segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De passo em passo, de olhar em olhar


Quando percebi que estava sendo observado, olhei direto nos olhos de quem o fazia. Era um menino que, como qualquer menino, olhava com curiosidade para aquele rapaz barbudo que estava à sua frente. Sem maldade, sem preconceito, apenas olhava para mim e para minha barba comprida, imaginando coisas. As crianças imaginam muitas coisas quando olham para homens barbudos. Ele me olhava fielmente, como se mais ninguém existisse. Um olhar puro, como qualquer olhar de criança. Ao ver que eu olhava-o, desviou sua atenção como olhar para um sujeito barbudo fosse errado. Também como toda criança ele foi contra o que parecia ser errado e voltou a olhar para mim e minha barba. Saí de onde estava e pus-me a caminhar pelas ruas estreitas dessa cidade. Mas aquele olhar curioso não saiu da minha mente. E foi isso que motivou uma das experiências mais estranhas e perturbadoras que já tive. Assim como o menino, decidi olhar com curiosidade de criança para as pessoas que passavam por mim, tentando imaginar como seriam, o que pensavam, por que estavam ali. Eram muitas, todas passageiras na rua, na cidade, na minha vida. Estranho e tolo, mas precisava olhar para aquelas pessoas e pensar nelas, mesmo que por poucos instantes. A curiosidade que o menino despertara momentos antes era grande demais para ficar presa na minha mente. Segui meu caminho, agora olhando para aqueles seres humano com interesse e simplicidade, buscando uma suposição para cada uma das minhas indagações, apenas pelos seus olhares. Direcionei minha atenção para uma mulher, sentada no canteiro da praça com um saco de latas amassadas, olhando para o chão, sem notar a presença daqueles que caminham como se ela não existisse. Ela não olhou para mim. Outra, uma jovem loira, olha-me nos olhos e é conduzida pelo seu namorado para o outro lado da rua. Ele demonstrou sentir ciúmes naquele momento. A moça da farmácia que olha para a rua apenas esperando o tempo passar para poder ir embora, sem notar que eu a via. A senhora de quarenta anos que troca olhares ríspidos com o senhor de terno e gravata, que posteriormente olha-me e acelera os passos, com medo do barbudo que imaginava estar seguindo-o. O jovem musculoso que torceu o pescoço para a moça que estava escorada no balcão de um bar, e o seu amigo que ouvia música nos fones de ouvido, sem perceber o que acontecia ao seu lado. A menina de olhos verdes que sente-se envergonhada quando notada no meio da multidão. Pessoas diferentes, com motivos diferentes, com rostos diferentes. Nenhuma igual à outra.Caminham para algum lugar como se estivessem sozinhas ali. Pessoas que quando olham, em sua maioria, fingem não ver, não olhar, não reparar na aparência daquele sujeito barbudo, da mulher com a sacola de latas, quando na verdade já definiram o que pensar sobre eles. Pessoas que carregam uma série de pré-conceitos, tentando manter-se distante de todos os desconhecidos com quem cruzam nas movimentadas calçadas da cidade. Vi que essas pessoas perderam o sorriso espontâneo, o olhar curioso e terno daquele menino. Deixaram essa pureza em algum lugar de suas histórias, preferindo seguir seus próprios caminhos sem importar-se com os caminhos percorridos ao seu lado. São pessoas que esbarram e, ao invés de desculparem-se, trocam ofensas. Que deixaram de sorrir sem motivo, por educação, de pedir desculpa, de pensar no semelhante, de dar atenção com um olhar. Que têm pressa e não se importam com a vida de seres estranhos, tão parecidos consigo. Que, infelizmente, deixaram de lado o ser humano.

*eis uma crônica fracassada, 
a grande prova de que as pessoas estão erradas. 
Inclusive eu.
Aqui, lá, em letras ou palavras. 
Ao sol ou ao vento. 
Ao nada.

Um comentário:

Miguel Scapin disse...

O mais estranho é que somos pensantes e nos preocupamos com o que os outros pensam. O mais incrível é raciocinar. Sou eu um ser vivo que pensa, ou um morto-vivo que age por instinto?
Muito estranho pensar que estamos vivos.