segunda-feira, 21 de junho de 2010

Histórias do Bandiolo - Um olhar, uma intenção. Várias vezes.



Entrei no ônibus que vai para a universidade e sentei na última fila, naquela em que ao invés de um ou dois, são cinco assentos. Sentei no do meio, uma vez que o ônibus estava quase vazio. Parada vai, chega e passa, só havia dois lugares no ônibus. Adivinhem onde? Sim, um à minha esquerda e outro à direita. Pois então, do meu lado direito, sentou um gordinho. Nada contra os gordinhos, mas aquele tinha cara de quem fazia coisas ditas 'gordisse' ou 'gordice'. Tranquilo, o gordinho pegou os fones de ouvido, começou a ouvir o seu Guns em um nível no qual todos do ônibus poderiam escutar e assim o ônibus foi. Na parada seguinte começou essa história.

(Os acontecimentos à seguir ocorreram entre 08:11 e 08:17)
Subiu apenas um sujeito. Alto, musculoso, loiro. Típico delírio das mulheres, mas só daquelas que não sabem que o cara toma bomba para ter aqueles músculos. Esse cara sentou ao meu lado, não sem antes receber um olhar do gordinho, daqueles olhares que querem dizer "aiaiai, bombadão, deve ser gay". A interpretação disso se dá porque o gordinho tinha uma cara de nerd, e vocês sabem bem que os nerds acham que todo homem que não é nerd, ou melhor, todo homem que tem mais músculos do que eles(ou seja, todo homem mesmo), é gay. Em contrapartida, o bombadão percebeu que o gordinho tinha olhado para ele e então soltou um olhar de quem diz "tá com inveja né seu pançudo, comeu bacon no café da manhã?".

Não parou por aí. O gordinho então, como resposta à palavra dita no olhar do bombadão, aproveitou-se de uma lombada passada pelo ônibus para inclinar a cabeça para frente e soltar um olhar de "garanto que o meu bacon é mais saboroso que o seu ovo cru com bomba para cavalo". Ah, mas o bombadão não parou por aí, como quem faz de conta que procura algo na mochila, ele olhou para o gordinho de canto de olho como quem diz "eu tomo bomba mas pelo menos eu pego qualquer mulher que entrar nesse ônibus.

(Os acontecimentos seguintes ocorreram entre 08:18 e 08:23)

Então o gordinho ficou irado, tanto que baixou o som da música e até guardou o celular, como quem procura alguma prova, na mochila, para mostrar que o bombadão estava errado. Nisso o sujeito que estava ao lado dele desce e uma loira, com um metro e sessenta e três de altura, quarenta e oito quilos, corpo escultural, senta ao seu lado. Aí o gordinho não deixou por menos e, com um olhar de canto de olho direcionou ao bombadão alguma coisa do tipo "duvida que eu consigo o celular dessa loira?". O bombadão percebeu que o gordinho queria guerra e retrucou o olhar com um "eu duvido, ela é gostosa demais para dar o celular para um gordinho". O gordinho então usou sua nerdisse e perguntou à loira:

-Não estou encontrando meu celular, poderia ligar para meu número para ver se eu o deixei cair ou o esqueci em casa?

Maldito pança de hipopótamo, pensou e quase sussurrou o bombadão. De fato o gordinho conseguiu o telefone da loira, pois ela o ligou. Mas ele, o gordinho, sabia que não tinha coragem para ligar para uma loira daquelas e ouvir um fora daqueles bem grandes.

O clima ficou calmo, o bombadão havia perdido a disputa, mesmo sabendo que aquilo era improvável demais para se tornar realidade mesmo e o gordinho, numa gordisse sem igual vangloriava-se, sussurrando Gloria Gaynor. Ah não, aquilo pedia uma resposta imediata, pensou o bombadão.

(Os acontecimentos a seguir ocorrem entre 08:27 e 08:31)

O bombadão movimentava levemente a cabeça, para frente e para trás, para ver o gordinho e sua gordisse sussurrada. Eu, ao ver que ele tentava ver o gordo,movimentava a minha cabeça em sentido contrário, pois começava a gostar daquela briga visual, embora estivesse desconfortável sentar entre um gordo e um bombadão. O dito cujo, bombadão, resolveu que a próxima parada seria a hora de recomeçar a luta, perdera a luta, não a guerra.

Parada veio e foi, deixando a loira escultural. O bombadão então inclinou a cabeça para o lado do gordinho, ou seja, na minha frente, como quem olha uma loja que havia do outro lado da rua. Na volta desse pretexto mentiroso, ele olhou para o gordo como quem diz "nerd burro, acha que vai mesmo conseguir alguma coisa com aquela loira". O gordinho retrucou no mesmo instante com um olhar "e você acha que consegue mais do que eu, seu semi-analfabeto". O bombadão, ainda com a cabeça inclinada para o lado mandou um olhar de "posso ser semi-analfabeto, mas pelo menos não sou um gordo sedentário que fica sentado na frente de um computador o dia inteiro, olhando videos no youtube, twittando e jogando counter strike".

Nesse instante um clima de guerra fria foi sentida no ônibus. Pelo menos eu senti essa guerra anunciada. O twitter e o counter strike haviam despertado no gordo uma revolta descomunal. Talvez porque fosse um pouco verdade. Talvez porque fosse muito verdade. Talvez porque fosse a verdade. Não sei, acontece que...

