sábado, 14 de novembro de 2009

Histórias do Billi J. - Tudo sumiu, tudo se foi. Coração que volta a bater.



"Caro amigo Vini Manfio:

Era apenas mais um dia. Acordei naquele dia com a ideia de que seria mais um. 'Just another day', apenas. Rotina de sempre: acordar, ler o jornal, comer, ir par o banheiro, tirar as meias e colocar o chinelo, andar um pouco pela casa, ouvir Kinks nos lp's originais que ele comprei em um leilão na internet, enfim, o de sempre até trocar a camisa, colocar uma calça, os tênis brancos e ir para o trabalho.

Tudo estava tão... normal naquele dia. Normal de habitual, não de comum. O Sol e seu calor intenso e insuperável, as árvores sendo louvadas como maravilhas de Deus pelas sombras necessárias, as crianças indo para a escola e quase sendo atropeladas por motoristas céticos, arrogantes e estressados que acham que se chegarem 10 segundos atrasados aos 5 minutos de babação ao chefe antes do trabalho serão demitidos. As coisas estavam acontecendo como acontecem todas as manhãs.

E eu caminhando. Pensando na vida. Em como estaria o meu coração, que a Renata levou com ela para a Inglaterra. Renata. Namorei outras gurias(puts, agora acho que posso falar em mulheres, mas na época eram gurias) mas nenhuma despertou em mim algo além de um carinho. Bons momentos, mas nada que me traga imensos e sinceros sorrisos quando lembro. Pessoas legais, mas nenhuma como a Renata. E como eu sentia falta dela.

Mas então. O dia seguiu normal. O trabalho, normal. Nenhuma grande incomodação. Fiz o que tinha que fazer, almocei, voltei ao trabalho. Nada de mais. Conversei pouco com aqueles porcos hipócritas que me cercam, bando de puxa saco. Malditos. Quando podem, me ferram. Inventam coisas que não tem cabimento contra mim. Quase fui demitido várias vezes. Por isso não converso com quase ninguém.

Enfim. Era só mais um dia. Quando cheguei em casa vi um email. Da Renata. Fiquei feliz que ela tinha me mandado algo. Quando vi que era apenas uma frase quase fechei o navegador. Bom, li, óbvio. Ela pedia que eu ligasse o celular e ligasse para ela. Caramba. Eu ia gastar um bom dinheiro. Ligação internacional. Caro pra dedéu. Mas ela pediu. Talvez precisasse. Adivinha? Liguei, claro. Não aguentei. A sensação de que ela precisava falar comigo falou mais alto.

Liguei. Chamou, chamou, chamou. Estava quase desligando quando ela atendeu. O coração deu aquela bombada, foi sangue para todo o corpo em instantes. Os olhos brilharam, o sorriso veio. Alegria que contagiou meu corpo. Quase não conseguia segurar o celular. Antes que eu pudesse perguntar se ela estava bem, ela me disse que queria me ver. Eu disse que também queria ver ela, mas que não era possível no momento. Ela disse para eu ir na antiga casa dela, pois havia preparado uma surpresa para mim. Eu perguntei o que era e ela disse que, se confiava em nela, iria lá agora mesmo. Então disse que me amava e desligou.

Fiquei sem reação. Estranhei. Pensei e repensei. Por que eu iria lá? Ela não está lá. Ela mora longe daqui. Por que ainda fico alimentando esperanças? Eu continuo amando-a do mesmo jeito que passei a amá-la quando ela me disse oi pela primeira vez, há longos... sei lá. 10 anos. Ninguém no meu lugar iria. Ninguém. Fazer o que lá? Sabe-se lá quem estaria morando lá agora. Quem sabe a Gabriela, minha primeira namorada e prima da Renata. Seria bom revê-la mas, não sei. Pesei tudo que tinha na cabeça. Tudo me dizia para não ir. Mas o "se você confia em mim, vai lá" falou mais alto.

