quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Histórias do Bandiolo - Muito mais do que parece, muito menos do que é

Como se nada tivesse, saiu voando para lugar algum. Suas asas batiam o ar sem o menor respeito, com força. Tinha raiva de tudo que o cercava. Tinha raiva daquele vento inútil que ele cortava sem piedade. Tinha raiva de suas asas, pequenas demais para suas ambições de vôos maiores. Tinha raiva. Muita raiva.

Era pequeno, mas suas ambições, sonhos, o que fossem de verdade, eram grandes. Enormes. Voar alto, chegar onde nenhum outro semelhante seu chegou. Mas não podia fazer isso. Não podia fazer isso pois sua natureza não lhe permitia.

Então, cheio de raiva, remorso, tristeza e tudo aquilo que junto forma a decepção, voava pelas imundas ruas daquela cidade patética. Era grande demais para ser percorrida em um só dia, mas pequena demais para quem queria voar alto, ser ainda mais diferente.

Vivia sozinho, longe dos seus semelhantes e também dos diferentes de si. Não gostava da companhia, eram todos patéticos, com ambições pequenas, simplesmente patéticas. Contentavam-se com restos de pipoca e sementes que as pessoas deixavam no chão. Contentavam-se em ficar vivos quando recebiam rajadas de pedras dos xebas(moleques de rua). Tudo era bom, tudo estava bom. Ridículo. Todos eram patéticos e isso era motivo para sua solidão.

Não aceitava aquele mundo chato, aquela cidade imunda, aqueles pássaros idiotas como parte de sua vida. Queria inovar, mudar, lutar por algo diferente. Atacava os que lhe atiravam pedras, defecava nas cabeças das pessoas que tentavam lhe atrair com pipoca e sementes duras e sem gosto. Tinha raiva das pessoas daquele mundo imundo. Para ele, ninguém prestava.

Comia frutas em pés apenas porque precisava comer. Bebia água das calhas, onde nenhum outro pássaro bebia, para permanecer só. Idiota era ele, mas julgava-se um soberano entre os pássaros, uma entidade maior. Estúpido arrogante. Um simples pássaro, e arrogante.

Viveu essa vida de solidão, com raiva de tudo, de todos, com raiva da sua própria vida, de si próprio.

O que queria, não conseguiu. O que tinha, não quis. O que conseguiu... bom, ele não conseguiu nada.

E quando morreu, seu corpo apodreceu no meio do asfalto, pois todos acabaram tendo raiva de suas atitudes arrogantes, sem qualquer resquício de bondade.

Foi apenas mais um idiota. E para piorar, um pássaro idiota.



*Pouco importa se o que é da minha natureza é pouco demais para o que quero. 
Pouco importa se ser quem sou não ajuda na minha diária luta por coisas relacionadas à sinceridade. 
Pouco importa se essa agonia de hoje que por várias vezes prejudicou a minha respiração permaneça amanhã. 
Pouco importa qualquer coisa, pouco importa tudo, pouco importa nada. 
É apenas mais um grito de quem precisa de alguma coisa, mas não pode fazer nada por não saber o que vai conseguir lhe tirar disso. 
Seja lá o que isso for.

3 comentários:

Rebeca Postigo disse...

Às vezes...
Tudo pode parecer patético, mas sempre existe algo bom no meio dessa normalidade...
Muitas vezes lutamos para sermos diferentes, mas não é uma batalha...
Não estamos em guerra com ninguém...
Procurar a diferença pode ser mais simples do que esse pássaro patético pensa...
Ou não...
Enfim...
Patético ou não...
Esse pássaro está errado...

Bjs

Unknown disse...

crying in the rain - A-ha

não aceitar a realidade do modo como ela é não significa ser idiota, vc a respeita mas isso não te obriga ser igual aos demais...
viver sozinho é uma escolha, mas não se torna uma anormalidade qdo se está perto de pessoas q não te fazem bem...
achar que ninguém presta, é só prova de que o pássaro não conheceu as pessoas certas e que os fatos ocorridos até ali não o tornaram feliz...
o pássaro podia ser arrogante e patético para os outros, mas jamais foi para si mesmo..
o pássaro sabia do que sentia falta, do que queria e não querer se relacionar com as pessoas que os julgavam um idiota não o torna um...
Enfim..
ninguém entendia o pássaro, e a solidão era o abrigo para suas incertezas

: )

Taw disse...

Hum... existe [pelo menos] uma estratégia para mudar todo o ambiente... mas é muito difícil de ser executada. Todavia não sei se essa informação é relevante... :/

Se houvesse mais "nós" do que "eu e eles" talvez o mundo se tornasse um pouco melhor.

O que quero dizer é que separar não é nossa função... Quanto mais de verdade, sinceridade, humildade, etc, preenchermos os fatos, menos espaço os fatos terão para ser preenchidos com outras coisas...

:P