quinta-feira, 7 de junho de 2012

Histórias de uma vida não vivida (47)

*Ninguém, possivelmente, entenderá quaisquer motivos, se é que existem. Há coisas que, quando superam o nível consciente e passam a ser gestos espontâneos, tornam-se conquistas que dificilmente serão desperdiçadas. Por mais que ninguém do mesmo nível existencial veja, alguém em outro Nível, distante da razão, sempre vê. Nada é feito para isso porém, não há sentido em querer fingir que aquilo que é, ou que passa a ser pela repetição - obtida apenas pela vontade aliada à persistência -, é feito apenas por si. A justiça, a verdade e tudo o que é significativo, quando vividas apenas por si, perdem seus significados essenciais. A bondade e todas as formas de amor, também. Tudo tão confuso... e ao mesmo tempo tão simples.

Mãos no bolso, pensamentos vagos e passos apressados. Chegar em casa, jantar, estudar e ver os últimos cinco minutos do jogo... bom, em resumo era isso, mas os pensamentos se desenrolavam na seguinte ordem.

O que preciso fazer, agora:

Chegar em casa... ah, será que ela já voltou de viagem? Tá, depois de chegar em casa, preciso jantar, pois estou com fome e... bah, seria bom se pudesse repetir aquela noite em que jantamos aquele, como era mesmo o nome... enfim, aquela coisa parecida com salada, como me diverti... ah tá, para. Jantar e depois estudar... hipocrisia, não consigo me concentrar enquanto ela não... eu PRECISO me concentrar! E, se o estudo render... hipocrisia de novo... vejo o finalzinho do jogo e os gols da rodada.

Sendo assim, não prestava atenção nas dezenas de pernas desnudas que passavam rente às suas, em meio a uma multidão sedenta por uma das tantas festas citadinas da noite. Era estranho, fosse quem fosse, conhecida ou não, não era alvo de olhares desesperados, como os que aqueles dois marmanjos na moto desferiram a recém. O problema é que o motorista quase entrou reto no prédio enquanto... quem se importa também?

Depois de assistir o jogo vou dormir e...

- Ao dobrar na esquina da rua onde morava, o choque inesperado e inocente, livros ao chão e um rosto apavorado com... o que? -

- Desculpa, não tive a intenção de esbarrar em você. Deixa eu te ajudar a recolher os livros.

- Não, não.

Ela tentava agarrar aqueles livros de qualquer jeito, como se estivesse correndo risco de morte permanecendo na minha frente.

- Eu não vou fazer nada, só quero ajudar.

- Não precisa, não precisa.

Não olhou para mim. Não aceitou minhas desculpas e sequer me permitiu ajudá-la a recolher o seu material caído no chão. Quando minhas mãos se aproximavam de um livro, ela antecipava e puxava-o para perto de si, recolhendo-o então.

- Você está bem?

- O que?

- Perguntei se você está bem.

- E por que você se importaria?

Poderia mandá-la pastar, ir para o raio que a partisse mas... não.

- Eu só queria saber se poderia ajudá-la.

- Não, não pode. Ninguém pode.

Recolheu o último livro e, ainda sem dirigir os olhos em minha direção, seguiu seu caminho, como se estivesse fugindo de alguém - talvez não fosse eu o causador do medo - ou atrasada para algo muito importante - que não seria uma prova, pois eram quase 11 horas da noite.

Quando coloquei minhas mãos no bolso, percebi que ela havia esquecido um pequeno bloco de notas, ou não havia visto-o no chão. Recolhi-o e fui atrás dela para devolver-lhe. Acelerei meu passo e, quando emparelhei com seus passos, falei:

- Você esqueceu isso. - entregando o bloco de notas.

Sem me olhar, esticou a mão direita, pegou o bloco de notas, colocou em cima dos outros materiais e seguiu, não sem antes perguntar, novamente:

- Por que?

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