sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Pedaços de um pensamento (33)


Disse alguém, certa feita um tanto primitiva, que os melhores frutos humanos são as palavras que surgem em momentos inexplicáveis, por sentimentos ou sensações. À princípio discordava veementemente - sim, com duas mentes na mesma palavra - por achar um tanto hipócrita o ato de listar, em ordem indireta, tudo aquilo produzido pelo ser humano. Há tantos ínfimos detalhes que, inexplicáveis por si só, não ganham tanto destaque quanto gestos impulsivos, espontâneos e, sem dúvida, cheios de sentimento, gestos que, em parte considerável, não passam de carregadores de intenções obscuras e, com isso, não possuindo nada de espontâneo. Talvez seja contraditório afirmar e desdizer na mesma frase porém, não tenho dúvidas que, essa é a maneira certa de colocar o desejo subconsciente como uma desculpa, aceitável mas não justificável, de tantas porcarias que, por seus tons dramáticos ou superficialmente sentimentais, ganham uma aparência de louváveis, admiráveis e passivos de seguimento, de cópia.

Tudo porque poucos são aqueles que se preocupam com a sua maneira própria de viver e, então, tornam-se escravos de gestos alheios, aguçam suas atenções para todos os pequenos detalhes em outros gestos - esses geralmente sinceros e espontâneos de verdade - ao seu redor, em vidas que jamais serão as suas. A preocupação com o que se mostra, seja para amigos, família, namorada(o) ou qualquer par de olhos 'sociais' é tão grande que é difícil que alguém responda sobre si, sobre quem se é, sem associar nessa descrição, nessa demonstração da sua unicidade, uma frase alheia, um trecho de música ou algo que veio de alguém que não si mesmo. Se a pessoa precisa, como tantas outras, colocar uma tatuagem para gritar ao mundo que é uma pessoa livre, convicta e diferente, bem, ela não prova nada. A necessidade em buscar muletas, no aspecto físico, mental, emocional ou espiritual, para sustentar uma imagem própria é a prova de que o eu único e especial é um projeto fracassado, mal executado e que perdeu completamente a essência, não necessariamente de viver, mas de ser.

Quando alguém me diz que todos sofremos influência e que isso conta muito na formação do caráter, bom, eu concordo com várias ressalvas. Transcrever todas seria perda de tempo, meu e seu, então colocarei aqui apenas uma. Se, na minha família, todas as pessoas gostam de comer melancia assistindo futebol, e eu presenciar e viver isso desde criança, provavelmente terei esse costume também, tornarei parte de mim. Aí alguém que está lendo continua argumentando: viu só, é uma ressalva falha essa sua.

Calma, leia até o fim.

Posso sim, por mim mesmo, apreciar o ato de comer uma melancia ( melhor dizendo, um pedaço dela) assistindo futebol porém, chegará um momento em que poderei me perguntar: "estou fazendo isso porque gosto, porque faz parte de mim ou tão somente porque faço isso desde criança?". Essa é a falha. A resposta, para a maioria dos casos, é não. A rebeldia adolescente está um tanto associada a isso, pois é, quase sempre, uma busca por fugir daquilo que sempre se teve como exemplo em casa. O erro não está em não gostar disso e preferir comer uma manga assistindo uma partida de xadrez. O erro é considerar que aquilo não é válido em nenhuma hipótese e, então, formar a própria personalidade baseado em uma negação de parte da sua história, e da história daqueles que desde que nasci estão comigo.

Essa radicalidade cega encontrada na maioria dos jovens, é uma das causas para tanta intolerância para com gostos alheios. Poucos percebem, e aceitam, que o problema não é que eu goste de manga e você de melancia, mas sim que você tente impor isso no meu eu. Só que, ao contrário do que esse bando de rebeldes sem causa pensa, não há forçação de barra para que você goste de melancia. Às vezes as pessoas só querem que você coma melancia vendo futebol para terem a sua companhia. Isso não é compreendido pela maioria que, influenciada por tantos outros idiotas sem personalidade, acham que o mundo conspira contra si e que todos aqueles que o cercam tem em si o centro de suas vidas, por supostamente tentarem mudá-lo a todo custo.

O nome disso? Egocentrismo.

Uma pergunta que deve surgir agora é essa: o que palavras, momentos inexplicáveis, sentimentos e sensações tem a ver com isso? Fácil de responder.

Considerando-se centro do mundo e, ao mesmo tempo, buscando em outros egocêntricos, ideias para a formação de si, fica muito óbvio concluir que a falta de sentido verdadeiro, de felicidade plena e de demonstrações espontâneas e, portanto, sinceras de amor, de carinho e, consequentemente, do seu próprio eu. Perdem-se unidades para formar blocos. Com a diferença que cada pedaço do bloco nem sempre consegue aceitar o pedaço que está ao seu lado. Todos se unem por fazerem parte do mesmo grupo, com as mesmas carências e, sem se dar conta, exigem, ironicamente, ser tratados como indivíduos de personalidade própria e de autenticidade indiscutível.

*Nem preciso transcorrer sobre tantas coisas que circulam, repetidas à exaustão, para embasar o que acabei de escrever.

Um comentário:

Rebeca Postigo disse...

Grande reflexão...
Debati comigo mesma esse assunto algumas vezes e cheguei a algumas conclusões...
Nem sempre as pessoas a nossa volta entenderam...
Todavia, às vezes precisamos manter nossas ideias bem claras e vivas dentro de nós...

Bjs