quinta-feira, 22 de março de 2012

Pedaços de um pensamento (40)

Insistem em pegar frases de anônimos e atribuí-las a quem não precisa delas para ser reconhecido como grande. Letrados, filósofos e jornalistas passam a ser autores de frases, textos, vidas que não são suas. Por que desmerecer o pequeno e desconhecido em favor do grande e popular? Por que não aceitar que uma pessoa normal pode escrever tão bem quanto alguém tido, por suas palavras ou ideias, como fora de série, genial? Geniais são todos os que transcrevem, em palavras, imagens paradas ou em movimento e ações tão somente cotidianas tudo aquilo que sentem, que pensam, e que pode ser, sim, origem de sorrisos, de lembranças, de motivação. Qualquer uma dessas pessoas públicas poderia ganhar alguns admiradores a mais se tivessem escrito essas palavras. Qualquer pessoa normal poderia receber o reconhecimento que lhe era de direito por elas. Todos podem ser geniais, únicos, incomparáveis em algum momento. E, de fato, ao modo de cada um, todos são incomparáveis.

Falar em pássaros em analogia à liberdade virou quase uma obsessão dos poetas contemporâneos. Insistem em idealizar para os humanos uma liberdade de ir e vir própria daqueles que possuem asas e podem voar mais alto do que os nossos humanos olhos podem ver. É estranho focalizar em apenas um grupo a comparação de algo que poucos conseguem descrever, embora muitos idealizem sem saber ao certo o que é. Liberdade não é, exclusivamente, poder ir e vir quando quiser, estar onde quiser, seguir instintos e conhecer o tanto que é permitido.

Entretanto, não vou entrar na semântica, e tudo mais, da liberdade. Em si.

Não expõe de maneira correta a liberdade aqueles que pensam nela como uma dádiva absoluta, o mais alto grau de felicidade. Em adendo, não compreendem, todos esses banalizadores de liberdade, que mesmo pássaros não possuem essa liberdade somente por que lhes é de natureza e que, por isso, o ser humano deve possuí-la também. A liberdade de local e a inexistência de obrigações para com quem quer que seja, também é falsa entre as aves que cortam o céu com suas asas em movimento.

Um pássaro, depois de criado por sua progenitora, não começa a voar puramente porque a sua natureza é ser livre e transcorrer todos os percursos sem estar preso a nada. Não haveria sentido na existência, deles e de qualquer outro animal, se não houvesse um dever antes mesmo da sua própria natureza. A busca por algo que lhe permita a sobrevivência é parte da sua natureza, mas não o é em absoluto, porque não há ser vivo no mundo que sobreviva somente por si. É da natureza de todos esses seres, inclusive os humanos, que se busque meios de dar continuidade a espécie, antes mesmo da própria sobrevivência.

Uma coisa não exclui a outra porém o erro da liberdade por si só está na não associação direta e indispensável da essência pelo todo acima da essência - ou natureza, como queiram - por si só. Pássaro algum move suas asas pelo céu para satisfazer a si. Toda sua vida gira em torno da manutenção de toda a sua espécie. Ou existe por acaso algum pássaro que voe para tirar umas férias no litoral? Se o vão para lá, é por algum motivo específico, e nem um pouco egoísta.

Acreditar, e propagar, que o ser humano deve ser livre para então ser feliz é a mesma coisa que ter a certeza de que os pássaros podem voar para qualquer lugar apenas para satisfazer seu desejo de conhecer outros lugares, de ter novas experiências ou de, com o perdão da brincadeira, exercitar seus músculos. Engana-se gravemente quem pensa que é em estado de liberdade de ação que todos devem viver para que o mundo seja um lugar melhor - e aqui exclui-se a constatação de que a liberdade para ações já existe, e são muitos os humanos que destroem as suas vidas, e de outros seres(humanos ou não) também por não compreenderem bem que ser livre não é fazer o que se quer ou se gosta.

Quem associa a liberdade aos pássaros dá um tiro no próprio pé, pois esquece que nenhum ser alado - pássaro ou não - vai para qualquer lugar apenas para satisfazer a si. Se para os pássaros esse estado livre não existe, por que para os humanos, presos ao chão, existiria? 

Porque somos racionais?

Se o fôssemos mesmo, deveríamos todos compreender que não há sentido em ser livre apenas para gritar ao mundo que não estamos preso a coisa alguma. E que mesmo a utópica, e inexistente, liberdade cantada por poetas e rebeldes, necessita de responsabilidade, respeito e limite.

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