quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Reflexões de um maluco(7) - Lágrimas sem chuva em um mundo sem viver


Dizem que a vida é feita de escolhas. Que cada escolha traz uma consequência, ou uma série de consequências únicas, que nenhuma outra escolha traria. As pessoas dizem muitas coisas. Tantas coisas que elas não param para pensar nelas. Nas coisas e em si próprias. Elas falam. E falam. Podem até ter sentido, mas ele estará apenas na frase, e não na pessoa que diz, na intenção da pessoa que diz ou mesmo na razão da pessoa dizer.

Dizem, falam, comentam. Bobagem. O mundo precisa é de pessoas mudas. De pessoas cegas. De pessoas surdas. O mundo precisa de dias no escuro, noites de sol. As pessoas merecem chuvas que não molham, raios de Sol que não aquecem, árvores que não fazem sombra e abraços que não acalmam. Precisam parar de falar, de ver, de ouvir. E até de sentir. Precisam parar com tudo o que possa lhes ser razão aparente para reclamação, para palavras intencionais mas sem sentidos, para vidas sem fundamento.

Vidas que não seriam vidas se não existissem padrões. Tendências. Passado a ser seguido e reescrito, parâmetros e metas a serem cumpridas. Vidas e mais vidas desperdiçadas pelo simples pensamento de continuidade. De manutenção, de conservadorismo. Vidas e mais vidas não vividas por uma insistência teimosa no que não faz sentido nem em raciocínios insanos. Tempo mal usado, desperdiçado de fato, com memórias e planos egoístas que atrapalham "apenas" algumas poucas vidas que precisariam muito menos do que a mera ausência desse egoísmo e desse orgulho traria e daria.

As pessoas reclamam da vida. Reclamam do time que perdeu, do calor, da chuva, do vento que estraga o cabelo, do céu que não está azul o suficiente ou mesmo do lindo azul(qualquer que seja o tom) do céu. Acham que a vida deveria ser perfeita. Com momentos perfeitos todos os dias, ou ainda, todas as horas. Com histórias e livros impecáveis. Apenas com bons momentos. Reclamam que não aprendem, que não tem oportunidades. Reclamam e xingam os momentos de tristeza, a dor, as lágrimas.

As pessoas esquecem os sonhos, esquecem a sinceridade em gestos, palavras e sentimentos. Esquecem dos sorrisos, dos olhares, dos abraços e dos beijos. Esquecem daquilo que lhes fez bem. Esquecem. Como um devedor esquece de pagar. Porém lembram cada detalhe do dia triste, cada nuvem no céu nublado, cada grão de areia na grama, cada vírgula colocada no lugar errado. Esquecem e lembram. Ou pensam fazer isso. Lembram de reclamar da vida, mas esquecem que a vida não é perfeita, que ela não pode ser perfeita. Que ela não precisa ser perfeita. Que os sonhos não precisam ser realizados de maneira perfeita. Esquecem que a sinceridade naquilo que recebem e doam é mais importante do que qualquer frase perfeita escrita no livro de suas vidas.

Por isso acho que o mundo precisa de cegos, para que o céu, o sol e todas as maravilhas da natureza sejam mais valorizadas. Precisa de mais surdos, para que a palavra sincera, a declaração de amor, o desabafo amigo e todas os gritos da alma sejam mais valorizados. Precisa de mais mudos, para que a conversa seja valorizada, para que as oportunidades não sejam desperdiçadas e para que a música, a poesia e quaisquer frases não sejam mais banalizadas.

As pessoas dizem muitas coisas. Dizem que valorizam algo só quando perdem-no. Dizem que valorizam uma pessoa só quando estão longe dela, ou a perdem para sempre. Dizem que só há verdadeira valorização num sentimento, ou mesmo num gesto que o prove, quando não o tem mais a qualquer momento. As pessoas dizem muitas coisas. Ridículas.

As pessoas dizem sem saber. Ouvem sem querer. Vêem por obrigação. Pensam sem razão. E vivem, ou fingem que vivem, sem sentimento, sem coração.


*como a maioria dos meus últimos textos, esse vem de um lugar escuro 
e escondido, que ainda não consegui dizer se está na cabeça ou no coração. 
A solidão, a tristeza, a decepção 
e a simples lembrança de tudo aquilo que me faz bem 
se misturam nessas palavras.

7 comentários:

Taw disse...

Ter toda essa percepção só é possível com solidão mesmo...

pergunto-me... será que perder toda a oportunidade de "estritamente viver" com as pessoas, valorizaria mais a elas e suas respectivas "formas de vida"[?]?

o que realmente merece valor nesse mundo?

são só perguntas...

xD

:-P

Emerson Reis disse...

Gostei da profundidade de seu texto, com cegos, surdos e mudos a mais, valorizaríamos as palavras, vozes e canções que desprezamos tanto!
Parabéns e #notiquet
DO seu amigo @merson

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Perdão por excluir o comentário (sim, o "autor" acima era eu), comentei sem querer da conta de outra amiga que estava aqui, mas enfim.. Vamos ao comentário né? Eu acho que você tem razão. Se fosse me definir em uma palavra, seria a primeira a trazer "impulsiva" a tona. Talvez meus textos não sejam dos mais maduros. Mas é disso que eu gosto, de impulsividade. Daquilo de "a vida é uma só", entende? Pensamentos de jovens heheheh.. Talvez um dia mude, mas por enquanto é assim.. Obrigada pelo seu carinho e faço minhas as suas palavras: também gosto muito daqui, embora as vezes não comente. Beijos =)

... disse...

(respondendo o comentário feito ao meu post) realmente você tem toda razão,ou não; mas lhe confesso que seja um grande erro

beijos

Cristiano Contreiras disse...

Caro, Manfio. Sua blogsfera é um misto de literatura e informação, sim: pois dentro de sua opinião e suas crônicas, você exerce uma reflexão e propõe a própria crítica de mundo.

Muito bom os posts, dei uma lida em alguns. Já sou seguidor, abs

Érica Ferro disse...

E é na dor que a gente escreve coisas profundas e reflexivas.

Cara, estou sem palavras pra dizer o quanto amei esse texto.
Sabe alguém que perdeu as palavras?
Pronto, sou eu.

Acho que é dispensável as minhas palavras agora.
Você falou tudo e falou bem.

Só posso dizer que compartilho da mesma opinião que você.

Olha, estou te seguindo. Não poderia deixar te seguir depois desse texto tão fantástico.

Peço licença até para postar esse texto num blog que faço parte. Isso é, se você permitir. Coloco os devidos créditos do autor, no caso, você.
Enfim, esse texto é muito fantástico e deve ser compartilhado com todos.

Ah, adorei esse trecho:
"As pessoas dizem sem saber. Ouvem sem querer. Vêem por obrigação. Pensam sem razão. E vivem, ou fingem que vivem, sem sentimento, sem coração."

Grande abraço.