sexta-feira, 3 de maio de 2013

História de uma vida não vivida (54)

*É possível criar partindo de algo irreal? A própria criação, em si, tem alguns embasamentos básicos, seja na forma, composição ou algo semelhante mas que parte de um existente visível, tocável ou sentido. Milagres são formas diferenciadas de criação porém seguem a mesma lógica. Não é o irreal, e inexistente atuando naquilo que os olhos enxergam. É Quem está acima da existência agindo sobre a mesma. De difícil mas não impossível compreensão, alguma criação partiu do inexistente. Hoje, entretanto, o que é visto, e sonhado, não passa de uma adaptação - geralmente egoísta- de uma realidade boa ou que possui da possibilidade de sê-la. Não há limites para o impossível e, então, fica fácil perceber que o impossível não existe depois que Alguém deu um fim ao nada e um início ao tudo.

- O que temos para hoje?

- As crianças estão desenhando e daqui a pouco irão dormir.

- E nós?

- Não sei, o que você quer fazer?

- Quero ver um filme com você!

- Hum... parece bom. Então as crianças PRECISAM ir dormir agora, entendeu?

- Está bem, vamos colocá-las na cama, assegurar que estão dormindo e então poderemos ver nosso filme com tranquilidade.

-Isso.

...

- Espera, falta alguma coisa.

- Sim, apertar o play.

- Não, é só isso? Filme, sentados no sofá... só isso?

- Então vamos para a outra sala, sentamos naquelas almofadas gigantes e assistimos ao filme bem juntinhos, que tal?

- Tá!

...

- Amor, ainda falta alguma coisa.

- Ãhn... um cobertor? Está frio, não?

- Isso!

- Vou pegar um cobertor lá em cima então e você poderia...

- ... pegar algo para comer?

- Mas não de bacon, por favor, estou enjoado daquelas tiras brancas no meio da minha comida.

- Tá bom, tá bom.

...

- Ei...

- ...

- Ei...

- ...

- Acorda!

- O que foi?

- O filme nem bem começou e você está dormindo.

- Não estou dormindo.

- Sim, então por que você não terminou de mastigar esse salgado ainda?

- Porque...

- Hum?

- Porque eu dormi.

- Vamos, termine de mastigar isso para que possamos ver esse filme juntos. Há tempos não fazemos isso.

- Por culpa das crianças.

- Culpa entre aspas, certo?

- Claro que sim.

- E o que a nossa pequena estava desenhando?

- Ela não me deixou ver, acredita?

- Sim, o seu filho também não me deixou ver.

- Nosso filho.

- Quando ele age como uma verdadeira criança birrenta ele é seu filho.

- E quando marca gols  no futebol é seu, então?

- Isso!

- E quando é que ele é nosso filho?

- Quando... quando compramos um presente de aniversário para ele.

- M...

- Não, espera.

- O que?

- Quem paga o presente sou eu, então até nisso é meu filho.

- Então?

- Olha, acho que é nosso filho quando ele está doente.

- Mas eu sou a mãe, eu dou os remédios e cuido quando está com febre.

- Quem paga os remédios?

- Ah, verdade, quando ele está doente é nosso filho.

...

- Lembra daquela vez em que...

- Amor, espera.

- O que?

- O que viemos fazer aqui?

- Ver um filme.

- Esse que está terminando?

- Bah, que coisa. Mas é que essas almofadas gigantes são tão confortáveis.

- Eu escolhi.

- Eu...

- Não, essas quem pagou fui eu.

- Eu sei.

- Então o que você estava dizendo?

- Ãhn, não lembro.

- E agora, o que vamos fazer?

- Vem cá, vamos dormir aqui hoje.

- Você só pode estar brincando.

- Não, verdade, vamos dormir, está bem confortável aqui.

- E quentinho.

- E bom!

- Mas...

- O que?

- Onde foram parar nossos salgados?

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