quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Histórias de uma vida não vivida(13)

(ao som Yesterday - The Beatles, composição de Paul McCartney)

*Que credibilidade pode ter um louco que parece viver em outro mundo, que sonha acordado e fala alto e que não consegue, de maneira alguma, livrar-se de um sentimento, o mais sincero possível, mas que, por muitos motivos(desconhecidos), apenas sensações e sentimentos estranhos tem trazido para sua vida? Que credibilidade pode ser dada às palavras desse louco, desse insano, desse idiota? E ele ainda fala que acredita em um mundo melhor, mais justo. Ele sonha com isso. Ele acha que pode dar algum bom exemplo, mostrando como as coisas podem ser feitas para que a humanidade seja uma palavra que represente muito mais do que um grupo (quase) incontável de humanos. Ele é louco. Ele é insano. Ele, ou eu?

O supermercado estava lotado. Muito barulho, muitos ruídos, pessoas conversando, outras tantas reclamando do preço, da vida, de outras pessoas. Música de fundo terrível, som que faz doer qualquer ouvido e latejar a mente de qualquer um que aprecia uma boa música. E ele ali no meio dessas pessoas, desse barulho, de todas aquelas mercadorias mas, ao mesmo tempo, distante disso tudo. Não procurou nada, pois já sabia onde estavam os três itens que precisava. Não fez pesquisa de preço nem nada, queria mais era sair dali.

Fila no caixa e ele continava alienado a tudo aquilo. Até porque, Yesterday tocava no seu MP3 a todo volume, mesmo que a guria que estava atrás dele na fila lhe oferecesse tudo, ele não ouviria. Não tinha medo de ignorar alguém sem querer por não ouvir nada do que pudessem lhe falar já que, ninguém o conhecia, ele não era popular, rico, bonito, não era nada. Era apenas alguém que fora no mercado comprar algo que precisava. Só.

As pessoas o olhavam de um jeito estranho. Talvez fosse pelo excessivo suor, talvez fosse pela enorme caixa de sucrilhos que havia comprado ou talvez fosse porque ele cantava em voz alta. Parecia estar falando com alguém, já que, sem medo, olhava para as pessoas nos olhos. Era direto, simples, talvez até aterrorizante e amedrontador. Não que sua intenção fosse essa, mas o que pudesse parecer, não mudava. Ele não se importava com o que alguém pudesse pensar. Seria só mais um no meio de uma multidão de gente normal que acha que todos os que fazem o que lhes faz bem são loucos, idiotas, estúpidos. Sociedade patética...

Duas moedas a mais no pagamento, saiu dali normalmente. Até que alguém lhe olhou no olhos e lhe falou alguma coisa. Sua fortaleza intransponível de música, ouvida e cantada, e de isolamento no meio da multidão havia acabado. Não conhecia o sujeito, mas resolveu tirar os fones e ouvi-lo. Uma moeda. Aquele sujeito mal vestido lhe pediu uma moeda. Olhou-o nos olhos apenas por uma moeda. E ele tinha aquela moeda, de 1 real na mão. Na mesma mão e que segurava a sacola. Mas não queria dar. Aquele dinheiro era para as fotocópias(xerox) do dia seguinte. E aquele homem que fosse trabalhar.

O dia não tinha sido bom. Apesar de toda imensidão da obra de Deus saltando às vistas de todos aqueles que tinham dois olhos em funcionamento, dentre os quais ele, o dia não tinha lhe trazido boas sensações, muito menos boas lembranças. Estava cada vez mais distante do passado. Mais distante do presente. Mais distante do futuro. Quase um morto vivo, literalmente. E aquele sujeito lhe pedia uma moeda ainda! Era o fim. 'Será que Deus está brincando comigo agora?'.

Disse ao homem que não tinha mais moedas. Nem uma moeda. O homem lhe agradeceu, sentou novamente no meio fio e ele seguiu caminhando. Dobrou a esquina e, na metade da quadra parou. Não entendeu por que, mas parou. A cabeça pesou. O coração parou de pulsar. Seria tudo isso, toda essa sensação de se estar carregando uma bigorna apenas fruto de não ter dado aquela moeda àquele mendigo? Não entendeu. Sentiu-se sujo, normal, apenas mais um ser humano. Sentiu como se aquilo fosse o fim do mundo, da sua vida, dos seus sonhos. Tudo sumiu, e ele parado, pensando.

Olhou para cima e voltou. Caminhou um trecho considerável e entregou a moeda ao homem. Virou as costas sem ouvir resposta alguma, os fones estavam novamente nos seus ouvidos e, mais uma vez, o que lhe dissessem não seria ouvido. Não importava. O peso que perdeu quando se livrou daquela moeda era inacreditável. Mais um pouco e poderia voar de tão leve.

Por uma moeda. Para alguém que talvez nem precisasse tanto. Apenas por um olhar no olho, por uma palavra ouvida em um momento de surdez. Pela derrubada de uma barreira mental, criada sem sentido algum por todos aqueles que lhe cercavam. Indiretamente ou não, deixara-se afastar do mundo por ter aceitado o que faziam com ele.

Voltou para casa e continuou pensando naquilo. Não fazia sentido.

E concluiu: "a minha vida perderia todo o resto de sentido que pode ter se eu tivesse deixado de ajudar alguém que me ajudou apenas porque ninguém mais faria o que fiz. Não mudei o mundo, mas pelo menos agora me sinto orgulhoso por poder dizer que não preciso me afastar de tudo para poder provar que é possível sim fazer a diferença. Por mais que ninguém veja."


E, sozinho, sorriu.

4 comentários:

Taw disse...

Hum... sugiro que fazer a diferença não seja mudar radicalmente todo ambiente conhecido... mas sim, oferecer a oportunidade de alguém ficar menos um dia sem comer.

sugiro.

Anônimo disse...

A cada dia me esforço para fazer a diferença por onde passo... Sei que o mundo pode nunca mudar, mas eu devo mudar... Como você disse: Mesmo que ninguém note.

Abraços

Jééh disse...

sério, por mais que vc tenha a certeza que o mendigo não vai procurar amenizar sua fome , e sim correr no bazinho da esquina e pedir mais uma doze daquela pinga, a consciênca não vai ter deixar ir emborar sendo que pode ser diferente, grande merda isso hein :/

mais fazer o que, temos por natureza ser piedosos(ou como eu diria, burros) ¬¬

mesmo assim um otimo texto com toda a certeza ^~

Érica Ferro disse...

E é de pequenos gestos que o mundo precisa.
Talvez dar uma esmola não vá mudar muito, mas se todos pudessem partilhar daquilo que tem com os outros tudo seria bem mais humano e melhor.

_
Ah, Vini, claro que seus comentários fazem diferença pra mim; te admiro muito, cara.
De verdade.

Beijo.