quarta-feira, 25 de julho de 2012

Histórias de uma vida não vivida (50)

*É humano procurar no passado explicações para o presente. Muitas vezes elas são encontradas e, óbvio, são úteis porém, em tantas outras vezes, somente criam inseguranças, com relação a outras pessoas e, principalmente, a si. Eis o grande problema, o medo de mudar, de alternar, de fazer diferente daquilo que um dia foi feito e deu certo, mesmo que não esteja mais dando certo, valendo à pena ou mesmo trazendo satisfação. Olhar para trás como ponto de partida é um erro sempre que não se quer ir muito além desse ponto, mantendo sempre a mesma rotina, as mesmas escolhas, os mesmos gostos. Quem morre para algo, não aprisionando-se nele, tem sempre a oportunidade de desfrutar da beleza da novidade, do gostoso suspense da expectativa. Claro, pouco disso tem a ver com as palavras que virão entretanto é bom abrir os olhos pois olhar para o passado dificilmente traz à tona somente uma lembrança específica.
 
Ela olhava para cada pessoa que passava. Acompanhava com os olhos e ia de cima a baixo, como se procurasse algo nelas. Ele estranhou, e perguntou:

- O que você tanto olha nessas pessoas?

Mal sabia que era a única coisa que não deveria perguntar naquele momento. Paranoias femininas devem ser sempre evitadas.

- Sua mãe andou me contando algumas coisas, ontem.

- É mesmo? Como o que?

- Adivinha...

Ele pensou e, na falta de uma resposta sensata, resolveu lembrar da infância.

- Ela deve ter falado que eu jogava futebol com uma bolinha de tênis na garagem e que me jogava no chão para defender meus próprios chutes.

- Não, ela não falou isso.

- Então não sei, não lembro de nada da minha infância que possa me deixar envergonhado.

- Essa história de chutar e defender o próprio chute te deixa envergonhado?

- Não, mas não lembrei de outra situação.

- Ah ta.

Percebeu a emboscada que aquilo seria porém resolveu levar adiante.

- O que ela disse, ou melhor, sobre o que vocês conversaram?

- Sobre os seus antigos relacionamentos, namoradas, paixões, etc...

Ele riu, socando a mesa.

- Antigos relacionamentos meus? Você só pode estar brincando.

- Ela me disse que você nunca teve um namoro muito duradouro e que...

- ... eu, na verdade, nunca havia namorado, ou pelo menos ela não sabia de nada.

- Isso.

- É isso mesmo, poucas pessoas sabem de muitos detalhes da minha vida.

- Você tem o que esconder?

Era tarde demais para pedir uma porção de batata frita.

- Faz diferença saber se existiu alguém?

- Depende.

- Do que?

- Foi importante para você? Você já amou alguém?

- Se sim, por que importa agora?

- Porque eu não conheço ela. Ou elas. Não sei se há um padrão nisso.

- Padrão no que?

- Nas suas escolhas.

- Tipo?

- Olha aquela loira oxigenada lá...

- Qual?

- Aquela que está usando uma saia preta.

- Quase sem saia você quer dizer.

- Essa.

- O que tem ela?

- Quem me garante que os seus antigos amores não eram loiras com pernas grossas que usavam saias curtas que deixam a mostra pernas bem definidas?

Ele riu, balançando a cabeça negativamente. Não havia como voltar, mas poderia ser engraçado. Apesar da paranoia e da possibilidade de levar uma garfada no olho em caso de irritação.

- Não? E então loiras como aquela magrinha, baixinha, com blusa verde e calça jeans?

- Vai continuar com isso, mesmo?

- Vou, até descobrir qual é o seu padrão.

- Por que eu tenho que ter um padrão de gosto?

- Porque todos os homens tem.

- Toda regra tem exceção, não?

- Essa é difícil. Aquela loirinha não é bonita?

- Não sei, você sabe que minha visão não é das melhores.

- Então essa que tá vindo.

- Mas ela não é loira.

