segunda-feira, 3 de maio de 2010

Histórias de uma vida não vivida (20)

A vida é também feita de escolhas. Momentos e opções que se entrelaçam sem pedir licença, sem a menor razão. Trazem consigo um futuro escolhido e um futuro renegado. Já pensou que ao acordar você renegou um futuro presente que jamais será futuro? E no meio dessas escolhas, você decide pelo melhor pessoal, pela ambição, pelo desejo, pela facilidade, pela conveniência ou por influência. Você decide pela razão, pelo coração. Você decide. Você decide?

Deixou-o de lado como se ele fosse um mero objeto. Mero não, menos. Descartável talvez. Deixou-o esperando, uma palavra, um abraço, o mínimo gesto de carinho. Saiu e foi viver a sua vida, pois suas escolhas eram feitas pensando no melhor para si, na sua vida. Eram sim, as suas escolhas. Passou a ignorá-lo, fingir que nem existia. Ele, em contrapartida, tentou decidir se o pior do que ela fazia consigo era o desprezo ou a indiferença. Procurou uma resposta, aqui, ali, com pessoas desprezadas e desprezadoras, alvos de indiferença e com os próprios indiferentes.

Jamais achou resposta.

Pouco importava qual dos dois era pior. Eles estavam tirando de si uma parte de sua alegria, de sua consciência, de sua razão e da pureza de seus sentimentos. Coração que perdia a cor e acinzentado ficava. E tudo por ela. Custava acreditar que alguém a quem dedicou tanto tempo, tanta atenção e a quem entregou tanto amor, oh sim, sincero e puro amor, pudesse virar-lhe as costas e ignorá-lo, como se nada houvesse feito ou mesmo sido para si. Ela, não era a culpada. Ele a conhecia. Tão singela, simpática, um amor de pessoa, uma flor de menina. Flor, uma rosa amarela ou uma tulipa qualquer, ambas poderiam representá-la. E por conhecê-la, custou a acreditar que, sem que palavras fossem ditas, ela passasse a entregar-lhe sentimentos por gestos patéticos, frios e espinhosos.

Ele sempre soube também que, embora ótima pessoa, era vulnerável a ataques externos. Quantas foram as vezes em que ele fez ecoar em seu redor sinceras e consoladoras palavras para que seus olhos se abrissem e seu coração fosse visto como verdadeiro dono de sua vida. Tantas vezes, para nada. Descuidou-se, teve de afastar-se dela. E foi aí que aquelas pessoas conseguiram vencer. Sobre mim, mas principalmente, sobre aquela menina. Via nela agora uma menina pobre, sem forças, dependente da ajuda daqueles que têm, ou fingem ter.

Ela, por sua vez, via nele uma podridão, ausência de moral, um agora inimigo. Não queria mais vê-lo, não queria mais falar com ele. Mas estava aliviada que seus amigos lhe haviam aberto os olhos. Eles sim mereciam sua confiança, suas palavras e sua bondade. Eles eram seus amigos. Ele, idiota, que fosse para o inferno e de lá nunca mais saíssem.

Eles, os amigos dela, riram quando souberam que conseguiram mudar a opinião que ela tinha sobre ele. Riram, até suas barrigas doerem, até suas mãos cansarem de bater na parede, até seus olhos lacrimejarem, até que ela ouvisse as risadas e o deboche.
De onde vira a patética cena, saiu calada. Que fossem eles para o inferno. Arrependida, sabia que jamais conseguiria reconquistar a confiança daquele seu amigo que tantas vezes quis abrir seus olhos. E como ele, não emprestava, não vendia nem jogava mas dava seu tempo a ela. Sentia-se amada, por um amigo, um primo, quem sabe um irmão. E jogara aquilo fora, por uma bobagem. Dos outros, da sua cabeça. Fraca e vulnerável que agora estava sem um dos defensores, uma das barreiras que impediriam que ela voltasse a errar dessa maneira.

Mas ainda permanecia em dúvida. Embora tivesse visto o que aqueles que outrora julgaram-se seus amigos disseram e ironizaram, sentia-se culpada mas em dúvida. Tinham plantado nela a semente da desconfiança, da arrogância, da maldade. E ela não sabia como tirar essas sementes dali.

Não pediu perdão a ele. A sua dúvida era grande demais para que pudesse confiar em alguém.

Tanto que nem em seu coração confiava mais.

2 comentários:

Rebeca Postigo disse...

Wow!!!
Excelente narrativa...
Confiança é algo tão delicado, como um vaso cristal...
Amei o texto!!!

Bjs

Jééh disse...

*--*, lindo, narrativa perfeita, pude enxergar todos os momentos descritos ^^