sexta-feira, 11 de março de 2016

Reflexões de um maluco (25)

Estávamos longe um do outro. Perto demais, contudo, para ter como impossível uma resposta afirmativa para aquela pergunta que, bem ou mal, toda relação - em algum momento - exige:

"E agora, o que seremos?"

Mesmo as amizades possuem momentos assim. Vejamos. Você conhece um sujeito, engraçado, começa a jogar futebol com ele, conversar sobre carros, sobre política, talvez até sobre religião mas, principalmente, sobre mulheres - quase todos os aspectos - e futebol (ou esportes em geral, se o sujeito for meio fresco ou torcedor do maior rival do seu time).

Chega, sempre, um momento em que a pergunta 'o que seremos, então?' fica implícita. Somente os idiotas não se dão conta disso. Você, se tiver o mínimo de bom senso, começa a refletir. Se o cara tem mentalidade comunista, se não gosta de futebol ou se tenta conquistar a mulher por quem você é apaixonado (vocês estavam esperando que eu dissesse algo do tipo 'se ele não gosta de mulher', né? Homofóbicos são vocês, caros indivíduos) é evidente que não se esforçará para responder à pergunta e, consequentemente, a estará respondendo com um singelo e sonoro (e, muitas vezes, inaudível) "nada". Não seremos nada porque somos incompatíveis.

Ou porque acho você um imbecil. Ou porque você, bem, você é um esquerdotonto fã do Sacomorto ou do Duviviê.

A questão, contudo, não são as amizades que dependem de gostos em comum, mas também de um reconhecimento de que 'vale à pena ser amigo deste homem'.

Eu, hoje, queria falar sobre as amizades entre homem e mulher. Ou melhor, entre mulher e homem (porque, convenhamos, se as mulheres falam mais numa relação é direito delas serem nomeadas primeiramente). Anos atrás saí de onde estava para passar alguns anos sabáticos em outro lugar. Os detalhes da minha vida não importam. Conheci uma menina, ou melhor, uma jovem - que hoje é uma mulher. Nos aproximamos de forma que começamos a nos encontrar com frequência regular. Frequência esta que era diária quando se tratava de conversa.

Pouco importa o meio, estávamos todos os dias sabendo o que acontecia um com o outro. Conhecíamos muito sobre a vida do outro e, evidentemente, chegou a hora em que foi inevitável - e, curiosamente, imperceptível - ter de responder ao 'e agora, o que seremos?'. Ambos solteiros, gostando um da companhia do outro, alimentando uma admiração recíproca e sincera... e nada.

Quando percebemos que era impossível sermos mais amigos do que já éramos e, ao mesmo tempo, que não havia certeza de que o certo a fazer era trocar o beijo na bochecha por beijo na boca, hesitamos. E aí foi o fim.

Começamos a ficar sem jeito um com o outro. A não conversar mais todos os dias. A não contar mais segredos, detalhes de nossas vidas. Tornamo-nos distantes porque fugimos da resposta que parecia ser a menos real - e que era a mais sensata: Hoje, não.

Respondendo desta forma, hoje, ainda estaríamos convivendo frequentemente, mantendo algo chamado amizade e podendo contar um com o outro para nossas dores, e para compartilhar nossas alegrias. Ignorando a necessária, e exigente, pergunta, acabamos por ignorar que não há como ultrapassar certo ponto em uma relação sem responder, ainda que não definitivamente, à pergunta. O 'hoje, não' nos possibilitaria manter a amizade até que chegasse um momento em que teríamos de nos fazer novamente esta pergunta ou um em que não precisaríamos mais fazê-lo. Poderíamos conhecer alguém que despertasse em nós paixão - coisa que nenhum dos dois foi capaz de despertar no outro, embora não esteja certo de que algum dia tentamos fazê-lo. Veríamos como reagiríamos a isto e... a amizade, ainda que diferente, estaria salva da hesitação covarde.

Não se pode fugir de perguntas definitivas. E o 'e agora, o que seremos?' é uma destas.

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