'Coração idiota, por que ainda faço o que me pede?' pensei naquele momento. Mas fui. Antes, tomei um banho, coloquei uma roupa bem normal, bem simples, e saí. No caminho tudo veio à mente. Que surpresa ela teria para mim? Se quisesse me mandar algo pelo correio, saberia meu endereço. Não fazia sentido. Mas eu estava indo. Meu coração e ela me disseram para ir. Fui. Sem pressa. Meu coração batia acelerado. Diminuí mais ainda o passo. Mas ele continuou querendo saltar pela boca. Parecia desesperado, ansioso, mas pelo que? Por uma surpresa que, no fim, não seria nada do que eu realmente gostaria?

Segui. E cheguei lá. Toquei a campainha. Ninguém atendeu. Comecei a ficar irritado. O que ela queria que eu fizesse naquela casa que parecia não ter ninguém dentro? Pensei em ligar para ela. Toquei mais duas ou três vezes a campainha. Vi a cortina se mexendo. Estão chamando a polícia, só pode. Então tentei ligar para ela. Quando começou a chamar, comecei a escutar algo tocando. A nossa música. Beautiful, do Marillion. Era essa a surpresa. Ela me trouxera aqui para escutar a nossa música. Mas ainda não fazia sentido.

Quando a maçaneta da porta começou a girar, pensei que iria ser xingado. Estava cabisbaixo, como quem diz "tá bom, não vou mais incomodar, aliás, não sei por que toquei a campainha". E aquela música foi se aproximando. E eu cantando apenas com os lábios. Quando ouvi uma voz cantando. Não, não podia ser. Eu não conseguia olhar para cima. Meu corpo estava prestes a... sei lá, me abandonar. Comecei a cantar alto aquela música, porque aquela voz parecia ser da Renata. Eu estava sonhando. Só podia. Louco, insano, sonhando com alguém que mora há milhares de quilômetros daqui.

Continuei cantando a música alto, mas aquela voz não saía. Não desaparecia. No último refrão, cantei o mais alto que pude, mas aquela voz continuou. Ela se fez presente comigo naquele momento e eu, por algum motivo, não conseguia parar de olhar para o chão. Que me levassem preso, mas eu não sairia dali enquanto a música não parasse de tocar.

Foi quando a música parou. E eu percebi que a minha ligação estava indo para a caixa de mensagem. Sem perceber, meu celular continuou chamando. Durante toda a música. Não consegui entender como, isso é praticamente impossível. Mas naquele momento fora possível. Não sei. Aquilo me trouxe de volta à vida. Meu coração batia como se fosse um pandeiro numa roda de pagode. Batia mais do que alguma coisa bate no liquidificador. Batia, pulsava, queria sair do peito. Só pela música. Por estar tocando onde estava tocando, na casa onde ela morava.

Era hora de ir embora. Quase tive um infarto, tamanha aceleração cardíaca. Eu devia estar pensando nela, apenas nela, mas conseguia pensar no porquê do meu coração quase ter explodido. E eu nem sequer vi de onde vinha a música. Meus olhos lacrimejavam. Todas as lembranças dela, aquela angústia por não vê-la há anos. Todo amor guardado. Tudo. Todo aquele desejo sincero de estar com ela. Uma lágrima caiu do meu rosto e, antes que eu levantasse a cabeça, ouvi um "Oi".

Eu estava delirando. Definitivamente. Ia ligar para o manicômio. Estava ouvindo a voz da Renata. Mas como não tinha mais nada a perder e, tendo a certeza de estar alucinado em virtude de uma simples música numa casa 'qualquer', resolvi levantar a cabeça e... quase morri Vini. Sério. Ou tinha morrido e não sabia. Ela estava na minha frente. Eu ouvia a voz dela. Mas não conseguia acreditar.

Antes que eu pudesse pensar que era um sonho, ela abriu o portão, se aproximou de mim, segurou a minha mão e, indo no fundo dos meus olhos disse "Eu voltei". Sinceramente, se algum dia o tempo parou, foi naquele instante. Eu não sabia se acreditava naquilo ou o que teria que fazer para acreditar naquele sonho. Eu não sabia de mais nada, nem qual a porcentagem de ácido acético no vinagre(lembra que eu sou engenheiro químico né?). Nada. Mente vazia.