(Os acontecimentos a seguir ocorreram entre 08:32 e 08:35)

O gordinho buscava uma resposta para aquele insulto, aquela agressão, buscou no seu dicionário mental e então, inclinando a cabeça para baixo, como quem vai amarrar os tênis, olhou para o lado e lançou um olhar de "você é um inepto vagabundo que só fica tomando bomba e malhando, assim como o vagabundo do seu pai". O bombadão, sentido pela ofensa ao seu pai respondeu "sou desejado pelas mulheres e você não é desejado nem pelos computadores e pela porca gorda da sua mãe". Aaaaaaaaaaaah não, ofendeu a mãe, pediu pra levar. O gordinho então, com muita raiva nos olhos respondeu com um olhar "a minha mãe pode ser gorda, pelo menos não é uma prostituta como a sua".

Um clima de guerra nuclear havia surgido e eu comecei a temer pela minha própria vida e, claro, pela minha própria mãe. Então...

(Os acontecimentos a seguir ocorreram entre 08:36 e 08:38)

Não havia outra coisa a acontecer. A troca de olhares começou a dizer muito menos do que dizia. Felizmente os palavrões diminuíram, mas a raiva e as ofensas não. O gordinho olhou e nada disse. O bombadão, idem. O bombadão, segundos depois, olhou novamente sem dizer nada e essa foi a brecha para o gordinho...

(Os acontecimentos à seguir ocorreram entre 08:39 e 08:46, ou próximo disso)

...recomeçar a troca de olhares ofensivas. Para não ficar muito chato, retratarei aqui como um diálogo, mas que fique claro que foi dito apenas através de olhares isto aqui:
-Idiota.
-Nerd.
-Você toma anabolizante para cavalos.
-Você é um gordo que come hambúrguer todo dia.
-Você é um burro que não sabe o valor de Pi.
-Você é um gordo que não tem amigos.
-Você só tem amigos bombados e burros como você.
-Pelo menos eu tenho amigos, nerd cdf que fica chupando hardware.
-Pelo menos eu não serei estéril por tomar anabolizantes.
-Mesmo não sendo estéril você não terá filhos.
-Vou ter sim.
-Não vai não porque nenhuma mulher vai querer você.
-Depois da primeira palavra que você disser, nenhuma vai querer você também.
-Todas as mulheres vão querer, sim.
-Não vão não, porque você não sabe dizer 'inconstitucionalissimamente'.

Ditas mais duas ou três frases que não me recordo, entrou no ônibus um... sujeito, vestindo roupas escuras, com uma franja metade vermelha que caía sobre um olho, com um jeito todo... enfim, e o pior de tudo é que aquela coisa ouvia 'restart' em um volume audível por todos do ônibus, mesmo com todas as buzinas fazendo barulho lá fora. O gordinho e o bombadão pararam de se olhar e olharam para o sujeito.

(Os acontecimentos a seguir ocorreram entre 08:47 e 08:56)

Olhando aquele sujeito, que olhou para os dois como quem diz "parem de brigar meus lindinhos", o bombadão olhou para o gordinho como quem diz "até que deve ser legal ser um nerd gordo. À propósito, você nem é tão gordo assim.", ao passo que o gordinho olhou para o bombadão como quem responde "você faz bem em praticar esportes e, poderia me dar umas dicas de saúde".

Então não trocaram mais olhares, uma vez que perceberam que alguém os olhava. O sujeito, aquela coisa toda... enfim, que chamam de emo. E aquele emo os devorava com os olhos. Olhava para eles como quem dizia "vocês querem o meu telefone? Vocês querem alguma coisa de mim além do meu telefone, gatinhos?".

Incrível. Aquele sujeito não parava de olhar para eles e, antes que ele começasse a olhar para mim, eu desci na parada seguinte.

Não, eu não sabia discutir com olhares, então qualquer coisa que eu dissesse através de um poderia ser mal interpretada por aquela coisa, digo, aquele emo.

Logo, não sei o que aconteceu com o gordinho e nem com o bombadão, mas tenho certeza de que o emo não daria trégua para eles. Afinal, aquele emo os comia, ou queria... enfim, o emo os olhava com... é... deixa pra lá.

*baseado em observações reais

5 comentários:

Ricardo disse...

bela história em!!
esse é o botchioco que eu conheço!!
ahahaha
parabéns!
ficou muito bom esse texto, sem desmerecer os outros é claro.

Ricardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SiL disse...

hahaha
to imaginando você no meio dessa situação.. adorei o diálogo em olhares.. bjus vinii

Érica Ferro disse...

HUHAUHAUAHUA

Boa! Dei boas risadas, tava precisando; já que a minha noite, de uma hora pra outra, virou irritante.
Obrigada!

E, bem, eu vivo observando as pessoas e tentando decifrar o que significa cada olhar, cada gesto; enfim, gosto de analisar o comportamento alheio. É algo interessante e rende ótimos textos como esse. ;)

Rebeca Postigo disse...

Kkkkk...
Excelente texto!!!
Sim...
A troca de olhares é fabulosamente interessante...
Adorei sua narrativa!!!

Bjs