sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pedaços de um pensamento (50)

- Poderia explicar-me então, senhor, por que saber disso me deixou enciumado?
- Claro que sim, a resposta é simples.
- Diga-me logo, antes que a ânsia por algo que não sei consuma-me por inteiro.
- Acalme-se, é provável que nada disso faça sentido.
- Qual é a resposta? Pare de demonstrar sabedoria.
- Quando descobrir se isso que está sentindo é verdade, saberá por que está enciumado.
- E se não for verdade?
- Terá sido apenas humanidade entretanto, não lhe esconderei, terá achado bom que voltará a tentar senti-lo e, não sendo verdade, ainda sentirá muitas vezes antes de conseguir viver a verdade.

As letras que alguém escreve sabendo que não serão lidas são, geralmente, princípio de grandes e magníficas provas de que a espontaneidade presente em simples atos é essencial para o que muitos chamam de felicidade. A razão disso está no fato de que, mesmo sabendo que não haverá reconhecimento da qualidade do que foi pensado - sequer conhecimento da existência da mesma - , não há desmotivação para tornar aquilo que se pensa naquilo que se pode ver, independentemente de os olhos a ver estarem unidos com o princípio das letras.

Querendo ou não, a busca inconsciente por reconhecimento tira de nós grande parte desse singelo ato de demonstrar, tornando atemporal em palavras, aquilo que nem mesmo a razão em si consegue explicar. Porque é fácil dizer que uma pedra está caindo quando alguém a joga do alto de um prédio. É inevitável, visível e lógico, pois há leis que dizem, explicam e ratificam essa ideia. O mesmo não se pode fazer com aquilo que parte da intimidade de pessoas que, gostando ou não, são frutos do Amor. O amor, humano, é simples por ser nobre, por ser incomparável, por ser de tão diferentes formas e ao mesmo tempo conservar uma semelhança imensa entre as mesmas.

Explicar aquilo que não se vê e, dizem por aí, que não passa de ilusão daqueles que tentam ver o copo meio cheio sempre, é das mais fáceis tarefas quando não há uma exigência descritiva, crítica e, claro, prática. Na teoria é fácil citar exemplos do que é, como funciona, o que ocasiona porém... como age, em si, é complexo. Diriam os poetas - os bons, e não esses enganadores contemporâneos - que é preciso sentir para saber que está vivo. Pensar não basta pois mesmo um cão quando esconde um osso demonstra estar pensando. Não há, também, como exigir que um pássaro voe se ataram suas asas.

As formas e, à partir delas, o ato espontâneo de, a cada dia, viver o que é de fato amor, aproximam qualquer ser (dito) racional da mais profunda insanidade. Perde-se o controle por não saber explicar, talvez vice-versa, tanto faz. O fato é que é tão variado, acontece de maneiras tão diferentes em contextos sem qualquer semelhança que seria de se estranhar se fosse sempre espontâneo.

O começo disso e, portanto, o primeiro componente dessa loucura não deve ser o único momento espontâneo. É necessário que tudo se faça assim para que nunca haja uma explicação, nunca faça sentido, mesmo que um dia descubra-se, então, que houve algum exagero e, portanto, não era bem isso que estava acontecendo.

As coisas que acabam não são, óbvio, eternas. O espontâneo não precisa ser eterno e por isso deve estar presente em tudo o que se sente.

O amor, entretanto, é eterno.

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