segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Histórias de uma vida não vivida (43)


*O delírio do som só pode existir se a imagem tornar-se secundária. Quando não vejo, foco minha atenção para a audição. Quando não ouço, foco minha atenção para a sensação. Se nenhum dos sentidos estiver funcionando, ainda poderei, com ou sem sentido, imaginar. E em todos os pensamentos, vindos do irreal à partir de uma realidade pontual, o impossível toma forma. Deliro com aquilo que não existe, pois a realidade nada mais é do que uma imaginação que foge dos meus pensamentos e passa a ser vista pelos meus olhos, ouvida pelos meus ouvidas e sentida, pelo meu corpo, e pelo coração.

Você gritava, berrava, quase cuspia seus pulmões para fora de tanta força que fazia. Agia como uma criança quando encara algo que a faz sentir medo. Sua voz estava praticamente irreconhecível pois seu tom não era grave, agudo, nem qualquer outro listado na música. Eram uivos, berros, gritos e muitos outros termos que não consigo listar. Seu rosto pouco dizia, ou melhor, não conseguia ver o que estava querendo mostrar, além dos gritos, para mim. Você estava longe porém sua voz parecia estar perto, muito perto. Se meus olhos se fechassem, jamais diria que estava tão longe de mim que nem correndo muito conseguiria lhe salvar, caso estivesse correndo perigo.

Senti medo. Você poderia mesmo estar correndo perigo. Entretanto, poderia estar brincando com a minha preocupação. Você seria capaz, sim, admita. Incrível como não conseguia acreditar, de fato, que era apenas uma brincadeira. Não entendia porque não aceitava isso, era tão... estranho. Se estivesse em perigo, por que não me falaria claramente? Você gritava de um jeito que não conseguia compreender uma frase clara.

Eram nomes, verbos, adjetivos, nada que se encaixasse. O receio de que estivesse em perigo também não era tão forte então... era estranho. Nem bem, nem mal. Nem precisando, nem ironizando. O que você estava fazendo? Estava com medo? Não via movimentação dos seus braços, sequer conseguia ver o seu corpo. Era como se apenas a sua cabeça estivesse... mas não, não era só a cabeça porque...

Não era.

O que estava acontecendo? Por que estava gritando? Por que não dizia uma frase completa com algum sentido? Por que não se aproximava? Pensando bem... por que eu não me aproximava?

Tentei caminhar e... mais estranho ainda: eu não saía do lugar. Ou você acompanhava o meu movimento, indo para trás? Não sei dizer. Via você, em algum momento pude ver seu corpo inteiro, seus braços balançando como... um boneco de posto. Sério, você parecia estar dançando de maneira ridícula. Por que fugia de mim? Alguém estava forçando você a fazer isso? Eu havia feito alguma coisa que você não tinha gostado?

O que estava acontecendo?

Por que você nunca me respondeu?

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