Fazia sentido o coração quase sair do corpo, aquela ansiedade toda. Pressentimento. Dizem que existem essas coisas com pessoas que se amam. Amor sincero e mútuo. Dizem. Talvez não exista. Mas naquele momento qualquer coisa que me dissessem que o amor poderia fazer, eu acreditaria. Se dissessem para me jogar do alto do Big Ban por amor, eu me jogaria. Tudo. Faria tudo. Porque eu não sabia o que estava sentindo mais. Meus pés não tocavam mais o chão, meus olhos já não viam, minha boca não falava, meus ouvidos não ouviam. Eu parei de funcionar. Quase por completo.

Só o meu coração quase explodia. Quase explodiu. Demorei a entender que era ela mesmo. Toda aquela saudade, aquele amor, toda... todo... eu não sei. Jamais vou conseguir explicar o que senti. O que vivi naquele momento. Indescritível, literalmente. Sem palavras. Ela voltara. Para casa. Para mim. Se houvesse um ranking, eu seria o homem mais feliz do mundo. Muito mais do que alguém que ganhara na loteria, que conseguira qualquer que fosse a coisa. Eu era mais feliz que a própria felicidade. Louco, insano, feliz.

Ela tentou me explicar. Eu não pedi explicações. Nem pedi quanto tempo ela iria ficar. Mesmo assim, ela disse que havia voltado para sempre. Por mim. E pela mãe dela, claro. Não importava. Ela que voltasse por saudade daquela casa, do vira-latas, do sistema de transporte público precário. Pelo que fosse, ela voltara. E... mais linda do que nunca. E como ela é linda. E como seus cabelos balançam quando ela caminha...

O amor da minha vida Vini. Depois de tanto tempo, estava com ela novamente. E nem tínhamos sequer dado um abraço, um beijo. Apenas nos olhávamos, de mãos dadas, como namoradinhos à moda antiga. O mundo não existia mais. Meus problemas não existiam mais. A minha vida talvez não existisse mais. O mundo talvez não existisse mais. O abraço, o beijo. Os abraços e os beijos. Ficamos horas na frente da ex e agora atual casa dela. O meu amor estava comigo. Depois de tanto tempo longe, percebi que não vivi nesses anos. Apenas sobrevivi. Muito bem, mas faltava algo, faltava o amor, faltava ela.

Decidi que daquele sonho não queria acordar. E passei a vivê-lo todos os dias. Pedi demissão do meu emprego e arrumei outro, melhor e sem pessoas tão sujas quanto no antigo. Fossem quem fossem. Não importava mais quem estava ao meu lado, pois sabia que eu a veria. E só por vê-la eu perdia tudo que de ruim possuía, na cabeça e no coração.

Eu não sei como terminar essa carta. Não sei como está a sua vida, a sua cabeça, o seu coração Vini. Não sei. Não sei como está a sua faculdade, os seus amigos, sua família. Não sei Vini. Me desculpa, mas com ela aqui, momentos como esse são raros. Serão raros.

Desejo a você que consiga viver como eu agora vivo. E obrigado pela ajuda em todos os momentos ruins que passei.

Grande abraço,
Bilionárico Johansson
"

6 comentários:

Érica Ferro disse...

Caraca!
Vini Manfio me deixa sem palavras!

Quanto sentimento, quanta intensidade, quanto amor nessas palavras!
Incrível essa forma que você escreve e nos prender, nos angustia pra devorar as linhas cada vez mais rápido e louco pra chegar o fim, pra saber o que houve, enfim.

Parabéns, Vini.
Parabéns!

Abraço sincero pra ti.

Taw disse...

Esse texto expele sensações... difícil mesmo um texto que me faça lembrar delas e não apenas das suas definições...

gosto muito!

uau.

k. Ferreira disse...

perfeito! comecei a segui-lo hj e espero ler mais textos recheados de sentimento...

Jééh disse...

uma palavra: AMEI *-*

RetiredTeacherD David Black disse...

Quanto sentimento, quanta intensidade, quanto amor nessas palavras!

Caroline Lazzari Manfio disse...

Maravilhoso, Vini!