sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Histórias de uma vida não vivida (27)



*Dentre tantos anos, muitas mudanças. Evolução natural que foge à regra da involução que ocorre com muitos. Evolução demorada, sofrível, sentida na pele e na mente. Pulsações que evoluíram do compulsório para o essencial, do complemento para a razão. Da simplicidade pura à transição passageira pelo mundo imundo para então chegar ao presente. Hoje que seria tão mais hoje se fosse acompanhado por um brilho azul que iluminasse um tanto mais esse plano de fundo estranho, porém original.

A vontade da razão, do sonho puro e sincero, era fazer o que pudesse para que alguém, no fim, sorrisse à salvo. Fosse um bombeiro, policial ou qualquer outra profissão que, no fim, é doação. O piloto de avião, motorista de caminhão e o famoso jogador de futebol também foram imaginados, vividos em um mundo tão próprio quando a ideia de um dia poder ter uma bicicleta.
Viver seria tão melhor se fosse assim, simples, sincero. Cheio de esses e cores vibrantes, uniformes novos e sensações de dever cumprido no fim do filme. Que loucura seria ser um ator louco, dirigindo um carro que explode e sair pela janela antes que isso acontecesse. E saltar loucamente de uma ponte após uma luta fantástica contra alguém que... superpoderes, poder voar ou carregar pedras enormes, derrubar portas e, mais uma vez, salvar pessoas. Era tudo tão incrível, tudo tão simples.

Como a vida deveria ser, pelo bem próprio, pelo bem social. Pelo bem do ser humano. Simples como não desperdiçar, comer tudo o que está no prato e agradecer aos céus por ter o que comer. Quem sabe até ser dono de uma fazenda e doar parte da produção para um orfanato. Simples assim, sem qualquer ambição de enriquecer. Para que dinheiro se existe o talão de cheques, economizarei aos montes e poderei comprar aquele banco imobiliário novinho.

Tudo passa, tão simples e rapidamente. Como correr uma maratona. Ou dirigir um carro de fórmula 1. Carro que poderia muito bem ser um daqueles redondos, com um reboque para poder levar tanta coisa junto para a praia. Água que vem e vai, que cobre e desenterra. Água salgada, eca. Areia quente, que nem esse sol que queimou as minhas costas. Mãe, tá doendo. Agora só falta dizer que eu não... tá bom, eu vou dormir.

Passando. Passou. Tanta coisa que não é mais lembrada. Tudo tão fundamental hoje, mesmo sem a recordação. Lembranças de tempos difíceis, de afastamento, distância monstruosa para algo que nunca passou de um nada. E como esse nada foi um tudo pesado, complexo e até hoje não muito entendido. Pedra que nem com muita raiva pode ser quebrada, ficando ali, parada no meio do caminho. E que coisa foi esse caminho. Essa pedra. Isso. Ou melhor, aquilo.

Sem essa história de museu. Lágrimas correram, inundaram um poço muito maior do que aquela pedra idiota poderia tapar. Nem aquela nem as outras, maiores, mais pesadas e mais idiotas. Pedras, em forma de serpentes venenosas. Até pareciam ter uma língua para fora. Pedras, cobras, o que fosse, não preenchiam o vazio do buraco próprio, cavado com as próprias mãos para fugir da chuva que só aumentava o buraco. Credo, alguém consegue entender o que eu quero dizer?

Impossibilidade de falar, de demonstrar. Pois é, de sentir também. Nada. Muito menos o que eu deveria saber. Sei que agora é aqui.Não há para onde ir. Até que um dia alguém apareça e traga, ou crie, ou transforme uma estrada, com pedras também, mas não tão pesadas. Que diferença faz?

Até que Alguém fez. Um caminho, uma casa, um rio de lágrimas. Agora também por sorrisos. Correnteza louca que desgasta qualquer pedra pesada no cansaço, na insistência. Uma enchente de loucura que faz sorrir o cético, mudar a feição franzina e irritadiça, esquecer aquela pedra, serpente, o que fosse. Do provérbio da água e da pedra, pelo caminho da pedra do caminho, na loucura da água salgada do sorriso de um sol poente.

Que nasce novo, forte e imponente a cada dia.

Que grande loucura pensar que Alguém capacita os incapazes, fortalece os fracos e faz renascer os mortos. Inconforma os conformados e conforta os sofridos. Para então fazer com que todas aquelas muralhas sujas, sem pontos brancos no fundo preto, desçam e virem um pó que vira barro, que vira solo para ser pisado. Com o tempo que não é imediato. Tanto quanto o vento, que vai, volta e nunca define direção, sentido, vetor ou campo magnético. Prova de loucura, digna de construtor de foguetes. Ou astronauta. Ver tudo de cima, comer a lua que era feita de queijo. Como o Jerry.

Lua, maré, oceano, olhos. Que enxergam e retransmitem a visão como se fosse a última. Última como o suspiro final de alguém que dá adeus ao que perseguia, incomodava, maltratava e derrubava. Da morte do passado para o renascimento da fênix. Fogo que se levanta e seca ainda mais aquele solo que outro dia fora pedra gigante. Em nada virou, um nada maior ainda será. Para alguém que não terá noção de tudo que já fora aquele lugar.

Como ninguém imagina, nada será além do nada. Para o qual estar ou não é semelhante falta de ser, de significar.

Hoje, oceano, bombeiro e a transformação em nada daquilo que foi um dia um tudo indesejado e triste, são parte de história que, torta e mal contada, por incapacidade, reflete e transfere parte de realidade que se fosse sonho seria bom, muito bom de ser sonhado.

Longe de ter realizado muitos dos meus sonhos, continuo sonhando. Com um oceano em dois pingos d'água, com um rio que transforme e rompa barreiras, com uma árvore que dê muitos frutos em torno e com pulsações cada vez mais intensas de um coração alimentado por um amor que não pode ser explicado, apenas vivido por quem quer ser muito mais do que um simples ser social, do que uma simples roleta da fortuna, mais do que uma simples pedra que desce a montanha ou é corroída pela água, salgada ou doce.

Amor que só pode ser vivido por quem sente pulsar um coração a cada novo nascer do sol. Ou cair da chuva, tanto faz. Com calor ou frio, não importa. Sempre pulsando. Um amor que vêm de todos os lados, em todos os gestos sinceros. Em todos os sonhos espontâneos.

Obrigado, por tantos dias, tantos sonhos, tantas mudanças. Obrigado por toda vida.

Um comentário:

Maria disse...

Que lindo o texto Vini!

E, feliz aniversário, eu amo você (: