cima delas açúcar com canela. Como era divertido colocar açúcar com canela naquelas bolachas que ficavam tão gostosas. A mãe do Billi realmente sabia como fazer bolachas. Porém aquela alegria, aquele momento mãe e filho que deveria ser apenas de sorrisos foi interrompido pela campainha. Billi atendeu e não gostou nada da cara de tristeza daquela mulher morena, alta, vestida toda de preto, como se estivesse de luto.

Chamou sua mãe e a mulher pediu que ele as deixasse a sós. Billi J. foi então continuar seu divertido trabalho de colocar açúcar com canela em cima das bolachas enquanto sua mãe  e aquela mulher de preto conversavam na sala, em tom tão baixo que nem desligando o rádio o Billi conseguia ouvir.

Então ouviu a porta fechar, sua mãe, antes alegre, agora estava com o semblante sério, como se algo ruim tivesse acontecido. Não, algo muito ruim havia acontecido sim. Billi perguntou o que aquela mulher havia dito. Sua mãe, como quem não sabe como dizer alguma coisa, pediu que o filho viesse para perto. Ela sentou e colocou ele sentado em seu colo, afinal, o Billi era pequeno e parecia ter uns 4 anos. Começou a falar com calma para o Billi sobre o que acontece com as pessoas que morrem.

O Billi não entendia o que ela falava. Céu e Deus eram coisas boas, mas a morte era uma coisa boa para os velhinhos, que haviam vivido bastante. Percebendo a inocência de Billi, sua mãe então deu aquela que, até dias atrás, foi a pior notícia que o Billi J. recebera.

Seu padrinho, de tantos caminhões de madeira, tantas brincadeiras, tantas risadas e tantos sorrisos, havia falecido. O Billi J. percebeu que não era uma brincadeira quando viu uma lágrima escorrendo pelo rosto de sua mãe. Ela o abraçou, disse que ele havia ido para o céu e que de lá protegeria-o.

Billi J. não sabia o que dizer. Sequer pensou em perguntar como aquilo havia acontecido. Em verdade, não tinha consciência do que era a morte. Não raciocinava que não poderia mais ver seu padrinho, que nunca mais receberia um carrinho de madeira dele, que nunca mais iria em sua casa visitá-lo. Billi J. não sabia mesmo o que dizer, o que pensar. Estava triste mas não conseguia entender ao certo o que estava acontecendo, aquela dor grande, aquele vazio, aquelas...

...lágrimas. Billi J. começou a chorar. O abraço de sua mãe não bastava mais. Desceu de sua perna e correu para o banheiro, trancou a porta e se escorou atrás dela. E chorou. Porque aquilo doía, machucava, era tão ruim que não havia remédio ou chá que fizesse aquela dor passar. Nada. Nem o abraço de sua mãe.
Ficou um longo tempo sentado atrás da porta do banheiro, chorando. Tentando entender por que, como, seu padrinho, ah não, aquela mulher morena, com cara de defunto, aquela mulher estava mentindo, não era verdade que seu padrinho havia... morrido. Não, ela era uma mentirosa que veio estragar o sábado com sua mãe. Era mentira, ela estava mentindo.

Passada a... aquele sentimento de inconformidade, de não querer acreditar no que havia acontecido e, passada a raiva daquela mulher de preto, Billi, à pedido de sua mãe, tomou banho. E chorou durante todo o tempo em que o chuveiro ficou ligado. Hoje ele ri ao contar que não lembra se tomou banho com água do chuveiro ou dos próprios olhos. Entretanto naquele momento parecia tudo tão... triste.

Billi estava triste. E não... não, seu padrinho não devia...
Era verdade. A mulher não estava mentindo. E doeu muito mais ter a certeza disso quando seu pai, um homem que nunca mente, ao contrário daquela mulher de preto, lhe disse que sim, seu padrinho estava agora chegando no céu, pois a viagem era longa. Até seu pai disse...

Não. Meu padrinho não, balbuciava Billi. Não tinha vontade de comer. Não foi ao velório, ao enterro, à missa de sétimo dia. Estava triste, muito triste. Nem o abraço de sua madrinha que, pensando de maneira quase sobrenatural, estava mais triste do que ele aliviou sua tristeza.

Estava triste e com muita dor. Dor que incomodava, cutucava, batia forte. Tão forte quanto a lembrança do padrinho que havia perdido.

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