segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Histórias do Billi J. - Logo eu!


Gotas d'água vindas do céu indicavam chuva iminente. Felizmente estava perto de casa. Distraído, pensando na vida ou em qualquer outra coisa mais importante, gelou quando um carro parou ao seu lado. A violência das cidades faria dele mais uma vítima. A janela do carro se abriu e então ouviu uma voz:

- Entra Billi, vai começar a chover, te dou uma carona.

Não fazia sentido algum sujeito lhe oferecer uma carona. Quando virou seu olhar para o carro, a janela e o motorista, se deu conta de que não era um assalto, tampouco uma simples carona. Sem entender o motivo daquela generosa oferta, respondeu:

- Obrigado mas estou perto de casa, moro na próxima rua.

Viu que a feição do rosto do homem quase careca mudou, parecia brabo, incomodado com a recusa. Ele insistiu.

- Não tem problema, vou passar na frente da sua casa mesmo.

Billi J. não acreditou mas continuou tranquilo, parado, conversando com o homem, declinando a proposta de carona e, óbvio, molhando-se, uma vez que a intensidade da chuva aumentava.

- Não precisa se incomodar, eu caminho rápido e um banho de chuva não é ruim em um dia como hoje.

Sim, pessoas que insistiam em fazer dele mero objeto de uso, desconsiderando sua vontade, seus sentimentos, sua paciência e a qualidade de suas ideias. Pessoas assim atordoaram-lhe o dia inteiro, dando ao possível banho de chuva a oportunidade de ajudar a descarregar todas essas coisas ruins.

- Estou falando sério, entre nesse carro que preciso conversar com você.

Tons de suspense, possível de drama ou comédia, surgiram naquela conversa. Billi J. decidiu lembrar-se da boa educação cega dos tempos de criança e aceitar a carona do sujeito. Embora... ah, sim, ao entrar no carro e reparar bem no homem lembrou quem era ele. Mário, como o do vídeo game. Mário era um bom sujeito, nunca ouviu algum escândalo, briga familiar ou crime ligado ao seu nome. Era o pai de sua amiga...

- Acho que você se lembra de mim Billi, sou o pai da Raquel.

Exatamente.

- Billi, sendo bem franco, quero saber quais são suas intenções com minha filha.

Pronto, se não havia nada contra o homem era só até aquele momento. Era amigo da filha dele e nunca passara disso mas...

- Pode ser sincero comigo, não vou bater em você, mandar bater em você, quebrar suas pernas, depredar sua casa, machucar seus familiares ou acabar com o seu futuro profissional...

(como se aquele homem pudesse ter tanta influência assim)

-... mas quero que me diga o que você quer, realmente, com a minha filha.

Pensando bem, não era só a parte do futuro profissional que mostrava o quanto aquele homem pensava ser poderoso. Enfim, não havia nada a fazer senão...

- Nada. Absolutamente nada. Sua filha e eu somos apenas amigos.

Mário suspirou. Billi J. temeu que aquilo pudesse ser um indício de que a história do 'não vou bater em você', mesmo que sem motivos, pudesse vir a ser verdade.

- Eu estou falando sério, senhor. Nunca me aproximei da sua filha com segundas intenções, nunca beijei-a, nunca saímos sozinhos e muito menos guardo algum sentimento além de amizade por ela.

- Você está dificultando as coisas.

Teimoso feito uma porta, uma mula ou burro quando empaca perto do trigo.

- Eu não sei por que estou sendo interrogado.

- Porque a minha filha sai todas as noites para se encontrar com alguém. Fala com esse alguém por horas e horas e horas no meu telefone. Quando desliga, vai para o computador e fica lá por horas e horas e horas. Eu sei que é você o novo casinho dela. Você é um bom rapaz, não tem ficha na polícia...

(além de teimoso e arrogante era paranoico aquele homem)

-... trabalha e não usa drogas. Seria bom tê-lo na família, só quero que você seja sincero comigo e dica que sim.

