segunda-feira, 26 de abril de 2010

Histórias do Bandiolo - Você não gritou, você não viveu. Você apenas existiu. E morreu.

Diferentemente do pobre que não tem nada mas quando uma enchente arrasa sua casa ele diz que perde tudo, este, aquele, seja lá quem ele era e onde estava, não perdera tudo. Pelo menos não ainda. Centrado e concentrado em seus afazeres, por um instante um asterisco caiu em sua cabeça. E o pensamento foi longe. Muito mais longe do que seus afazeres necessitavam que ele fosse.

E voou em pensamentos longínquos, distantes, até que um outro asterisco caiu sobre si. Então parou, olhou para os lados. Estava agora na sua infância. Procurou uma poça d'água e nela viu seu reflexo. Voltara a ser criança naquele momento. Tão jovem, cheio de vontade, de disposição, de pureza, de inocência. Quando aproximou-se de seus antigos colegas, começou a chover. E então sua viagem continou. Para longe dali.

Estava agora na faculdade. Aquela coisa louca e com pouco daquilo que tivera na infância. Agora o seu eu falava mais alto do que alguma coletividade. Os nervos e as células todas à flor da pele. Não sabia explicar aquela sensação, mas sentia-se poderoso, dono do mundo, do seu imenso mundo, o qual não possuía fronteiras. Era dono daquilo, de si. E ao avistar a antiga paixão, começou a nevar. E diferente da intensidade da chuva, a neve veio calma, e logo tudo ficou branco.

Em um piscar de olhos chegou novamente onde estava. Senhor de idade, viúvo, só. Solidão que nunca lhe acompanhara e que ao conhecê-lo nunca mais separou-se dele. Não fazia mais diferença alguma. Sem herdeiros ou pequenos guerreiros em sua vida, via-se cercado de trabalho, de seu trabalho. Mas não queria mais aquilo. Queria paz. A morte lhe traria paz, pensou.

E foi em busca disso. Sem janelas, sem cordas, sem armas ou venenos. Queria que o céu caísse sobre sua cabeça, tendo então, uma glória. Glória avessa, estúpida e vazia. Mas era a glória que queria, já que a única que conseguira em sua vida o mundo lhe tirou da pior maneira possível. Distante da morte, rente ao patético. Sua Glória lhe abandonara. Anos atrás. Pela mulher mais gorda que já pisou na face da terra. Talvez tenha sido dela, da sua antiga Glória, a glória de ter sido a primeira mulher a largar um marido para viver com outra mulher.

Glória avessa, glória devassa. Glória ingloriosa para este que, vendo sua vida sem sentido, já estava morto e não sabia. Existira por anos, até que decidiu glorificar-se pelo céu descer sobre si e arrasar com tudo o que havia existido em sua patética vida.

Estava morto e não sabia, por isso sua vontade de morrer com alguma glória fora apenas um sonho que não existiu, pois ele já não existia mais. E só depois que o asterisco caiu em sua cabeça percebeu que ele era, na verdade, um pedaço do telhado de sua casa. Asterisco maldito, que o levou para longe, o fez pensar numa falta de vida naquela existência imunda.

Morreu, perdendo naquele asterisco a última chance de ter uma glória antes da sua morte, ou durante a mesma.

5 comentários:

Anônimo disse...

Caro Frederico, eu gostaria de dizer-lhe que fico feliz em saber que existe alguém como você. Abri um sorriso ao ler o seu perfil. Em vários trechos me identifiquei bastante. Só mais uma coisa a destacar: Parabéns! Parabéns por ter um pensamento tão crítico do mundo e não ser mais um daqueles hipócritas e "caras-de-pau" ignorantes de tudo que está errado. Infelizmente os que querem e têm força para mudar são a minoria. Sinto-me grata em falar tudo isso. Até mais, Sophie.

Anônimo disse...

Sophie novamente, desculpe-me pelo equívoco em errar o seu nome. Me confundi por estar fazendo muitas coisas ao mesmo tempo.

Anônimo disse...

Ri de mim mesma por isso, mas, OK!

Érica Ferro disse...

Morreu morto sem chances de vida, porque nunca as agarrou quando podia.

;*

Não agradeça, venho aqui porque é algo que me faz bem. Acredite!

Rebeca Postigo disse...

Por que sempre que tudo está um perfeito caos a primeira idéia que vem a nossa mente é a que queremos morrer???
Hum...
Acredito que recorremos a isso porque é a saída mais fácil para o nosso problema...
Buscamos sempre e de alguma forma a fuga...

Bjs