segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Histórias do Bandiolo - Essa vida não me pertence


Saiu de casa, decidido a mudar tudo que não estava no lugar certo na sua vida. Caminhava muito, pensava mais ainda, olhava para nada. Sentou em um bar, decidiu que teria um bar em casa, mas sem bebidas para frescos, só cervejas, champanhes, refrigerantes baratos, pacotes de suco e muito gelo. É, um bar assim faria toda a diferença na sua vida. Também aquele armário sairia da cozinha. Inútil ter um armário sem gavetas na cozinha. Venderia e trocaria por uma mesa, de sinuca, de ping pong, tanto faz, queria uma mesa para na teoria virar praticante de um esporte de mesa. Era importante para a vida social, pensou, entre um gole e outro de água. Fazer o que, não é todo dia que se tem dinheiro na carteira para brindar à vida com goles alcoólicos.

Outra coisa seria demitir a empregada. Aquele asno de avental não sabia limpar, não sabia cozinhar, não sabia anotar um recado e sequer abrir a porta. Porta por porta, ficaria com a da sua casa sempre fechada, assim, como nas bocas, não entrariam moscas. Por que cargas d'água tinha uma empregada mesmo? Bom, tanto fazia. Junto com ela ia aquele jardineiro com quem tinha um caso. Ah sim, era por isso que ela não fazia nada e ele sequer cortava a grama. Verdade, agora sobraria para si a tarefa de cortar três metros quadrados de grama com um cortador elétrico.

As mudanças não parariam por aí, assim como os goles de água com gás. Burps de arrotos seguiam e ele continuava com o planejamento de sua vida. Terminaria aquela eterna dança da morte com a Mariana. Sim, porque aquele vai e vem, aquela aceitação da vontade dela de dar um tempo para, depois de uma festa, um porre bem tomado, uma ressaca do caramba e mais um na sua lista de pegados, precisava ter um fim. Ela dava um tempo e logo depois queria voltar porque ninguém mais se interessava nos seus assuntos de nerd, no seu sorriso branco, seus olhos negros que pareciam que... Pararia também com essa história de elogiá-la. Estava cansado de pensar nela e, sem ver, o tempo dado vinha e voltava, vinte ou cinquenta vezes em um ano.

Outra mudança essencial seria dar um chute na bunda do sogro. Que mala. Não ser mais seu sogro não era o bastante, aquele cara pediu empréstimo, não devolveu e ainda vem com aquele papo que começa com 'meu genro favorito'. Idiota, não percebia que só tinha uma filha? Bom, sujeito safado com era, talvez não fosse o único genro mesmo. Tanto faz, daria um chute naquela bunda gorda para receber às avessas seu pagamento.

Falando em dinheiro, chegaria no banco e diria ao gerente que não teria como pagar a dívida. Ele era seu fiador, que se lascasse então, capitalista arrogante, só pensava no seu dinheiro. Aquele gerente era um representante da boa e velha escola dos gordos donos de bancos que são vistos em filmes antigos. Goles se seguiam e o clima esquentava em sua cabeça. A raiva de tudo aquilo que estava errado em sua vida, em sua casa, em seus relacionamentos com as pessoas, a raiva da sua vida sem nexo começava a aumentar.

Pediu a conta, pagou com moedas de 5 e 10 centavos. O garçon reclamou, mandou-lhe ficar com os 15 centavos que sobrariam de gorjeta. Recebeu um 'seu pão duro' com o olhar daquele fedelho que não devia ter mais do que 16 anos. Sua vida mudaria, não aceitaria mais desaforos, não deixaria nada igual em sua casa e seu trabalho seria diferente. Não obedeceria mais às cagadas que seu chefe impunha. Faria algum relatório errado, ferraria com a empresa e na reunião do conselho colocaria a culpa no chefe que não revisava porque o filho bastardo passava a tarde inteira com dor de barriga.

Que inferno essa vida, mas tudo seria diferente. Culpa daquela água com gás horrível que o deixou com uma vontade insaciável de arrotar. Voltou para casa, abriu a porta e viu sua futura ex-para-sempre-namorada sentada no sofá, acompanhada pelo seu gordo pai, pela sua ridícula mãe e pelos seus pais. Sua mudança começaria ali, expulsando a todos de casa.

Entretanto, antes que pudesse falar, sua ex-para-sempre-namorada Mariana disse:

- Eu já contei a eles que vamos nos casar, môzinho.

Sua nova vida desceu pelo bueiro da rua. Todas as mudanças, incluindo o chute na bunda do gordo e o bar com champanhe e refrigerante barato, a falência da empresa, nada daquilo seria real porque ela, aquela maldita dançarina de tango que quase o matava com pisões irresponsáveis em seu pé quase fraturado, ela, o havia intimado ao casamento. Como dizer não àqueles olhos escuros?

Palavras não falou, apenas resmungou um burp.

Ah, aquela maldita água.

8 comentários:

Emilia Vaz disse...

Muito legal!
Obrigada por passar no blog,e deixar tua opinião.
To no seu rastro,Vini!
Saude,Sorte e Sucesso em 2011

Jessica disse...

obg por comentar lah no derivações ^^

amei essa sua idéia de a cada post indicar uma música, sério mesmo.

abraços!

Ana Ferreira disse...

Gostei bastante do texto, do estilo de descrever meio trágico, meio de quem quer mais nada com a vida.
O que uma frase não muda? Toda uma vida, bueiro abaixo.
Muito legal, de verdade!

Rayanny Vianna disse...

- Quanto drama hein? e tudo por causa de uma intimação de casamento, rsrs.

Amei o post, o blog. Um encanto!

Tô seguindo...

P.S.:obrigado pela visita e volte mais vezes;

aur revoir ;*

Juliana Wulpi disse...

Caraca, muito foda.
Desculpa o palavriado, nem sei o que escrever aqui nessa caixinha. O texto está muito bem escrito, e a história ficou muito legal.
O cara reclama, mas no fundo gosta da mulher, rs

E obrigada pela visita e o comentário no meu blog, fico muito feliz.

Luana S. Santos disse...

Oii
A música do Barão vermelho combina dos pés a cabeça com a história que você criou.
O que não fazemo por amor? O que não mudamos por ele, não é mesmo?

Bjs

To Let Loving You disse...

bacana demais o texto guri, gostei das tuas historias, vou seguir aqui.

Rebeca Postigo disse...

Ah...
Fazer planos é algo comum...
Mas...
Colocá-los em prática é um grande problema...
Adorei o texto!!!
Você consegue colocar doses de humor que tornam a narrativa bem mais leve...

Bjs