Billi J. pensou em rir. Era melhor evitar a possibilidade de aquele homem acelerar o carro e jogá-lo contra um poste para matá-lo. Quem sabe só ele seria salvo pelo airbag.

- Eu já lhe disse que somos apenas amigos e admiro a sua preocupação. Se fosse eu o sujeito que o senhor procura, diria-lhe. Eu não saio todas as noites, pouco uso telefone e internet.

A chuva aumentou. Muito. Parecia tempestade e agora eles estavam muito mais longe da casa do Billi J. do que quando ele entrou no carro.

- O que você estava fazendo ontem à noite.

Ah sim, ontem à noite. Poderia dizer que tinha limpado todas as tampinhas de garrafa de sua coleção mas poderia parecer mentira. Levaria-o então para sua casa, mostraria a coleção e provaria que estava falando a verdade mas, e se ele pegasse duas tampinhas e furasse seus olhos?

- Dormindo.

- Antes de dormir.

- Escovando os dentes.

- Antes de escovar os dentes.

- Número dois no vaso sanitário.

- Antes disso.

- Bebendo um copo de leite.

- Antes.

- Não sei, abrindo a porta de casa.

- Que horas eram quando chegou em casa?

Ah, inferno! Aquele homem não pararia enquanto Billi J. não assumisse uma relação da qual não fazia parte ou não indicasse quem poderia ser o tal sujeito, embora não soubesse quem poderia ser o (in)feliz a namorar a pessoa com o tom de voz mais inconstante.

- Pouco antes das 8 e meia da noite.

- Você foi dormir perto das 9 e meia, suponho.

- Provavelmente.

O carro virou à esquerda. Atravessou a quadra. Chegando na esquina, avistaram dois jovens se beijando, sob forte chuva. Billi J. logo identificou Raquel mas ficou calado, não queria ser dedo duro. Mário não a viu. Iriam virar à direita quando alguma coisa bateu na janela. Mário baixou o vidro e ficou perplexo.

- Pai, o que você está fazendo com o Billi J. no carro?

Então ele percebeu que ela estava acompanhada com...

- O que você está fazendo na rua com um temporal desses?

- Estou aqui com o meu...

Raquel deu-se conta que havia, como dizem por aí, dado com a língua nos dentes. Seu pai descobriria seu namoro com Joel, o filho do Agenor, ex-sócio seu, e não permitiria que aquilo continuasse.

- Billi, saia desse carro!

O ouvido de Billi J. ardeu com aquele berro. Estava aliviado com a resolução da situação, não precisando provar que não era nada além de amigo de Raquel, mas sair do carro com aquele temporal, longe de casa. Qual o problema com o Joel? Era um bom rapaz. Não era drogado, o alcoolismo do pai fez com que ele tivesse repulsa a bebidas alcoólicas, trabalhava todos os dias das seis da manhã até as seis da tarde. Qual o problema com ele?

- Saia logo desse carro, preciso ter uma conversa muito séria com a minha filha.

Ah sim, sair do carro. Estava perto de casa quando começou a chover. No pior da situação, teria que sair do carro, molhar-se, quem sabe pegar uma gripe que se transformaria em uma pneumonia, podendo levar-lhe à morte pois estava, agora, longe de casa. E tudo por que? Porque um velho careca, berrão, teimoso, arrogante e paranoico não queria permitir que a filha namorasse o filho do ex-sócio que quase levou sua empresa à falência. Só por isso ele tinha que sair do carro e...

Saiu do carro. Ouviu um meloso pedido de desculpas de Raquel. Nada mais do seu pai. Cumprimentou Joel e seguiu seu caminho.

Ah, aquela história chuva que descarrega raiva e outras sensações ou pensamentos ruins era balela. Pelo menos não quando se esta há duas quadras de casa e é levado para o outro lado da cidade, ficando há umas duzentas quadras de casa, número exagerado pelo inconformismo com aquela situação.

Só não entendeu uma coisa: por que o pai de Raquel achou que ele, logo ele, Billi J., fosse o namoradinho de sua filha?

Depois não entendem o porquê de alguém ter mania de perseguição.

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