segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Histórias de uma vida não vivida (55)


*Milhares de páginas são escritas por copiadores do que já foi feito, proclamadores de ideias que não são suas querendo falar sobre assuntos que não possuem propriedade para chamar de seus. Dias de ostracismo para as glórias do passado que, no presente, são pervertidas por palavras posteriores que, sobre o argumento do modernismo, levam para o lado errado aquilo que estava, e sempre foi, certo. Não adianta querer dizer que as mesmas fórmulas com finais diferentes somente na cor da blusa sejam inovadoras. Não o são. Das histórias que vem, aquelas que são inventadas, podem gerar a pergunta: "De onde isso saiu?" ou mesmo um "Qual a inspiração?". A ausência de respostas deixa claro que os muitos insignificantes que fundamentam e constroem histórias, reais ou não, baseadas na criatividade do próprio ser, são melhores, no sentido original da palavra, do que aqueles que ganham louros de glória sem sequer dar um sentido satisfatório à originalidade. Sonhos que vem e vão ainda são, com o perdão da rima, um clarão em um mundo de... escuridão? Não. Trevas. Trevas racionais, espirituais, psicológicas e, claro, de inovação. O novo geme de dor dentro de mentes perturbadas com o nada que os faz esquecer quem são e, também, por que o são.

Naquela manhã de garoa incessante, ele estava no aeroporto à espera do avião que levá-lo-ia para um congresso, daqueles bem tediosos, que nem os palestrantes mais inteligentes - e que geralmente não sabem passar seus conhecimentos - conseguem salvar contando histórias de guerra onde o conhecimento venceu os maus hábitos e tal e coisa. Lia uma revista sobre curiosidades matemáticas na história da humanidade, bem coisa de alguém que gosta de saber algo que ninguém mais sabe.

Em algum momento entre as dez e as onze horas da manhã, chegou ela, aquela que mudaria seus conceitos sobre o feminismo. Ela não era aquele espetáculo geralmente narrado nas histórias, linda, corpo cheio de curvas e sorriso encantador. Não. Ela parecia mais um homem, com braços musculosos, sobrancelhas grossas e feição de alguém que estava de mal com o mundo, com a vida e até mesmo com os canários. Parecia um monstro carregando algo gigantesco. Ela, aquela que não era um espetáculo, carregava, pelo menos, 8 malas. Das grandes. Duas em cada mão, duas nas costas, uma embaixo de cada braço. Um verdadeiro monstro.

Ele achou que ela não sabia que carrinhos existiam. Até um senhor tentou dizer a ela que aqueles carrinhos serviam exatamente para carregar malas mas ela... era uma mala. De longe, ele a viu dizendo que não precisava de ajuda de homem algum porque ela era mulher - ele era bom de leitura labial, certamente. Ele, após ver aquele senhor ser enxotado dali por aquela mulher, decidiu ser homem, herói, e fazer alguma coisa. Guardou seu livro de curiosidades matemáticas, colocou a mochila nas costas, levantou - e a descrição detalhada não tem outra intenção senão enrolar o nobre e escasso leitor - e foi até aquela mulher.

Sabe-se lá por que.

- Você precisa de ajuda?

- Não preciso da ajuda de homem algum.

- Então pegue um daqueles carrinhos e coloque as suas malas em cima, ao menos.

- Não quero conselho de homem algum, já disse isso para o velho asqueroso que veio com aquele papinho de 'posso ajudá-la trazendo um carrinho para colocar suas malas em cima?'. Homens são todos iguais.

- Aquele senhor, assim como eu, só queria ajudar.

- Sei que tipo de ajuda vocês querem dar. E o que querem em troca.

- O que você acha que eu iria querer de você?

- Você sabe.

- Não, não sei. - ele quis pagar para ver se ela tinha coragem de seguir com aquele papinho feminista.

- Enfim, saia daqui seu machista arrogante, não preciso de homem nenhum para viver.

- Mas precisaria de um carrinho para evitar que suas costas doam daqui a algumas horas.

- Você é médico?

- Não.

- Então não venha com essa falsa preocupação.

- Não estou preocupado com você, foi só um conselho.

- Eu não...

- Já sei, você não precisa de conselho de homem.

- Exato, você não é dos mais burros.

- Já você...

- O que? Se acha mais inteligente que eu?

- Eu, se estivesse carregando oito malas, pegaria um carrinho e facilitaria a minha vida.

- Está querendo dizer que os homens são mais inteligentes que as mulheres?

- Mais do que você acho que são. Deixe de ser boba e pegue um carrinho, não precisa dizer para suas amigas feministas que aceitou o conselho de um homem, aceito passar inexistente na sua passagem pelo aeroporto.

- Chega, não aguento mais esse seu papinho arrogante.

Saiu dali, não sem antes esbarrar, propositalmente nele. Andou alguns passos, esbarrou em uma coluna e caiu. Estava tão nozada que não conseguia se mexer. Ele, então, foi até ela.

- Não vou pedir sua ajuda.

- Quem disse que eu a ajudaria? Só quero tirar uma foto para colocar no 'As pessoas mais burras do mundo' do Facebook.

- Vou te processar se fizer isso.

- Aaaaacho que você tem problemas maiores para se preocupar, agora.

- Cale a boca.

- Para onde você vai?

- Por que quer saber?

- Tem um vôo para Salvador saindo agora, você está com uma bolsa que diz 'Orgulho de ser baiana'. Acho que você iria para lá e, bom, vai perder o vôo por se achar a última goiaba...

- Chega. Se não fosse por você eu já estaria no avião.

- Se você diz...

- Sai, sai, que preciso dar um jeito de levantar.

- Não quer ajuda?

- Você disse que não ajudaria.

- Se você pedir.

- Jamais. Saia daqui seu machista arrogante.

Ele saiu. 

Ela continuou lá. 

Ele riu. Voltou a ler suas curiosidades matemáticas, e até seu vôo sair, ela ainda estava se jogando de um lado para o outro tentando soltar os braços daquelas malas.

Uma mala presa a outras malas. É a vida.


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