- Que bom que agora eu sei que você está vendo ela. Ruiva, olhar compenetrado e voz grave, que tal? Elas eram assim? Você gosta mais das ruivas é?

Ele riu. Ficar calado provavelmente era a melhor escolha.

- Não.

- E a morena que está do lado dela? Olha que corpo com curvas bem definidas, maçãs do rosto coradas, todo homem baba quando vê uma mulher dessas passando. E ainda tem um sorriso bonito, não?

- Acha mesmo?

- Você não?

- Não estou babando. E, bom, esse sorriso dela pode indicar várias coisas.

- Como o que?

- Ela pode estar desesperada porque o cachorro dela, um poodle, desapareceu sem deixar rastros, levando consigo um papel em que estava escrito o nome e o telefone de um cara rico, famoso e com uma Ferrari na garagem.

- Ãhn?

- Desculpa, acho que imaginei longe demais.

Ela sorriu.

- Tá, mas ela é linda, não é? As outras eram morenas também?

- Não.

- Loiras não, morenas não, ruivas não. Ah, aquela de cabelo castanho, todo cacheado, que linda ela né?! E olha aqueles olhos azuis, caramba, queria ter olhos azuis como os dela.

- Gosto dos seus olhos.

- Mas os delas são mais bonitos!

- Você que está dizendo...

- Ela não é linda?

- Ela é bonita, só isso.

- E as outras?

- Também, pareciam ser, ao menos.

- E qual delas era o teu padrão de gosto? Ou melhor, é o teu padrão de gosto... ah, você entendeu.

- Eu já não disse que não tinha um... padrão?

- Não acredito nisso.

Por um momento pensou em desistir de tudo e virar um homem bomba, talvez em outra vida as mulheres não fossem paranoicas.

- Por que não?

- Todo homem tem preferência por mulheres, mais altas ou mais baixas, morenas, loiras ou ruivas, musculosas ou frágeis, magras ou gordinhas, com olhos azuis, verdes, cor de mel ou covinha quando sorriem. Todo homem tem preferência por um certo biotipo de mulher. Todo homem! Só quero que você me diga como eram os seus antigos amores, qual tipo de mulher lhe atrai.

Ele, mais uma vez, riu.

- Não tive antigos amores. Minha mãe mencionou que, à princípio, não tive nenhum namoro propriamente dito.

- Mas se apaixonou!

- Sim.

- Como elas eram? Loiras ou morenas?

Ele olhou para cima como quem pede paciência ao Céus. Sorriu e olhou para ela novamente.

- Elas? Quem disse que foram várias e não apenas uma? Não tive um padrão, ela era ou elas eram bem diferentes e nenhuma delas conseguiu representar para mim o que você representa, tanto que com nenhuma delas tive o relacionamento que tenho com você.

- Por que é tão difícil me dizer o que mais atrai você em uma mulher? E por que não me diz se foi ou foram?

- Ah, falando dessa forma fica mais fácil responder e... foi, pronto.

- Fala logo antes que eu me irrite!

- Mais ainda?

E sorriu.

- Tá, eu acho que, fisicamente falando, uma mulher, para atrair a minha atenção, deve ter um olhar como o seu, sabe, alegre, que transmita algum sentimento por trás, nem que seja a pura e simples atenção dada ao que está sendo visto. Ela deve ter um sorriso como o seu, que instigue espontaneamente um sorriso recíproco, independentemente do que está acontecendo em volta. Acho que ela deve ter também o seu jeito de andar, com leveza, como se estivesse caminhando sobre nuvens ou colchões super macios, passos despreocupados com o resto mas diretos, conscientes de para onde estão indo. Uma mulher me atrai também se souber falar com gestos, como você faz, facilitando a imaginação de qualquer coisa através dos gestos vistos pelos olhos. Ela precisa também vestir-se com roupas com as quais se sente bem, assim como você faz, sem seguir uma tendência externa ou somente influências de marcas e, claro, sem ser vulgar.

Ela silenciou.

Ele sorriu. E bebeu mais um gole do refrigerante.

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