sábado, 26 de fevereiro de 2011

Histórias do Billi J. - Essa não é a minha vida


Cansado das provocações e incessantes ironias quanto ao seu desempenho nos esportes, Billi J. resolveu que deixaria de ser bom apenas nos estudos, no entendimento da vida e na arte de sonhar com Renata. Seria bom também em esportes. Para isso, deveria começar adquirindo preparo físico. Quando descobriu que o verbo adquirir, nesse caso, era usado de maneira não-literal, pensou estar progredindo bastante. Sorria a cada nova descoberta sobre condicionamento físico e equipamentos básicos para a prática de uma simples corrida. Deixou o chinelo e o tênis de ir à missa de lado e comprou um bem simples porém recomendado pelo vendedor da loja. No começo estranhou, pois não havia nada entre a palmilha e o solado do tênis, mas se o vendedor havia dito é porque deveria ser verdade.

Um adolescente que não sabe muito sobre esportes e atividade física não é bem aceito em muitos grupos sociais. A turma do Billi J. era formada por jovens que faziam academia, julgavam-se futuros jogadores de futebol e basquete, sempre andando com camisetas regata que deixavam à mostra seus braços musculosos demais para suas idades, porém bons para atrair a atenção de meninas igualmente jovens. Felizmente Renata, infelizmente ainda apenas sua amiga, não achava aquele exibicionismo barato e fútil interessante. Era estranho que uma menina como ela, com cabelos tão livres ao vento, com olhos tão belos, com sorriso tão reluzente e com uma alegria que contagiava até o seu tédio modorrento, preferisse ficar ao seu lado, sendo ele tão... Billi J. como era. Então, para justificar essa estranha preferência de Renata, Billi J. foi em busca de qualificação esportiva.

Começou com algumas caminhadas, muito mais porque Renata disse que era bom começar aos poucos, para não se machucar. Não entendia aquela preocupação toda, mas aceitou os conselhos, até porque qualquer coisa que a Renata pedisse, Billi J. faria sem pensar duas vezes. Ah, como ela era linda, e como seus cabelos balançavam enquanto caminhava... ah, Renata! Na primeira vez em que ela não pode ir com ele caminhar, Billi J. decidiu intensificar aquele treinamento esportivo. Afinal, apenas caminhar não melhoraria sua condição física, impedindo-o de fazer frente aos colegas no esporte. Então ele fez um ou dois alongamentos rápidos, para não cansar muito, e saiu correndo. Não sabia onde estava indo, apenas estava... indo. Correndo. Até tirou o óculos para evitar algum imprevisto. Passou por dois ou três senhores de idade e sorriu quando ouviu deles um 'essa juventude está sempre com pressa'.

Continuou correndo, sem cansar. Estranho, estava correndo há meia hora e nada de cansar. Subia e descia ruas, passava sobre asfalto, calçamento e até estrada de terra batida. Até que, para não pechar em uma senhora que acabara de atravessar a rua, pisou em um buraco e caiu. Infelizmente, na frente de alguns colegas que, como era de se esperar, riram e no dia seguinte espalhariam a notícia para todos poderem rir de Billi J.. Era o de menos. Levantou e, caramba, que dor no tornozelo! Deveria ir para casa afim de...

- Billi!

Ir para casa não deveria demorar, pois lera ser bom iniciar um tratamento o mais breve possível do momento em que a lesão é sentida, mas não poderia deixar de falar com...

- Meu aluno preferido, como você está?

Professora Jussara! Sim, sua professora da terceira série, uma das poucas que o defendeu em todos os seus anos de vida escolar. Não poderia deixar de falar com ela.

- Acabei de cair um tombo por tropeçar nesse buraco após ter evitado o choque com essa senhora. Machuquei o tornozelo, mas estou bem.

- Billi, o esporte nunca foi seu forte mesmo...

Não gostou muito daquilo, mas ainda assim tinha boas lembranças daquela senhora, um pouco mais nova do que a causadora do tropeço. Foram trocando frases, palavras, lembranças. Ela perguntou de Renata, como quem faz uma insinuação. Perguntou retoricamente se ele ainda era motivo de chacota. Se sua mãe havia tido mais algum filho, enfim, perguntas comuns em conversas entre aluno e ex-professora, ou vice-versa.

O tempo passou e o céu escureceu, quando se deu conta do momento, Billi J. se viu só, olhando para um joão-de-barro que construía seu lar em cima da parada do ônibus e... com dor no tornozelo. Nos dois tornozelos. Estranho, agora também doíam-lhe as pernas, os joelhos e até os braços. Como podia sentir tanta dor assim? Enquanto corria estava tudo bem, estava indo melhor do que as expectativas mas... agora sentia-se tão machucado quanto na vez em que viu Renata abraçando um menino afetuosamente. Ah, aquilo doeu muito durante dias, até descobrir que eles eram irmãos.

Não conseguia caminhar direito. Um passo com a perna direita e até a perna esquerda doía. Um passo com a perna esquerda e toda a perna direita doía também. Não conseguia pensar em mais nada. Nem Renata conseguia manter-se em seus pensamentos por mais do que dois passos. A dor era grande. Muito grande. Muito variada. Muito intensa. E não podia avançar sem sentir mais dor. E mais dor. E mais dor. Cada passo era uma vitória, uma conquista, estava mais perto de casa. Mais longe da vontade de continuar vivendo, pois não conseguia sentir direito suas pernas, tamanha dor. Talvez aquilo fosse cãibra, talvez fosse distensão, talvez tivesse, como dizem os boleiros, aberto a virilha. Não sabia o que era, sabia que sentia dor, muita dor. Até seus ossos, se fosse possível sentir, doíam.

De onde havia surgido aquela maldita ideia de virar um esportista, de ser bom também nos esportes? Quem é bom só nos estudos vai longe, não se machuca, não corre o risco de derrubar uma velha que acaba de atravessar a rua, não corre o risco de encontrar uma antiga professora que, apesar do respeito, não parava de debochar de seu tropeço, suas atitudes tímidas, antissociais e seu amor platônico por uma menina que nunca sentiria o mesmo por ele. Professora boba, colegas bobos, ideia de sair correndo por aí boba, muito muito boba. Quem foi que inventou o esporte mesmo?

Até seus neurônios pareciam doer naquele momento, tudo por causa daquela ideia boba de sair correndo por aí, para tentar ser um atleta. Decidiu que ser estudioso bastava. Prometeu a si mesmo nunca mais correr, sequer fazer exercícios, menos ainda ser bom em esportes. Não faria mais isso nem pelo esporte, nem pela saúde, nem pelos seus pais, nem para mostrar aos colegas que era muito mais do que um bom aluno, nem por Renata.

Bom, por Renata ele quebrou a promessa, dois anos e alguns meses depois, como foi relatado aqui.*

*é engraçado reler as antigas histórias do Billi J.. 
Era tudo tão... simples.
Uma maneira de escrever comumente encontrada em livros infantis.
Não que hoje seja muito diferente quando não há uma grande inspiração.

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