domingo, 21 de novembro de 2010

Histórias de uma vida não vivida(29)



*O que iria acontecer? Seus tiques nervosos estavam à flor da pele, dos nervos, das veias, dos ossos e das pontas duplas dos fios de cabelo, já cheio de caspa. Nada de imundícia, caspa acontece com qualquer um em qualquer momento da vida, é como chutar uma bola e arrebentar a vidraça da velha que odeia meninos. Não que a velha importasse para ele, maldizendo assim o dia em que perdeu o senso de normalidade e passou a ser mais um perturbado pelas manias incontroláveis do próprio corpo. Esses problemas de nervos que afetam toda uma vida são incríveis, não adianta remédio, autocontrole ou socos nas regiões que se movimentam desordenadamente. Aquilo havia uma razão de ser. Só faltava descobrir se era nervosismo por ansiedade, medo, angústia, felicidade ou, o mais provável, nervosismo por estar nervoso.

Nenhuma imaginação estava ali. Das milhares de possibilidades, nenhuma era sua. Sem cair no tédio, seguiu seu ritmo lento, com passos cuidadosos e cheios de receio. Quase parando, com medo de tudo e todos à volta. Que poderiam fazer, agarrá-lo? Bobagem. Era medroso por natureza. A natureza o fizera assim por colocá-lo diante de sua face mais imunda. Passado explicativo, nunca justificativo. Sem dúvida aqui. Nem lá, fez o certo, sem matar ou morrer. Caminhou querendo, apenas no fundo da vontade, chegar. Também por não saber onde, como e com quem chegaria, estaria, ficaria.

Sozinho às avessas, realidade invertida, boba mas muito significativa. Não era irreal, não era visível. Apenas era. E, mesmo andando lentamente nessa estrada sem volta, aproveitava. Deleitava-se com leite e mel próprios de uma natureza que, sonhando, um dia seria sua. Lento porém andante, jamais parado. No fim, fazendo valer o que tinha à disposição, ainda que, como essas frases, nada estivesse muito bem definido.

Olhou para o lado ao perceber que aquela solidão o incomodava. Solidão repetida às avessas que incitava uma imaginação. Um pensamento qualquer, bobo, simples, apenas pela companhia. Ali estava, ali queria ficar dando passos lentos à frente. Quem sabe alguém pudesse acompanhá-lo. Não que fosse realmente necessário, mas a diversão de uma imaginação por ser imaginação é ter o que não se precisa, sequer o que se deseja, em uma realidade que nem paralela acaba sendo. Movia-se passivamente, com um tom bruto, e futuramente estrondoso, de vivacidade.

Perdeu-se em ideias, querendo o que não queria. Confundindo a realidade lenta com uma imaginação fugaz, imprevisível. O que não era e, com improvável possibilidade seria, passou a ser por um momento, e toda ladainha banal veio à tona, desnecessariamente. Um sonho que, se bem sonhado, valeria à pena, mas não era o caso, não era o momento, não era a vontade, não era... coisa alguma. Não existe sentimento de culpa, não houve perda ou dano para qualquer um. Um nada insistente, uma imaginação persistente que só teve fim quando a solidão mudou de figura. Não por ter acabado, mas por estar no seu lugar habitual, diário, onde já fica fácil controlá-la, mais pelo costume do que pela sua aquietação.

Percebeu a tempo que aquela era uma estrada em que não importava a companhia, incerta, na duração, mas sim a certa na chegada. Sorriu. Feliz. Não pela imaginação ter sido apenas imaginação. Não por ter chegado a um lugar onde demorará, e muito, a chegar. Tampouco por estar com a solidão habitual novamente consigo. Sorriu por ter descoberto-se um pouco mais. Por ter-se conhecido um detalhe a mais, um pensamento a mais, uma solidão a mais. Bobamente sorria, como criança com sorvete ou mulher com sapato novo. Não havia motivo claro, mas sorria.

*mas a inquietação nervosa continuava

Um comentário:

Érica Ferro disse...

Sabe o que é verdadeiramente ruim?
Estar parado no meio da estrada, sentado, sem forças para seguir, nem lentamente nem rapidamente... Sem motivos para colocar um sorriso no rosto, com o coração em frangalhos e a indiferença nos olhos para com a vida.

Aprecio muito essas Histórias de uma vida não vivida. Em alguns trechos, me vejo nela, como se eu fosse o protagonista.